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Não há como conter o contrabando sem revisão tributária, diz presidente do Idesf

Conhecedor profundo da realidade do contrabando no Brasil, o presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf), Luciano Stremel Barros, é taxativo: embora a repressão seja fundamental, não há como conter o avanço do comércio ilegal sem uma revisão da carga tributária que incide sobre os cigarros.

A afirmação se baseia em duas premissas. Primeiro, a de que a diferença de preço entre o cigarro regulado e o produto oriundo do crime está no cerne da expansão galopante do mercado ilegal nos últimos anos. Segundo, a de que essa diferença de preço é determinada pela política de taxação pesada sobre o cigarro no Brasil, em contraponto à baixa tributação e à frouxidão dos mecanismos fiscalizatórios no Paraguai.

Assim como diversas outras entidades, o Idesf defende uma equalização que permita à indústria formal praticar preços menores, a exemplo do que já ocorreu no mercado de eletrônicos. Para Barros, ao invés de derrubar a arrecadação do poder público, isso aumentaria o leque de contribuintes, já que haveria uma migração de consumidores que hoje compram produtos não tributados.

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No ano passado, o Ministério da Justiça chegou a instituir um grupo de trabalho para discutir a viabilidade de uma revisão tributária sobre os cigarros. A ideia, porém, acabou descartada devido a pressões da equipe econômica, que teme uma queda de receita, e do Ministério da Saúde, sob o argumento de que baratear o cigarro vai estimular o tabagismo.

Para piorar, a possibilidade de uma nova taxação a partir da futura reforma tributária ronda o setor desde janeiro, quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, cogitou a criação de um “imposto do pecado”, que recairia sobre itens como cigarros, bebidas alcoólicas e produtos com adição de açúcar, como refrigerantes e doces.

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Em entrevista à Gazeta na sede do Idesf, em Foz do Iguaçu (PR), Barros defendeu ainda um aprofundamento do diálogo bilateral entre os governos do Brasil e do Paraguai em torno do assunto. Confira.

Entrevista
Luciano Stremel Barros
Presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf)

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Por que, apesar dos esforços governamentais, o contrabando de cigarros segue crescendo?
Enquanto a diferença de preço entre o produto brasileiro e o fabricado no Paraguai for muito grande, isso tende a se perpetuar. O que precisamos pensar é por que o produto do Paraguai é tão mais barato. Será que o custo da mão de obra e dos insumos é tão inferior? Não. O insumo é commodity, é o mesmo preço em dólar no mundo inteiro. Quanto à mão de obra, o Paraguai tem uma legislação trabalhista muito parecida com a brasileira. É um pouco mais barato, mas não significativamente.

Então, a grande diferença está no imposto. Enquanto no Brasil a tributação chega a mais de 80% em alguns estados, no Paraguai o imposto chega a 16% apenas. Porém, provavelmente o produto que ingressa de forma clandestina no Brasil sequer recolhe esses 16%, pois nem entra na contabilidade das empresas.

O que é preciso fazer e não está sendo feito para conter a expansão do contrabando?
Os órgãos de segurança têm feito esforços gigantescos, melhorando suas estruturas nas fronteiras, mas é insuficiente. O contrabandista trabalha em cima da oportunidade e essa oportunidade é a diferença de preço. Por isso algumas medidas são necessárias, como tentar equalizar essa tributação em nível de Mercosul.

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Além disso, o Brasil pode ser mais ativo no oferecimento de auxílio ao Paraguai em termos de aportes fiscalizatórios. Com um sistema como o Scorpios (sistema de controle e rastreamento da produção de cigarros), que funciona muito bem no Brasil, o Paraguai poderia começar a dimensionar o que se paga de imposto exatamente.

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Como defender a equalização tributária no momento em que o País faz reformas estruturantes para resolver o problema fiscal?
Existem duas formas de aumentar a arrecadação. Ou você alarga a base de contribuintes, incorporando quem não paga impostos hoje, ou você aumenta o imposto. O Brasil tem usado apenas essa segunda receita.

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O problema é que chegou ao limite e aí temos todas essas pessoas que não recolhem impostos, que são os contrabandistas. Se diminuir um pouco esse imposto, inviabiliza que esse produto entre clandestinamente no País. Até porque o contrabandista não paga imposto, mas tem todo um custo que a indústria formal não tem – ele paga a corrupção, paga o risco, etc.

Então, se você diminui o imposto e os preços ficam razoavelmente parecidos, somado a esse custo-risco, inviabiliza a atividade. E aí o Brasil começa a formalizar a economia.

O que a experiência do mercado de eletrônicos tem a ensinar nesse sentido?
Em 2018, o Idesf fez um estudo que demonstrou exatamente isso. No momento em que, em nome da inclusão digital, reduziu-se os impostos dos computadores no Brasil e os preços dos produtos legalizados ficaram muito parecidos com os produtos contrabandeados, o processo no Paraguai foi inviabilizado. Se o contrabandista perdia uma carga, ele sofria um prejuízo gigante, não tinha mais aquela margem compensatória porque o lucro era baixo.

Então, o que aconteceu foi: as lojas que vendiam informática clandestina no Paraguai fecharam, a Receita Federal parou de apreender cargas gigantescas e a indústria nacional cresceu 580%. Ou seja, mais impostos para o Brasil, mais empregos formais e menos energia do Estado dedicada a combater o contrabando. Quer dizer, já temos um case de sucesso, por que não ajustar para o mercado de tabaco?

O preço do cigarro legalizado no Brasil é propositalmente alto para desestimular o consumo. Como combinar a política de saúde pública com a necessidade de revisão tributária?
Veja que interessante. Há uma série de regras para a venda de cigarros no Brasil: não pode vender para menores, não tem propaganda, etc. Mas o contrabando não segue nenhuma dessas regras. Ele é vendido nas portas das escolas, é ostensivo na venda e tem lucros gigantescos sem respeitar absolutamente nada. Então, é justamente o contrário: se nós formalizarmos a economia e reduzirmos o contrabando, teremos um mercado mais regulado e organizado e o País arrecadará mais.

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Quer dizer, apenas a fiscalização e a repressão nas fronteiras e rodovias e o trabalho de inteligência para desarticular os grupos criminosos não vão resolver o problema?
Enquanto tiver a oportunidade e for extremamente lucrativo, o contrabando vai encontrar uma forma de ingressar no mercado brasileiro. É claro que, se parar de fazer repressão e inteligência, o mercado vai explodir. Aliás, já temos visto que o crime está atingindo níveis quase inviáveis para a indústria nacional, tanto que há fechamento de fábricas formais. Então, o Brasil segue um caminho que, se não tomar medidas tributárias para controlar isso, vai ter problemas.

No ano passado, o Ministério da Justiça chegou a criar um grupo de trabalho para discutir uma possível equalização tributária, mas a ideia acabou descartada. O senhor enxerga um cenário favorável para essas medidas avançarem?
O desenho está feito. Temos um case de sucesso. É preciso que, de uma vez por todas, o governo entenda. Há sempre um medo de perder arrecadação e isso acaba dificultando a implementação de uma política dessa natureza. Mas no momento em que a classe política conhecer os meandros das fronteiras, conhecer a lógica econômica do contrabando, analisar os volumes de venda do cigarro paraguaio no Brasil e a possibilidade de formalizar e transformar isso em arrecadação, com certeza se olhará para essa saída.

Sabe-se que o governo paraguaio faz vista grossa em relação a todo esse volume de cigarros produzidos lá que ingressa no Brasil de forma ilegal. Falta mais diálogo entre os países?
Falta. Penso que colocar o assunto em tela e mostrar esses números todos é de fundamental importância. Uma coisa é certa: esses bilhões que deixam de ser arrecadados aqui não estão na economia formal do Paraguai, estão nas mãos do crime organizado, beneficiando meia dúzia de fabricantes. Isso precisa ser colocado em pauta abertamente.

O Paraguai também perde com tudo isso. Há toda uma logística lá para movimentar uma indústria que atende a um mercado subterrâneo. Se essas pessoas – os transportadores, os olheiros, os passadores clandestinos – estivessem empregadas em indústrias formais, haveria maior distribuição de renda e maior arrecadação. Então, na verdade perde todo mundo.

O Brasil exporta tabaco para o Paraguai e esse produto retorna ao País como cigarro clandestino. Como resolver essa contradição?
O Paraguai importa um volume de tabaco muito maior do que consome. E não apenas tabaco, compra filtro, compra papel, compra maquinário, tudo muito superior ao seu volume de mercado interno. Seria tranquilo se houvesse níveis de exportação formal, mas isso não existe. O que está sendo feito com o excedente? Para algum lugar está indo. Então, é necessário um controle conjunto sobre a compra dessa matéria-prima. O Brasil pode ajudar nisso. Seria de grande valia.

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