Seis da tarde em Santa Cruz do Sul. As férias parecem encerradas e o trânsito é intenso. Estou para cruzar em uma rotatória da cidade. Aguardo os veículos que têm a preferência, vejo que um carro e uma moto circulam na pista interna e nenhum faz sinal de que vá dobrar à direita. Acelero para alcançar o outro lado da minha rua e, de repente, a moto surge na minha frente. Freio, o motorista faz um movimento brusco, para, exclama levantando os braços e passa.
Sigo constrangida e preocupada com o incidente. Naqueles primeiros segundos, tento entender onde errei. Eu vi a moto. E deduzi que ela seguiria em frente porque não fez sinal de direção. Mas quem faz ao deixar uma rótula? Digo para mim mesma que eu deveria ter avaliado melhor.
Poucos metros adiante ouço uma buzina intermitente. O motoqueiro, que se deslocava por outro caminho, dá meia-volta e retorna. Vem atrás de mim. Pelo retrovisor, vejo ele gesticulando agitado. Paro no acostamento. Quero me desculpar.
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Vou dizer: “Moço, me desculpe pelo susto. Felizmente você não caiu. Eu achei que você não iria dobrar…” Mas no que eu abro o vidro, ele começa a gritar. Está enfurecido. Me dirige vários adjetivos misóginos e impublicáveis. E se vai na mesma velocidade que veio. Zuuuuuuum. Sem que eu possa falar qualquer coisa.
Retorno abatida para casa. Será que aquele jovem teria feito tamanho escândalo se eu fosse homem ou estivesse acompanhada por um? Foi a primeira coisa que me ocorreu diante de tanta agressividade. Mas também sei que aconteceu comigo o que vejo acontecer com os outros. Sejam homens ou mulheres. Principalmente naqueles horários em que o trânsito fica complicadíssimo.
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Muitos carros, muita pressa, poucas vias de escoamento, zero empatia. Xingamentos são frequentes. Gestos pouco recomendáveis, idem. Dias atrás vi um motorista esbravejar em direção ao veículo do lado por uma quadra inteira. Na academia, alguém relata outra história de perseguição no Centro. Sempre reações desmedidas.
Tudo indica que em breve a inteligência artificial vá conduzir os automóveis e controlar o fluxo nas estradas. A tecnologia, que para os mais céticos ainda parece ficção científica, não para de evoluir. Chegaremos a um momento em que a correria maluca do início da manhã e do fim da tarde será apenas lembrança. Mas e até lá, fazemos o quê?
Como vamos reverter este panorama enquanto dependemos exclusivamente de pessoas e suas emoções ao volante? Não há semáforo, sinalização, mudanças pontuais e outras tantas alternativas que deem conta de aplacar a raiva e a falta de civilidade no trânsito. Em uma cidade que tem quase um carro por habitante, dirigir virou uma perigosa rotina.
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(Texto publicado originalmente em 2 de março de 2023)
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