Uma boa atitude para 2025 seria aproveitar os dias de modo a evitar aquela sensação de desperdício. Cada novo ano é um ano a menos, então não existe tempo a perder. Não há nada de insignificante nos cotidianos ciclos de 24 horas; para determinados insetos, aliás, isso é a duração de uma vida inteira. São os “efemerópteros”. Duas das obras literárias mais célebres do século 20, Ulisses, de James Joyce, e Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf, concentram seus enredos em 24 horas. O irlandês Joyce precisou de quase mil páginas para falar de um mísero dia na existência de Leopold Bloom, e até fixou a data: 16 de junho de 1904 (o famoso Bloomsday, celebrado por fãs até hoje).
São maneiras de valorizar o efêmero e exercitar a imaginação para ver além do batido, do repetitivo, do costumeiro. Alguém olha para uma árvore e enxerga sombra no verão, outro vê um estorvo na infraestrutura urbana. Mas se o observador for o poeta sírio Adonis, a árvore é uma “lagoa verde cujas ondas são vento”. As coisas ganham outros contornos.
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Esse é o trabalho da arte, seja ela qual for: música, literatura, pintura, cinema etc. Torna a vida menos árdua ao mostrar que o comum pode ser absolutamente incomum, tudo é no fundo estranho e misterioso. Como escreveu certa vez o pedagogo e escritor polonês Janusz Korczak: “Tudo é novo, desconhecido, como se tivessem passado tinta fresca por cima.”
Lembrando o português José Saramago em A jangada de pedra, “o que seria de nós se não viesse a poesia ajudar-nos a compreender quão pouca claridade tem as coisas a que chamamos claras”. É uma das razões pelas quais não desperdiçamos tempo ao valorizar a dimensão artística da vida.
Já se disse que a arte é um sinal de transcendência humana em relação às pulsões animais, básicas. No romance A elegância do ouriço, de 2006, a francesa Muriel Barbery traz outra perspectiva. A busca de beleza e sentido seria ela mesma uma pulsão, “uma arma afiada a serviço de um fim material”. “Inventamos a arte”, escreve Muriel, “esse outro processo dos animais que somos, a fim de que nossa espécie sobreviva.” Sobreviver e acrescentar mais e mais significados para cada novo dia que se apresenta.
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