Cultura e Lazer

Mundo de letras: escritor Sérgio Schaefer reflete sobre fase atual na carreira

Mais de três décadas já decorrem desde o lançamento do romance “Rosas do Brasil”, do escritor Sérgio Schaefer, uma das obras-primas da literatura gaúcha e, naturalmente, também da literatura brasileira. Publicado em 1989, numa primeira edição viabilizada pelo Instituto Estadual do Livro (IEL), consagrou seu autor como um dos mais inventivos e surpreendentes nomes de sua geração. O que não era pouca coisa, em um contexto ainda marcado por vários romancistas e contistas largamente reconhecidos e prestigiados, dentro e fora do País.

Passado esse tempo, não só esse romance jamais passou, como só reafirmou seu virtuosismo. E, da mesma forma, Schaefer, a cada novo livro, aprimorou seu estilo pessoal de escrever ficção da melhor qualidade. “Rosas do Brasil” está disponível em segunda edição, de 2006, em parceria da Editora da Unisc (Edunisc) com o IEL. A ele se uniram, ao longo dos anos, novos romances de sua lavra, como “O gaudério Macunaíma e a pititinga macia de Brunilde”, “O rio de Heráclito, Gumercindo Nunes e o Mouro”, “A carta paralela” e “As quatro cartas”. E também publicou contos e poesia.

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É uma obra que foi sendo forjada em paralelo ao trabalho acadêmico, como professor do Departamento de Ciências Humanas da Unisc, onde lecionou principalmente Filosofia. No início de 2017, e logo após concluir o doutorado em Letras na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), aposentou-se.

Desde então, divide-se, ao lado da esposa Ivone, entre a residência em Venâncio Aires e a Chácara das Corujas, nas imediações da cidade, na qual costuma passar seus dias, desfrutando da calma e do convívio em meio a uma exuberante natureza.

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Foi justamente essa rotina, de intimidade com o meio ambiente, que lhe inspirou na continuidade de sua produção literária. Ao final de 2022, pela gráfica Traço, de Venâncio Aires, publicou um volume no qual canta o seu universo particular: em “Na Chácara das Corujas”, de 57 páginas, percorre (e descreve) de forma afetuosa e impressiva os mais diversos ambientes e recantos de sua propriedade, com a poesia característica de seu estilo de escrita, fechando com um haicai, o popular gênero oriental de poesia de forma fixa, com três versos, sendo o primeiro e o terceiro de cinco sílabas e o segundo de sete.

Se neste novo título celebra o mundo natural no qual se dedica às leituras e à escrita, tendo a proximidade do pomar, dos lagos e do jardim, em paralelo finalizou um novo romance. Nele, retoma a intertextualidade ou o diálogo com clássicos da literatura brasileira ou mundial, uma das marcas que consagraram a sua ficção narrativa.

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Em “Odisseu e Penélope em Dublin”, atualmente no prelo junto à mesma gráfica Traço, deixa entrever no título as referências à Odisseia, de Homero, com o herói (e sua amada) visitando a capital da Irlanda, que, afinal de contas, prontamente remete a outro clássico da literatura, “Ulisses”, de James Joyce. A aparição de personagens célebres, de obras igualmente consagradas, é um bem-sucedido elemento dos romances de Schaefer, e, como tal, a nova obra promete emoções para os leitores.

Uma obra in progress

O novo livro já lançado por Sérgio Schaefer, bem como o romance que está no prelo e deve estar disponível até o final de abril, pode ser adquirido diretamente junto ao autor, em contato por suas redes sociais. Em Venâncio Aires, informa que exemplares estão à venda na Castelo Livraria e Café, na Rua Júlio de Castilhos, 1.111, sala 4, no centro de Venâncio Aires.

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  1. JÁ DISPONÍVEL: “Na chácara das corujas”, de Sérgio Schaefer. Venâncio Aires: Traço, 2022. 57 p. R$ 10,00.
  2. NO PRELO: “Odisseu e penélope em Dublin”, de Sérgio Schaefer. Venâncio Aires: Traço, 2023. 136 p. R$ 30,00.

Seus demais títulos, o que inclui o clássico “Rosas do Brasil”, podem ser encomendados em livrarias físicas e virtuais. Tanto na Amazon quanto em outros endereços, como na Estante Virtual, exemplares novos ou usados podem ser encontrados a valores diversos, proporcionando leitura de alta qualidade.

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Mundo de letras

Aos 76 anos, o professor e escritor Sérgio Schaefer escolheu o Vale do Rio Pardo como seu espaço afetivo e profissional. Natural de Santo Cristo, no Noroeste gaúcho, é filho de um vera-cruzense que havia deixado para trás Dona Josefa para se aventurar nas “novas colônias”. Sérgio, o terceiro de cinco irmãos, estudou com os padres jesuítas em Salvador do Sul, transferiu-se para Florianópolis e acabou por cursar Filosofia na Faculdade Anchieta de São Paulo (Fasp).

Sérgio Schaefer em sua Chácara das Corujas, que agora canta e celebra em novo livro

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Formado, atuou como professor nos ensinos Fundamental e Médio na cidade de Nortelância, no Mato Grosso. Ficou por lá por uma década, e essa experiência o inspirou na elaboração de seu primeiro romance, “Zé Divino, o messias”, publicado em 1976 pela editora Civilização Brasileira, com entusiástica acolhida do escritor Hermilo Borba Filho.

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Se já havia publicado durante a sua estada no Centro-Norte do Brasil, foi a partir do retorno ao Rio Grande do Sul, em 1981, que começou a elaborar aquele que seria o seu mais arrojado projeto literário até então, “Rosas do Brasil”, no qual revisita a obra do escritor mineiro Guimarães Rosa.

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Publicado em 1989, este livro inaugurou uma nova fase, marcado pela intertextualidade explícita com clássicos nacionais e internacionais, mas com uma ficção narrativa que dá à escrita de Schaefer uma autonomia (criativa e criadora) absoluta em relação ao texto sobre o qual se apoia (e que jamais deixa de homenagear ou de enaltecer).

Nesta semana, a partir de sua Chácara das Corujas, no interior de Venâncio Aires, Sérgio concedeu entrevista ao Magazine, em respostas encaminhadas por e-mail e que são publicadas na íntegra. Curtindo a aposentadoria, mas lendo muito e produzindo muito, o autor reflete sobre a sua fase atual.

Entrevista – Sérgio Schaefer, escritor e professor

  • Magazine – Como tem sido a rotina do senhor neste período pós-pandemia? Segue se dedicando à escrita? Durante o período da pandemia, procurei colocar em prática dois atos de prevenção. Em primeiro lugar, me preveni do vírus da Covid num posto de saúde, deixando-me vacinar. Em segundo lugar, aproveitei o isolamento forçado entre as pessoas para retomar textos meus escritos no passado. Um deles foi sobre o Ulisses de Homero e o Ulisses/Leopold Bloom, de James Joyce. Tornou-se “Odisseu e Penélope em Dublin” (2023). Outro sobre o meu já publicado “A carta paralela” (2017), que se tornou “Porang” (inédito). E aproveitei para poemar em haicais sobre a nossa chácara, que se tornou “Na Chácara das Corujas” (2021). Essas experiências literárias, em grande parte, ajudaram a espantar o medo da Covid e o medo da morte. Mas não conseguiram diminuir a angústia que o desgoverno de Bolsonaro provocou em mim durante a tragédia da pandemia.
  • Mais de três décadas se passaram desde a publicação original de Rosas do Brasil. O que essa experiência representa em sua condição de escritor? Desde o meu primeiro romance publicado, “Zé Divino, o messias” (1976), tenho feito aproximações e experimentos, tanto na linguagem como naquilo que chamarei metaliteratura fraternal, entendendo por isso algo como caminhar junto com outro autor na diferença. De um modo ou outro, o autor com quem quero caminhar junto me diferenciando apresenta, menos ou mais, um espírito dessacralizador. Pensemos em Guimarães Rosa e em James Joyce. A dessacralização de que falo retrabalha o logos da palavra formalizado pela tradição. O logos literário se manifesta tanto no significante quanto no significado. E é na formalização significante-significado que o autor dessacralizador faz seus experimentos. Pode desconstruir o significante para alcançar outro/novo significado; ou então desconstruir o significado rearranjando de modo inovador os significantes da língua usual. Escrever “Rosas do Brasil” (1989) foi, para mim, uma tarefa lúdica inspirada no mestre Guimarães Rosa. Brinquei com as palavras. Ao contrário do que disse o Drummond, brincar com as palavras não é uma luta vã. Tanto isso é verdade que o brinquedo avança e a luta com as palavras se aprofunda e se aperfeiçoa. Acompanhe-se “Sagarana”, de G. Rosa; depois “Corpo de baile”; então “Grande sertão: veredas”; e, por fim, “Terceiras estórias”. O mesmo aconteceu com o próprio Drummond de “tinha uma pedra no meio do caminho” até o fim do seu caminho poético. Sua poesia ia ficando cada vez mais – como dizer? – cada vez mais terra-água-ar-fogo. Em alguns casos, a ânsia pela dessacralização é tão grande que a obra parece se autodestruir entre palavras e frases destroçadas. É o caso de “Finnegans Wake”, de Joyce?
  • O que foi determinante para que o personagem Rodovaldo tenha permanecido tão atual ao longo dos anos? Rodovaldo era um “rosa” carente de significados. Assim como foi Riobaldo, o personagem de Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Todo aquele que anda em busca de significados permanece atual. O significado de alguma coisa (de um fato, de um ato etc) tem raízes num passado que, para ser compreendido, precisa ser ressignificado no presente. É isso que Riobaldo tenta fazer? Sim, pois “Grande sertão: veredas” termina com duas novas clarezas que foram sendo ressignificadas ao longo do extenso relato: que “o diabo não há” e que, nós, humanos, somos “travessia”. A empreitada de Rodovaldo, no que toca à ressignificação, certamente não é tão emblemática quanto foi a de Riobaldo. O professor de literatura Rodovaldo quer ressignificar-se a si mesmo. Para isso, busca transformar seu passado (de professor encarregado de ensinar o passado literário) em um processo de “rosação”. É por um caminho de metaliteratura fraternal que a obra de Guimarães Rosa há de fornecer os ingredientes para que Rodovaldo tente se reprocessar significativamente. Rodovaldo consegue? Só lendo Rosas do Brasil.
  • O que o senhor tem lido ultimamente? Ultimamente, li, ou melhor, reli mais filosofia. Um amigo meu, morador em Cuiabá e professor na UFMT, pediu que eu fizesse comentários a respeito do pensamento do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty. Depois de revisitar sua obra, escrevi dois artigos. O primeiro começa assim: “Merleau-Ponty era um filósofo quase impressionista.” O segundo, assim: “Merleau-Ponty era um pensador que se encantou com a ideia da Gestalt.” Deu para perceber o uso do pretérito imperfeito? Este tipo de abordagem teórica faz com que as boas ideias merleau-pontyanas não morram no passado. Aproveitei também para reler a Ilíada e a Odisseia, de Homero, o maior rapsodo da antiguidade grega, nas belas traduções de Haroldo de Campos e de Trajano Vieira, respectivamente. Também reli o Ulisses, de James Joyce. Como já mencionei, dessas três releituras surgiu/ressurgiu “Odisseu e Penélope em Dublin”. Entre Homero e Joyce, reli coisas mais leves, do tipo “O alienista”, de Machado de Assis (para recordar a Revolta dos Canjicas); “Finn’s Hotel”, de James Joyce. E (quem diria!) “Vida de Jesus”, de Ernest Renan.

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Carina Weber

Carina Hörbe Weber, de 37 anos, é natural de Cachoeira do Sul. É formada em Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e mestre em Desenvolvimento Regional pela mesma instituição. Iniciou carreira profissional em Cachoeira do Sul com experiência em assessoria de comunicação em um clube da cidade e na produção e apresentação de programas em emissora de rádio local, durante a graduação. Após formada, se dedicou à Academia por dois anos em curso de Mestrado como bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Teve a oportunidade de exercitar a docência em estágio proporcionado pelo curso. Após a conclusão do Mestrado retornou ao mercado de trabalho. Por dez anos atuou como assessora de comunicação em uma organização sindical. No ofício desempenhou várias funções, dentre elas: produção de textos, apresentação e produção de programa de rádio, produção de textos e alimentação de conteúdo de site institucional, protocolos e comunicação interna. Há dois anos trabalha como repórter multimídia na Gazeta Grupo de Comunicações, tendo a oportunidade de produzir e apresentar programa em vídeo diário.

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