“Nossa pele é uma dádiva, é um tipo especial de tela”. Esta matéria inicia com a famosa frase da antropóloga e curadora suíça, Susanna Kumschick, subentendendo-se que a antiga forma de arte corporal, iniciada com marinheiros europeus nas ilhas do Pacífico, pode ser considerada como uma das mais puras formas de arte, pois além de ser algo carregado praticamente pela vida toda, é exclusiva e original de cada pessoa.
Dentre os poucos artistas do ramo que profissionalizaram essa arte na região, a reportagem Gazeta falou com o tatuador profissional Alan Vergilio, que atua no ramo há cerca de dois anos. Sua história começa com uma caixa de engraxate, na cidade de Arroio do Tigre, trabalho este que o ajudava a levar comida para casa. Dentro do instrumento de trabalho, Alan levava consigo um caderno, onde desenhava as belezas da cidade, além de esboçar rostos de senhoras das comunidades quilombolas que andavam por ali. “Comecei a desenhar os prédios e ruas da cidade. Também gostava de desenhar aquelas senhoras que vinham dos quilombos para receber seus auxílios no banco. Aí eu sentava na frente delas, as desenhava, e dava esse desenho para elas. Eu já conseguia tirar o rosto delas apenas olhando. Gostava de analisar suas expressões”, ressalta.
Alan ainda lembra da época em que trabalhava como engraxate, onde o então prefeito de Arroio do Tigre, João Dalci Costa Ferreira, o ajudava dando serviço. “Lembro que o ex-prefeito João Dalci passava por mim e dizia para ir na casa dele engraxar alguns sapatos. Aí ele me dava o almoço. Acho que ele conhecia a nossa situação, e fazia isso para nos ajudar. E eu não esqueço de pessoas assim”, salienta.
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Logo após largar o serviço de engraxate, Alan, que também é artista plástico, começou a se dedicar muito mais à arte. “Conheci a arte pela história, através de obras do pintor italiano do período Barroco, Caravaggio. Eu gosto do jogo de luz e sombra que ele aplica em suas pinturas”, ressalta. Ao largar a caixa de engraxate, Alan ainda precisava levar dinheiro para casa, então começou a pintar telas para vender. “Muitas vezes meu pai saia para trabalhar e ficava fora por 20 dias. Tinha vezes que eu pintava telas e entregava elas ainda molhadas às pessoas, para poder comprar comida”, conta.
Saltando algumas décadas nesta história, além de se inserir no mundo da tatuagem para conseguir expressar sua arte, tendo em vista que a maioria das pessoas não compra mais quadros atualmente, Alan conta que iniciou neste ramo principalmente pelo incentivo dado pela artista plástica e professora de Artes, Renete Arrial. Na época Alan havia desistido da arte e se mudado para Caxias do Sul. “Quebrei meus pinceis e disse: ‘vou trabalhar como um ser humano normal’. Em Caxias eu trabalhava e fazia alguns grafites com o pessoal. Aí vim para cá a convite dela, já pensando em arrumar um emprego aqui. Ela disse: ‘não, tu pode ficar em casa e voltar a desenhar’. Foi ela que trouxe a minha arte de volta. Aí deu a ideia de tatuar. Foi minha inspiração para iniciar na tatuagem. Ela depositou toda a confiança em mim. Sempre falando que acreditava no meu potencial por ser um artista de rua. Foi a pessoa que me mostrou que eu podia viver de arte”, ressalta.
A partir de então, Alan começou a praticar, tanto em pele suína quanto em artificiais, além de participar de cursos e workshops. Atualmente o artista tatua profissionalmente na cidade de Sobradinho. Sua especialidade é o realismo, mas executa com maestria outras obras também. “Eu fiz realismo. Eu gosto desse tipo de tatuagem porque eu desenhava muitos rostos quando mais novo”, frisa.
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O tatuador considera seu trabalho como sua vida. “Várias pessoas me perguntam: ‘a tatuagem dá muita grana?’ Eu, já penso no meu trabalho. Se meu trabalho ficar bom, o dinheiro é só consequência disto. Para mim vale mais o brilho no olho do meu cliente do que o próprio valor. Gosto de ver a satisfação deles”. Tocando no assunto, quando questionado sobre “qual tatuagem havia marcado em sua vida?”, o tatuador conta que foi seu primeiro portrait (tatuagem de rosto), do falecido pai do gerente da Gazeta Sobradinho, Laerson Rigon. “A tatuagem que me marcou ao fazer foi a do Laerson, pois é uma de seu pai, que havia falecido a pouco tempo. Ele se emocionou duas vezes dentro do estúdio. Meu pai também não fazia muito tempo que havia partido. Uma das vezes que saí fora do estúdio, eu estava com olho aguado, mas eu não podia passar isso para ele também. Essa tatuagem também marcou por ser a primeira portrait, onde pude tirar minhas dúvidas”, ressalta.
Alan busca, além de conseguir mostrar sua arte para o mundo, tentar unir os tatuadores da região, o que, segundo ele, falta bastante aqui. “Falta união dos tatuadores aqui na região. Existe uma certa competição. Busco mais união entre os profissionais do ramo. Somos do mesmo time. Jamais falei mal de nenhum outro colega do ramo. Eu quero união e amizade, assim como vejo para fora, que ocorre essa troca de conhecimentos. O mundo é muito grande para todos. Penso em um dia, com humildade, poder estar a um nível nacional, pois a tatuagem pode nos levar muito longe”, ressalta.
Alan Vergílio tem seu estúdio de tatuagem na Rua Henrique Dias, 76, Sobradinho. Seus trabalhos podem ser conferidos no perfil do Instagram @alanvergiliotatto. Orçamentos e mais informações podem ser obtidas através do telefone Whatsapp (51) 9.9511-4644.
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