Embora seja filho da geração digital, a relação que estabelecemos com as tecnologias ainda me parece um pouco estranha às vezes. Não faz muito tempo, eu estava em uma choperia e me chamou a atenção uma movimentação curiosa na mesa ao lado. Era um grupo de mulheres jovens e elas se fotografavam incessantemente e das mais variadas formas: todas juntas, em duplas, sozinhas e fazendo poses mil com suas cervejas. O mais engraçado é que elas pareciam estar simultaneamente interagindo entre si em alguma rede social onde as fotos eram publicadas. “Olha o que eu postei”, “Já viu o meu comentário?”, diziam elas.
Não me entendam mal. Não sou adepto de teorias apocalípticas e utilizo redes sociais com regularidade. Quer dizer, não sou daqueles que postam até as bolhas nas solas dos pés, mas gosto sim de dividir momentos que julgo especiais – um encontro com amigos, um show ou uma viagem, por exemplo. Também não vejo problema em quem compartilha coisas banais – o “look da noite”, o chocolate depois do almoço, o cafuné no cachorro e por aí vai.
O que gosto de observar é como, de certa forma, criamos identidades particulares nessas plataformas. Diferente da vida, digamos, concreta, em que somos o que somos, nas redes podemos ser o que bem quisermos. A cada postagem, podemos escolher o ângulo que nos favorece, exaltar nossas virtudes, esconder nossos pontos fracos, enfim, construir uma versão não necessariamente falsa mas ao menos editada de nós mesmos – provavelmente a imagem que gostaríamos que tivessem de nós. Não é à toa que alguns perfis são recorrentes nas timelines – o atleta, o intelectual, o super-pai, o autossuficiente, o politizado, o baladeiro…
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Ocorre que essas versões muitas vezes se chocam com o que conhecemos das pessoas. E aí vem a pergunta: por que o sujeito se preocupa em “chupar” a barriga quando tira uma foto para as redes se a maior parte de quem o acompanha sabe que ele é barrigudo? Ou seja, em algum grau, quando sacamos o celular do bolso estamos sempre encenando um pouco. E todos sabemos disso e curtimos viver esse mundo paralelo semifictício onde ninguém tem problemas e todos são cidadãos implacáveis.
O saudoso cineasta Abbas Kiarostami contava a seguinte história: certa vez, estava em Londres, diante de um museu onde acontecia uma exposição de fotografias de uma determinada espécie de árvore. No entorno do museu, porém, havia um bosque com dezenas de árvores daquela mesma espécie. E ele achava impressionante assistir às pessoas passando reto pelo bosque e entrando no museu para ver as fotos – por que ver fotos quando há exemplares reais ali mesmo?
Talvez precisemos de uma certa dose de fantasia. Talvez a realidade concreta seja dura ou enfadonha demais. Ou talvez a resposta seja uma adaptação não autorizada da famosa frase de Ferreira Gullar: o Instagram existe porque a vida não basta.
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