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“Nenhum povo, seja ele qual for, merece viver sob a guerra”, avalia escritora filha de sírio-libaneses

Uma professora e escritora nascida em Cachoeira do Sul é capaz de dar uma contribuição didática e esclarecedora sobre as peculiaridades do mundo árabe, especialmente aquelas que concernem a libaneses. Mais do que conhecimentos, Cecilia Kemel compartilha a vivência de ser descendente de sírios e libaneses tanto por parte de pai quanto de mãe. A comunidade é significativa naquela cidade, na qual seu pai acabou por se fixar por conta de seu trabalho junto ao setor ferroviário.

Seu livro Sírios e Libaneses: aspectos da identidade árabe no Sul do Brasil foi lançado sob o selo da Edunisc, em 2000, com 104 páginas. Segue até hoje, quase um quarto de século depois, como uma referência para todos que queiram compreender melhor a cultura desses dois povos.

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Cecilia atualmente reside em Viamão, depois de ter se aposentado como professora, a partir de sua formação em Letras. De lá, conversou com a Gazeta do Sul por telefone e também concedeu entrevista por e-mail. Ela frisa que sírios e libaneses, ainda que tendo histórias e vivências próprias, são costumeiramente nomeados como árabes, o mesmo ocorrendo com os palestinos (entre outros). No Rio Grande do Sul, há grupos numerosos também em Santa Maria e em Bagé, Rio Grande e outras localidades do Litoral Sul do Estado.

O que aproxima a todos os árabes, conforme aponta Cecilia, são basicamente três elementos: a língua (falam todos árabe), a gastronomia e a religião, uma vez que habitam uma região em que esses fatores se amalgamam. Entre sírios e libaneses, há somente pequenas divergências culturais: os primeiros se dizem semitas; os segundos se dizem descendentes dos fenícios, que tinham em Tiro o seu histórico porto.
Agora, vendo a terra natal de seus pais mais uma vez conflagrada, sob bombardeio e ameaçada de forte invasão por parte de Israel, Cecilia lamenta pelo contexto trágico que sempre marca essa fascinante região.

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Cecilia Kemel é filha de sírio-libaneses

Entrevista – Cecilia Kemel, professora e escritora

  • Como é a sua ligação pessoal ou familiar com esses dois povos?
    Minha família é totalmente originária dessa região, que era, no momento da diáspora, chamada de Grande Síria. Passando pelo domínio de vários povos (largo tempo sob a força do Império Otomano, depois Reino Unido e França), houve avanços nesse sentido, acordos e tratados foram assinados, e hoje vemos Síria e Líbano como países independentes. À minha família coube localizar-se na Síria, onde ainda tenho parentes. No Líbano, tenho conhecidos e poucos amigos.
  • A partir de que momento ou circunstância despertou o desejo de investigar mais a fundo essas culturas, e como foi desenvolvido esse projeto?
    Eu trabalhava no Museu Antropológico do Rio Grande do Sul, onde desenvolvíamos projetos ligados às etnias que compõem nosso Estado. Ali, unindo a teoria à prática, me foi dada a oportunidade de olhar, ao mesmo tempo com distanciamento e profundidade, a contribuição desse povo, do qual sou parte, à formação da nação sul-rio-grandense. Graças ao apoio da direção do Museu, de extraordinários colegas e, certamente, da comunidade sírio-libanesa de diversas localidades do Rio Grande do Sul, conseguimos montar exitosa exposição a respeito do tema.
  • Em um primeiro olhar mais de síntese, o que em especial diferencia sírios e libaneses, ou o que os aproxima mais fortemente?
    A proximidade entre sírios e libaneses estabelece-se, claramente, em torno da língua árabe e da gastronomia, esta de reconhecido sabor e preferência também entre os brasileiros. A cultura e a religião têm semelhanças, embora, no Líbano, de tendência islâmica, grande parcela da população seja ainda cristã de orientação maronita. Na Síria, paralelamente ao islamismo, existem muitos cristãos ortodoxos.
    Porém, o ponto de divergência entre esses dois povos encontra-se na tese da origem, visto que os libaneses afirmam ser descendentes dos antigos fenícios, reconhecidos navegadores, negando a proximidade com a origem semita dos sírios. Essa é uma questão histórica que, de fato, não chega a causar um real problema.
  • Como ocorreu a presença síria e a libanesa no Rio Grande do Sul? Na região central há núcleos ou comunidades bem definidas?
    A migração de sírios e libaneses para o Brasil veio acontecendo, segundo consta, desde meados do século 19. Chegavam por via marítima, desde os portos do Rio de Janeiro e de Santos, de onde desciam por terra para o sul do país, exercendo diversas atividades, principalmente a de mascates. No Rio Grande do Sul, criaram vários núcleos em cidades como Rio Grande, Santa Maria, Bagé, Cachoeira do Sul e outras. Distribuíram-se logo por inúmeras regiões do Estado, em razão de suas atividades laborais no comércio itinerante, mas acabaram casando-se com brasileiras, formando famílias (pois, num primeiro momento, vieram homens solteiros) e passando a se dedicar ao comércio fixo. Essa opção contribuiu enormemente para a formação de comunidades com características “árabes” mais bem definidas.
  • Como tens acompanhado os bombardeios israelenses ao território libanês?
    Com muita, muita apreensão. Nenhum povo, seja ele de qual origem ou tendência for, merece viver sob as atribulações da guerra. A violência, nesses casos, é indiscriminada e se alastra, desperta ódio onde ele não existia, provoca dor, susto, terror, agonia. E apreensão o tempo inteiro. Nenhum povo merece isso.
  • Tens conhecidos, familiares ou pessoas de contato no Líbano?
    Tenho poucos amigos, alguns conhecidos vivendo no Líbano. Grande parte deles, agora, na impossibilidade de atuar para o fim da guerra, deseja sair de lá. O mundo em que eles viviam está acabando. A insegurança ronda, as necessidades básicas não poderão mais ser supridas por muito tempo. Acreditam que seja melhor abandonar tudo e partir.
  • Como os libaneses, em geral, lidam com a constatação da forte presença de membros do Hezbollah em território libanês?
    Nessa situação, a maioria do povo está, como diz um velho e bom ditado, “entre o mar e o rochedo”. A guerra, qualquer guerra, e ainda mais a do terror, não é um desejo das pessoas em geral. Então, eu diria que o sentimento que vibra no todo é de que haja uma mínima fresta para o retorno da paz. E mais que isso, de tão longe, eu não teria como avaliar.
  • E no Brasil, sentem-se bem acolhidos? É uma relação fraternal?
    O Brasil sempre foi um porto final para a maioria deles. Ainda hoje, muito tempo após a diáspora, é uma casa fora de casa. O acolhimento dos brasileiros, sem dúvida, contribuiu e segue contribuindo para isso. Basta observarmos a integração completa desse povo com a nação brasileira em todos os seus aspectos, desde a primeira geração.

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Heloísa Corrêa

Heloisa Corrêa nasceu em 9 de junho de 1993, em Candelária, no Rio Grande do Sul. Tem formação técnica em magistério e graduação em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Trabalha em redações jornalísticas desde 2013, passando por cargos como estagiária, repórter e coordenadora de redação. Entre 2018 e 2019, teve experiência com Marketing de Conteúdo. Desde 2021, trabalha na Gazeta Grupo de Comunicações, com foco no Portal Gaz. Nessa unidade, desde fevereiro de 2023, atua como editora-executiva.

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