A literatura é uma das grandes fontes de aprender e conhecer a vida, seja esta pessoal, seja social, coletiva. Mesmo sem às vezes o perceber, quando concluímos a leitura de uma obra, nunca saímos os mesmos de antes. Algumas queimam como fogo de palha, mas queimam, outras têm a consistência do cerne e permanecem como brasas acesas para sempre.
A literatura russa é uma das mais potentes do mundo. É muito vasta a constelação dos seus renomados escritores. Boa parte dos clássicos se localiza na segunda metade do século 19, até meados do século 20. Se você deseja conhecer, faço algumas indicações: de Fiódor Dostoiévski, Crime e castigo, Os irmãos Karámazov; de Turgueniev, Pais e filhos; de Nikolai Gogol, Almas mortas; de Anton Tchekov, A estepe: história de uma viagem.
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Fechando o foco, vou me ater a um conto de Liev Tolstói (1828-1910), “De quanta terra precisa um homem”, que está em Contos completos, da Cosac Naify, 2015. Tolstói é autor de três excelentes romances – Guerra e paz, Ana Karenina e A morte de Ivan Ilitch – e também de contos que merecem leitura. A crítica o considera um dos mais importantes autores da narrativa realista de todos os tempos.
No conto citado, Tolstói nos apresenta Pahóm, camponês no interior da Rússia. Deitado, Pahóm ouve a discussão da esposa, interiorana, com a irmã dela, casada com um mercador, vivendo na cidade, cada uma defendendo o seu modo de vida. Pahóm deduz: “É realmente assim – pensava ele. Os lavradores ocupados desde meninos no amanho da terra não têm tempo para pensar em tolices; só o que nos consome é não termos terra bastante; se tivesse toda a terra que quero, nem o Diabo seria capaz de meter-me medo.” O Diabo ouviu isso e decretou: “Muito bem! – pensou o Diabo. Vamos lutar um com o outro; dou-te toda a terra que quiseres e há de ser por essa terra que te hei de apanhar.”
Pahóm começou a comprar terras. Primeiro, de uma vizinha; um camponês o visita e fala de uma região com terras abundantes e férteis. Vende o que tem e compra, agora sendo dono de área três vezes maior. Surge um comerciante e refere a terra dos Baquires, que moravam em tendas, levavam uma vida folgada, despreocupados de tudo. Ali poderia adquirir terra abundante por preço irrisório. Era só levar uns presentinhos, chá, uma garrafa de vinho.
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Os Baquires vendiam terra a dia. Seria do novo dono todo o terreno que pudesse percorrer em um único dia. Puseram um barrete no chão, Pahóm depositou mil rublos e o negócio seria sacramentado quando do seu retorno. Com uma pá, partiu marcando por onde passava. Caminhou apressadamente o dia inteiro, marcou vasto território e, mesmo cansado, o sol quase se pondo, calculou que poderia incluir mais um pouco. Ainda via lindas porções a conquistar. Chegou exausto ao ponto de partida e caiu morto.
“Os Baquires davam estalos com a língua, para mostrar a pena que sentiam. O criado pegou a pá, fez uma cova em que coubesse Pahóm e meteu-o dentro; sete palmos de terra: não precisava mais.”
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Lembrei da fábula do cão que, com um pedaço de carne na boca, viu o reflexo na água, achou que era mais carne, pulou e perdeu o que tinha.
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