“Não se pode estabelecer um estado de sítio”, diz presidente da ANJ sobre restrições à imprensa
Uma sequência de restrições impostas a veículos de imprensa vem motivando críticas de constitucionalistas e entidades. Em entrevista nessa quinta-feira, 20, à Gazeta do Sul, o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), o santa-cruzense Marcelo Rech, afirmou que o combate à desinformação não pode se confundir com censura prévia e que a naturalização de decisões como essas representa uma ameaça à democracia.
A decisão mais recente atingiu a emissora Jovem Pan, cujos comentaristas foram proibidos, por determinação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de fazer manifestações acerca da situação jurídica do candidato a presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A intervenção vem sendo repudiada por entidades que representam o setor de comunicação, como a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), que em nota alegou que as restrições da legislação eleitoral “não podem servir de instrumento para a relativização dos conceitos de liberdade de imprensa e de expressão”.
Esse não foi o primeiro caso na campanha atual. Apenas neste mês, ao menos cinco reportagens foram retiradas do ar por decisões do TSE, atingindo veículos como O Antagonista, Gazeta do Povo e R7. Em setembro, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal determinou a retirada de reportagens do Uol que tratavam sobre a compra de imóveis pela família do presidente Jair Bolsonaro (PL), decisão posteriormente revertida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Publicidade
Entrevista – Marcelo Rech, Presidente da ANJ
Qual o limite entre combate à desinformação e censura à imprensa? Primeiro, é preciso fazer uma distinção. Propaganda eleitoral não é imprensa. Boa parte da desinformação vem de publicidade impulsionada pelos partidos e isso não é jornalismo. Esses conteúdos não estão abrigados na liberdade de imprensa e há uma necessidade de as plataformas se autocorrigirem. As autoridades jurídicas têm o dever de conter a onda de desinformação e isso não é censura. A censura ocorre quando se ataca a liberdade de imprensa, ou seja, dos veículos que produzem informação de forma profissional.
A censura se justifica quando envolve veículos que são concessões públicas? Rádio e TV, por serem concessões públicas, têm uma série de restrições adicionais pela lei eleitoral. Essas restrições impedem que uma emissora faça campanha aberta a um candidato e contra outro. Ali existe, realmente, uma linha mais tênue, tanto que as emissoras são obrigadas a convidar candidatos sem representatividade para debates, por exemplo. Mas entendo que a legislação eleitoral é uma lei menor. A lei maior é a Constituição. Se há um abuso, mesmo em um veículo que é uma concessão, o antídoto é aplicar a legislação. No caso de veículos jornalísticos que não são sujeitos às regras das concessões, aí a censura é ainda mais absurda. Na verdade, nenhum veículo pode ser censurado, isso está claramente configurado na Constituição. Mas estamos vivendo um momento tão bizarro que agora está circulando um vídeo de um pastor afirmando que foi censurado, o que não é verdade, para ganhar audiência. As pessoas estão se passando por vítimas de censura para conquistar adeptos.
Qual a forma correta de combater a desinformação generalizada? O combate à desinformação deve ocorrer, primeiro, na fonte. Ou seja, cobrar das plataformas que impeçam a difusão de conteúdos caluniosos e falsos. E depois, a valorização e o estímulo ao jornalismo profissional. Quando há um abuso ou desequilíbrio, o antídoto é a legislação, por meio de direito de resposta, que aliás têm sido aplicado em vários casos de forma instantânea, ou mesmo por meio de multa. Não estou defendendo multa, mas é uma hipótese prevista no arcabouço jurídico brasileiro. No limite, se aplica a suspensão temporária da concessão, como já aconteceu no Brasil no passado. Mas jamais a censura.
Nessa campanha, tivemos diversos casos de decisões contra veículos de imprensa e envolvendo conteúdos sobre ambos os grupos políticos que estão na disputa presidencial. Há um retrocesso? Sim. Geralmente, quando se tolera a censura é a censura do outro, de conteúdos que de alguma forma prejudicam o adversário. E aí parece que a censura passa a ser aceitável. Só que a censura que hoje prejudica o adversário, no outro dia pode prejudicar o candidato que se apoia. O TSE, quando aplica censura, está dando um tiro no pé, porque só faz estimular a curiosidade pelo conteúdo. Não existe no mundo nenhum organismo capaz de controlar a internet. Isso só é feito em regimes totalitários, como China, Cuba, Irã. É uma ingenuidade querer fazer esse controle por meio da caneta.
Qual o risco para a sociedade de voltarmos a ter decisões que aplicam censura prévia à imprensa? O grande risco é naturalizar esse processo. Achar que a censura é aceitável, pensar que se o conteúdo é forte, é pesado, é agressivo, tem mais é que censurar mesmo. Isso é o grande risco. Liberdade de expressão não é o direito de eu me expressar, é o direito do outro, com quem eu não concordo, se expressar. A vítima da censura é o regime democrático. Mas a democracia brasileira não admite a censura, a não ser em um estado de sítio. Não se pode estabelecer um estado de sítio artificial.
Quer receber as principais notícias de Santa Cruz do Sul e região direto no seu celular? Entre na nossa comunidade no WhatsApp! O serviço é gratuito e fácil de usar. Basta CLICAR AQUI. Você também pode participar dos grupos depolícia, política, Santa Cruz e Vale do Rio Pardo📲 Também temos um canal no Telegram! Para acessar, clique em: t.me/portal_gaz. Ainda não é assinante Gazeta?Clique aquie faça sua assinatura agora!
Publicidade
Carina Weber
Carina Hörbe Weber, de 37 anos, é natural de Cachoeira do Sul. É formada em Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e mestre em Desenvolvimento Regional pela mesma instituição. Iniciou carreira profissional em Cachoeira do Sul com experiência em assessoria de comunicação em um clube da cidade e na produção e apresentação de programas em emissora de rádio local, durante a graduação. Após formada, se dedicou à Academia por dois anos em curso de Mestrado como bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Teve a oportunidade de exercitar a docência em estágio proporcionado pelo curso. Após a conclusão do Mestrado retornou ao mercado de trabalho. Por dez anos atuou como assessora de comunicação em uma organização sindical. No ofício desempenhou várias funções, dentre elas: produção de textos, apresentação e produção de programa de rádio, produção de textos e alimentação de conteúdo de site institucional, protocolos e comunicação interna. Há dois anos trabalha como repórter multimídia na Gazeta Grupo de Comunicações, tendo a oportunidade de produzir e apresentar programa em vídeo diário.