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“Naquele dia, eu nasci de novo”, diz empresário vítima de assalto

O empresário Osmar José Dalla Valle Zucchetto poderia não estar completando 64 anos nesta terça-feira, 5, se a rápida ação de seus empregados, a proximidade de sua empresa com um hospital e o trabalho ágil da equipe de médicos e enfermeiros não tivessem sido empregados em seu socorro, no dia 9 de maio de 2003, quando levou três tiros de revólver calibre 38 dentro de sua própria fábrica.

“Apaguei quando levei o primeiro tiro, no pescoço. Fui arrastado para as britas e acordei quando levei o segundo e o terceiro, à queima-roupa, ambos no peito”, contou o engenheiro Zucchetto, como é popularmente conhecido, responsável por obras em todo o País e lembrado por ter construído o teleférico do Parque da Gruta. No pescoço e no abdômen, guarda as cicatrizes dos disparos.

Um dos projéteis disparados contra ele ficou alojado em uma das vértebras da coluna. Zucchetto concedeu uma entrevista à Gazeta do Sul na primeira reportagem da série Casos do Arquivo, que irá relembrar ocorrências históricas acontecidas em Santa Cruz do Sul e região. Lembrou os momentos de terror vividos por ele e funcionários há mais de 16 anos, no assalto cinematográfico do qual foi alvo, que acabou deixando-o paraplégico, após a ação de três criminosos. Falou sobre a demorada recuperação, que o fez retornar aos trabalhos de forma efetiva somente dois anos depois, e em condição permanente na cadeira de rodas. Por fim, revelou ainda elementos até agora não divulgados, como a suspeita da participação de um parente, que seria a quarta pessoa envolvida no crime.

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José Zucchetto, ao lado do funcionário Gelson| Foto: Cristiano Silva

Tiros para matar
Osmar José Dalla Valle Zucchetto é de Sobradinho. Saiu jovem de casa para estudar engenharia em Santo Ângelo. Em 1986 veio para Santa Cruz do Sul trabalhar na Fábrica de Móveis e Esquadrias Arlindo Gründling. Teve passagens ainda por empregos em Porto Alegre e na Mercur antes de fundar, em 1990, a Metalúrgica Zucchetto, especializada na fabricação de estruturas metálicas.

A sede da empresa, hoje, fica situada na Avenida Castelo Branco, 337, a cerca de 100 metros do mesmo terreno onde funcionava na época do crime. Ele recorda com detalhes o assalto do qual foi alvo, e lembra da rapidez com que o fato aconteceu. “Tudo não deu mais que três minutos. Os assaltantes entraram pela porta, pegaram um parente meu que estava ali e só vi quando um deles berrou pra eu ir até ele e apontou a arma. Eu estava a uns 12 metros. Fui devagar, e ele simplesmente disparou e eu senti tudo queimar no meu pescoço, e aí desmaiei”, afirmou o proprietário da Metalúrgica Zucchetto.

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Cinco ossos do ombro foram fraturados pelo projétil de revólver 38. Um dos clientes que estavam no local levou um tiro de raspão, próximo da cabeça. Naquele momento, indignados com a ação dos criminosos, funcionários se armaram com ferros e equipamentos que estavam próximos. Os assaltantes, no entanto, usaram o empresário como uma espécie de escudo para saírem da área interna da fábrica, antes de fugirem.

“Só lembro depois quando um deles me levou uns 5 metros na brita, lá fora. Aí me deu dois tiros no abdômen, para matar, porque não haviam encontrado dinheiro. No fim, foram os tiros que me fizeram acordar depois de eu ter desmaiado com o primeiro disparo no pescoço.” Os bandidos foram embora sem levar nada. Soube-se, mais tarde, que o comentário entre os criminosos era de que naquele dia haveria R$ 40 mil em dinheiro vivo na empresa, que possuía cerca de 60 funcionários.

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“Não tinha nada. Na quarta-feira, tinha feito o pagamento dos funcionários em cheque. Minha sobrinha tinha acabado de ir pagar umas duplicatas no banco. Só tinha umas moedas em cima de uma mesa”, ressaltou Zucchetto. “Segundo o relato dos médicos na época, se o carro que levou Zucchetto ao Hospital Ana Nery tivesse alguma barreira ou precisasse parar em algum cruzamento para passar outro carro, ele não estaria aí hoje. Só está aí porque os colegas foram muito rápidos em socorrer”, complementou Gelson Luis Limberger, funcionário que acompanhou de perto o caso.

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Registro de 2003 mostra Zucchetto após tratamento médico

No instinto
Eram 14h40 de 9 de maio de 2003, uma sexta-feira, quando Gelson Luis Limberger, hoje com 45 anos, funcionário da Metalúrgica Zucchetto, saiu do escritório para ir ao setor que administrava, do outro lado da Rua Bruno Kliemann, no Bairro Ana Nery, onde ficava a empresa. “Nós sempre tivemos um pátio aberto, recebíamos muitos clientes de fora, então era comum as pessoas chegarem de moto. Vi que uma dupla tinha chegado em uma motocicleta de forma rápida. O motociclista passou por mim, manobrou e o carona desceu. Estava de jaqueta e com uma mão escondida próxima do braço”, recordou.

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O funcionário disse ter pensado que podia ser uma peça para troca ou manutenção. Por fim, atravessou a rua para atender um cliente. “Foi quando escutei um estampido. Achei que uma mangueira de ar comprimido havia estourado, mas, quando olhei de novo, vi um homem arrastando o Zucchetto de costas para a rua. Por minutos, eles me pegariam ali no escritório e não se sabe tudo que poderia acontecer”, relembrou Limberger, que trabalha até hoje na empresa.

No instinto, correu em direção à dupla, que já saía de moto. “No calor da emoção, a gente sabe que toma algumas reações que não são corretas. Eu iria me atirar para derrubar eles, mas quando fui fazer o movimento, um deles apontou a arma pra mim. Nesse momento, a moto passou por cima do cordão da calçada e ele precisou se segurar para não cair, e não conseguiu atirar.” Limberger contou que pegou seu carro e saiu atrás dos assaltantes.

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Logo na saída, em um lance de sorte, ele encontrou o Volkswagen Santana preto da Delegacia Especializada em Furtos, Roubos, Entorpecentes e Capturas, a antiga Defrec – hoje transformada na Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco). Na viatura, dois policiais foram informados por Limberger sobre as características dos bandidos e saíram em busca.

“Nisso, voltei para a fábrica, mas nossos colegas já tinham levado o Zucchetto ao Hospital Ana Nery. Lembro, como se fosse hoje, que passou um carro escuro bem devagar, com as pessoas de dentro olhando”, disse Limberger. Soube-se, mais tarde, que no veículo em questão estavam os assaltantes que haviam abandonado a moto utilizada no crime, em um mato do Bairro Faxinal Menino Deus, e entrado em um Chevrolet Monza preto, em que um terceiro indivíduo os aguardava.

Um parente como suspeito
A polícia prendeu dois envolvidos no assalto no dia 27 de maio de 2003. Um deles, de apelido “Véio”, foi preso em sua residência, no Bairro Santo Antônio. Ele teria sido o homem que efetuou disparos contra Zucchetto. Desde então, segue na vida do crime, com passagens por tráfico de drogas e homicídio. Atualmente, cumpre pena por tornozeleira eletrônica.

Já o outro, de apelido “Marcelão”, foi capturado em Herveiras. Estava trabalhando como lavador de carros em um posto de combustíveis. No local, os investigadores encontraram o revólver usado por Véio no assalto. Marcelão teria sido o motorista do Monza que levou os assaltantes para longe da cena do crime. Ele foi acusado de participação em outro assalto também em 2003. Está em liberdade desde 2006.

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Um terceiro envolvido no roubo não foi encontrado. A participação de um quarto indivíduo também foi levantada pela vítima e a polícia. Um parente de Zuchetto – o homem pego como refém na abordagem dos assaltantes, na porta da fábrica – poderia ter agido como cúmplice. O empresário acredita que existem indícios de participação. “Pela maneira do comportamento dele, por estar perto da porta na hora do assalto, quando não era para estar ali, mas sim cortando material com uma serra que estava bem mais para dentro”, comentou. Uma conversa no elevador do Hospital Santa Cruz teria confirmado a suspeita.

“A mulher dele era enfermeira. Tinha comprado um carro e ‘se apertaram’ de dinheiro. A mulher de um dos assaltantes presos também trabalhava no hospital. As amigas da minha sobrinha, que trabalhavam no setor de enfermagem, ouviram dentro do elevador elas comentarem sobre a participação deles no assalto. Elas contaram para minha sobrinha, que repassou à polícia.”

Segundo Zucchetto, os criminosos também confirmaram o envolvimento desse familiar no assalto. Nada disso, porém, foi suficiente para condená-lo. Embora tenha sido levantado como suspeito, o parente foi absolvido da acusação por falta de provas. “Acredito que ficou na consciência. Era uma pessoa muito próxima, chegava a cuidar dos nossos filhos. Depois disso, foi cada um na sua. Não tive mais contato.”

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Repercussão do caso
Em 2003, a Gazeta do Sul noticiou o Caso Zucchetto. Na época, o repórter policial Ricardo Düren, hoje editor-executivo, acompanhou de perto o drama da família do engenheiro, bem como sua demorada recuperação. Ainda mostrou o trabalho da Brigada Militar e da Polícia Civil na caçada pelos criminosos que foram responsabilizados pelo assalto.

Recuperação a longo prazo
Zucchetto chegou em estado gravíssimo ao Hospital Ana Nery. “Senti que a pressão estava baixando demais, não tinha o que fazer. Me tiraram do carro, colocaram na maca e entraram rápido. A pressão foi voltando na medida em que fizeram uma transfusão de sangue. A enfermagem foi muito rápida”, disse o empresário. No dia seguinte, um táxi aéreo locado de Curitiba levou o engenheiro ao Hospital São Luiz Morumbi, em São Paulo, onde ficou 45 dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Depois de mais 15 dias no Hospital Albert Einstein, também em São Paulo, voltou para casa. Semanas mais tarde, conseguiu vaga no Hospital Sarah, de Brasília, especializado na reabilitação em áreas neurológicas e ortopédicas, onde ficou mais 45 dias. “Lá, fiz um tratamento intensivo com fisioterapia para me restabelecer, pois não tinha força nem para levantar meu braço.”

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O projétil, que ainda está alojado nas costas de Zucchetto, atingiu uma das vértebras da coluna, fato que o deixou paraplégico, em cadeira de rodas. “Ficou muito claro pra mim, quando estava no chão, após acordar ao levar os dois tiros, que não sentia mais a parte inferior do corpo. Tudo dependeria de mim. E os médicos em São Paulo foram muito sinceros, que eu poderia não voltar a andar”, disse o empresário. “Embora a situação fosse bastante delicada, meus órgãos vitais estavam intactos. Havia uma perfuração no pulmão, e a recuperação seria a longo prazo, mas viria.”

Mesmo em cadeira de rodas, Osmar José Dalla Valle Zucchetto não revela mágoa dos assaltantes. “Nunca cheguei a falar com nenhum deles. Na época, eu reconheci por meio de foto para o inquérito. Mas não tenho mágoa. Tem que esquecer, não tem o que fazer. Se eu alimentar isso, vou ter um problema a mais para resolver. É melhor pra saúde mental passar por cima disso”, ressaltou o empresário, que se mantém ativo, apesar da mobilidade comprometida. “Viajo sozinho, de aeroporto a aeroporto, nas obras que exigem meu conhecimento técnico. Fui adaptando minha vida a essa condição.”

Zucchetto mostra as cicatrizes dos tiros

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