A Patrícia me alertou que, desde o início desta coluna, tenho focado muito no lado divertido da quarentena para as crianças. Sei que falar em divertido diante de tudo o que está acontecendo pode soar estranho e até pegar mal. Contudo, de fato, até agora me ative muito às brincadeiras, joguinhos, teatrinhos e outras distrações com as quais as crianças têm passado o tempo lá em casa – até como forma de sugerir atividades aos pais que já não sabem mais o que fazer com a garotada no confinamento.

Porém, cabe evidenciar o esforço de pais e professores para manter em dia o aprendizado da meninada enquanto as aulas estão suspensas. Lá em casa tive provas de que não é nada fácil para nós, leigos no assunto, transferir para o mesão da cozinha a didática da sala de aula. O aprendizado, portanto, não se restringe aos alunos: pais e mesmo mestres que ainda estavam desacostumados com o ensino a distância estão aprendendo também.

Via de regra, os novos conteúdos têm chegado via grupos de WhatsApp criados para esse fim, o que, pelo que já pude notar, tem deixado as professoras em uma espécie de plantão 24 horas. As perguntas dos alunos, muitas delas gravadas em áudio, surgem nas horas mais improváveis, inclusive nos domingos e feriados – até na Sexta-feira Santa os grupos estiveram bombando.

Lá em casa, a Patrícia decidiu pelo sistema de aulas multisseriadas – o mesmo que, por muito tempo, era comum na zona rural, com alunos de diversas séries e idades no mesmo ambiente. As crianças, portanto, estudam juntas enquanto as explicações são repassadas em rodízio. As gurias, contudo, exigem o máximo possível de fidelidade em relação ao que ocorria em sala de aula antes da pandemia.

– A prô explica de um jeito bem diferente… – queixou-se a Yasmin, um dia desses.

Já a Ágatha, geralmente, é quem lembra do aspecto mais divertido da escola:

– Quando vamos fazer o recreio???

E, em outra ocasião, decidiu por conta própria dar a aula por encerrada, ao perceber que já anoitecia do lado de fora.

– Não sou aluna do noturno – justificou.

Eventualmente, o silêncio também é quebrado por cochichos entre as alunas, mas a prô Patrícia tem feito vista grossa nessas situações. Ainda não mandou ninguém para a cadeirinha de pensar.

Aos sábados, quando não estou na Redação, também tento contribuir e, não raras vezes, vejo-me desafiado ante a complexidade de certos problemas de Matemática.

– Pai, me ajuda a identificar os números naturais – pediu-me a Isadora, em certa ocasião. E eu, que sou das áreas de Humanas e Letras, cocei a cabeça antes de admitir:

– Poxa. Não sabia nem que havia os artificiais…

Há também a necessidade de, de tempos em tempos, colocar nos grupos de Whats fotos das crianças debruçadas sobre os cadernos, para comprovar que as tarefas escolares estão sendo cumpridas. O momento da foto, porém, também acaba quebrando a concentração das alunas. Dias atrás, Ágatha não se deixou fotografar com “roupas de usar em casa”.

– Não quero aparecer desarrumada para a profe – e saiu da mesa para vestir algo mais apropriado.

E assim as crianças vão passando seu tempo nesta quarentena, buscando, dentro do possível, levar o mais próximo do que seria uma vida normal.