A volta das aulas remotas impôs uma série de adaptações aqui em casa. A começar pela necessidade de readequar os ambientes para que cada um de nossos quatro filhos tenha seu espaço próprio, com o devido distanciamento acústico, nos dias em que os horários das aulas coincidem. A sala de visitas – que perdeu esse status por força da pandemia – transformou-se em sala de aula. O mesmo ocorreu a um cubículo projetado para ser a despensa, mas que há alguns anos passou a abrigar uma pequena mesa e alguns armários com livros, vindo a ser rebatizado como “Escritório” – nome descomunal para o aspecto franciscano do ambiente.
Isso também tem me forçado a adaptar, ao cronograma de estudo das crianças, os horários em que posso utilizar o “Escritório” em minhas atividades, caso da redação da tese e desta coluna. Paciência. O aprendizado das crianças é prioridade. E, salvo algumas vezes em que o roteador não dá conta de manter três ou quatro aulas simultâneas, está dando tudo certo.
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A cozinha, templo sagrado das invenções gastronômicas da minha esposa, também ganhou novas atribuições. É no mesão das refeições que as crianças se reúnem, entre sacos de farinha, temperos e outros ingredientes, para fazer os temas ao cair da tarde. E a Patrícia então se divide entre seus ousados experimentos culinários e a função de mamãe-professora (como ela também é leitora desta coluna, aproveito para fazer “uma média” e lhe dizer que tem se saído bem em ambas as funções).
Mas outro dia releguei para mim a missão de ajudar a Yasmin, 10 anos, em uma curiosa tarefa da disciplina de Produção Interativa: uma releitura, ou reescrita, de alguma fábula ou filme. Ela escolheu recontar a história da Branca de Neve, mas não tinha ideia de como começar o texto. Sugeri então que recontasse a história a partir do olhar do Zangado – personagem que acho muito cômico, no que tem de ranzinza –, transformando-o em narrador. E deixei-a trabalhar.
Dei boas risadas ao ler a redação, depois de pronta. Zangado já começa sua narrativa alertando que, embora trabalhe duro em uma mina de diamantes, gosta de seu emprego – desde que ninguém o aborreça durante o expediente. Revela então que não gostou nem um pouco do aparecimento da Branca de Neve, moça exageradamente asseada, que forçou os Sete Anões a tomarem banho sem que fosse sábado. Até que, enfim, o rabugento narrador acaba rendendo-se aos encantos da jovem, fisgado pelo estômago: – Ela faz uma sopa deliciosa – admite, em dado momento.
Qual não foi a tristeza do narrador ao deparar-se com Branca de Neve caída, vítima da maça envenenada. Por sorte, segundo ele, apareceu o príncipe – descrito por Zangado como “um tipo metido a galã” –, que acordou a jovem com um beijo. Mas, então, o príncipe e a donzela se casam e deixam a cabana dos Sete Anões para ir viver em um castelo.
– E desde então – lamenta-se Zangado – nunca mais comi uma boa sopa.
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Para a caçula, Ágatha, o grande desafio da volta às aulas tem sido interromper o delicioso soninho da manhã. Isso porque não basta simplesmente acordar cinco minutos antes da aula e sentar-se diante do computador. É necessário todo um ritual, bem demorado, que envolve lavar o rosto, pentear os cabelos e trocar o pijama por uma “roupa de sair”. Afinal, a câmera deve ficar ligada durante as aulas.
– Não dá para aparecer com cara de sono, escabelada e de pijama – esclareceu a traquinas.
Outro dia ela me contou que virou moda entre professores e alunos usar um novo recurso que insere cenários atrás da pessoa que aparece na câmera – praias, campos, cidades, montanhas e por aí vai. A caçula deu uma zapeada nas opções, mas nenhuma lhe agradou.
– Não tem nenhum cenário do Naruto – lamentou.
E, por enquanto, seu pano de fundo tem sido mesmo as paredes do “Escritório”.
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