Marcelo Mourão*
Num mundo em que a solidão e o vazio interior parecem ser cada vez mais presentes, os seres humanos seguem imaginando que a não manutenção de relações estáveis e duradouras será a grande solução para o labirinto da existência.
Puro engano. A já tão comum prática do troca-troca sentimental e relacional, ao que tudo indica, acaba mesmo agindo justamente ao contrário, ou seja, não como uma solução, mas como uma causadora e mantenedora destas solidões e vazios, que parecem multiplicarem-se feito epidemia.
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Assim como trocamos de roupas, de carro, de eletrodomésticos, começamos também a mudar constantemente de ideias, sonhos, projetos e, principalmente, de amigos e amores. Há até os que são mais radicais e chegam a deletar parentes de suas vidas. Aos poucos, foi se consolidando a “cultura do descarte”, na qual não só os bens materiais, mas também os “bens” tidos – em outros tempos – como sólidos e essenciais, são defenestrados: amizades, amores e relações de consanguinidade; enfim, tudo pode ir parar no lixo, sem dificuldades.
Está nítido que trouxemos para o campo afetivo as práticas que, antes, ditavam o mundo do consumo e do capitalismo como um todo. Por um lado, se algo mostra ter defeitos, ao invés de consertar, trocamos por outro algo novinho em folha.
Por outro lado, outra característica da sociedade do Capital, que passou também do campo econômico para o afetivo e relacional, foi a questão acumulativa. Hoje em dia, bom mesmo é ser rico, ostentar grandeza e quantidade.
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Ter cinco mil amigos no Facebook, mesmo que só conheçamos uns cem deles. Deu problema com algum? É só deletar e, na maioria das vezes, bloquear. Pronto. Resolvido o problema bem rápido e sem maiores complicações. Infelizmente, a nossa sociedade moderna não liga mais para a qualidade, mas sim para a tão “deliciosa” e ambicionada quantidade. Ou seja, quanto mais relacionamentos tivermos, melhor. Quanto mais dinheiro tivermos, melhor também. Quanto mais tudo, melhor parecerá ser o meu mundo.
Não é à toa que percebemos tão claramente, em nossos dias, o egocentrismo, o narcisismo, a egolatria e os egoísmos se multiplicarem tão assustadoramente. Fica claro que tudo isso faz parte de um processo de constante busca da autoafirmação e da autossatisfação.
O atual sistema de rotatividade, de inclusão e exclusão constantes nas relações afetivas, se coloca cada vez mais contra a potência unificadora do amor, o Eros teorizado por Freud. O amor-próprio, agora agigantado de forma assustadora, tornou-se o amor cego de um Narciso pós-moderno. Cego este que só enxerga a si mesmo, mas que, tal qual o mito grego, afoga-se por não querer a ajuda de qualquer salva-vidas que haja ao seu redor.
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*Mourão é pós-graduado em Literaturas de língua portuguesa, poeta, escritor, crítico literário e produtor cultural.
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