Bastaria mencionar um único livro que marcará para sempre, de maneira amplamente positiva, o nome da escritora Valesca de Assis na cena cultural de Santa Cruz do Sul, sua terra natal. Essa obra é A valsa da medusa, romance de fundação centrado na colonização alemã da região. Foi com ela que Valesca estreou na literatura, em 1989, de forma que contabiliza quase 30 anos de dedicação às letras.
Da altura dessa vivência, agora curte o estrelato: foi eleita pela Câmara Rio-grandense do Livro (CRL) como patrona da 63ª Feira do Livro de Porto Alegre. O evento iniciou-se na quarta-feira, dia 1º, e prossegue até dia 19, com atividades concentradas na Praça da Alfândega. Em meio a ampla programação, com centenas de escritores convidados, do País e do exterior, Valesca é a anfitriã, representando a literatura do Rio Grande do Sul.
Na quarta-feira da semana passada, ao lado do esposo, o também escritor Luiz Antonio de Assis Brasil, Valesca recebeu a reportagem da Gazeta do Sul em sua residência na zona sul de Porto Alegre, abrindo espaço na concorrida agenda, disputada pelos veículos de comunicação do Estado. Valesca manifesta carinho por tudo o que diz respeito a Santa Cruz, ainda que ela não tenha crescido em contato intenso com a cidade. Chegar a sua casa, aliás, é adentrar uma das raras (se não a única) residência na qual moram dois patronos da Feira de Porto Alegre. Assis Brasil, que estreou antes de Valesca na literatura, foi patrono da 43ª edição, em 1997, exatos 20 anos antes de a esposa repetir o feito.
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Ainda que nascida em terra de alemão, por assim dizer, ela vem de um encontro de culturas. Seu pai, Tilly Francisco dos Santos, era de Dom Pedrito, e foi transferido para atuar na Exatoria em Santa Cruz. Na cidade conheceu a futura esposa, Isolde Rech. Casados, mudaram-se para Iraí. E foi de lá que a mãe viajou a Santa Cruz para, junto de sua família, aguardar pelo nascimento da primeira filha. Valesca chegou no dia 14 de outubro de 1945. Acaba de completar 72 anos e recebeu como presente o anúncio da condição de patrona.
Por conta das andanças de seus pais, Valesca cresceu no Noroeste do Estado, então ainda marcado pela presença indígena. Tem dois irmãos, um residindo em São Paulo e outro em Porto Alegre. Da infância, diz lembrar das visitas aos avós Rech, em Santa Cruz, e dos passeios no antigo Bazar Rex, do tio Fritz, na esquina da Marechal Floriano com a Júlio de Castilhos, de saudosa memória.
Com 11 anos e meio, mudou-se para São Leopoldo, a fim de seguir nos estudos. E com 17 anos transferiu-se para Canoas, a partir de onde cursou Filosofia na Ufrgs. Formada, atuou no magistério, até aposentar-se como professora. Em dado momento conheceu o porto-alegrense Luiz Antonio de Assis Brasil, descendente de açorianos, com quem se casou. E juntos ingressaram no terreno da literatura, apoiando-se nos primeiros passos na escrita.
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Para resgatar a memória
Em 1985, Luiz Antonio de Assis Brasil idealizou uma oficina de criação literária, que passaria a ministrar na PUCRS, muito prestigiada até hoje por ter revelado sucessivas gerações de novos autores. Valesca, então por volta dos 40 anos, decidiu integrar a primeira turma. A tarefa de conclusão era elaborar uma novela, mas não foi essa a atividade que a projetou de imediato na literatura, e sim a curiosidade em torno da presença alemã em Santa Cruz. Era uma forma de, com pesquisas, elucidar parcela do passado de sua própria família materna.
Foram esses levantamentos, parte deles feitos sob orientação do professor Hardy Lucio Martin (a quem dedica a novela), no Arquivo Histórico do Colégio Mauá, que resultaram na elogiada obra de estreia, A valsa da medusa, lançada quando estava com 45 anos. De certo modo, as marcas da imigração alemã, em particular a atuação das mulheres, permanecem em quase todos os seus romances. Quando não se debruça sobre a cultura germânica, volta-se aos povos indígenas do Noroeste, da região de Iraí, na qual cresceu, como ocorreu no premiado Harmonia das esferas.
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Santa Cruz do Sul, ainda que não tenha crescido na cidade e nem chegado a morar nela, afigura-se como uma paisagem viva e latente em sua memória. Retorna sempre que pode para visitá-la, aceita com gosto convites em eventos literários e já foi escritora homenageada da Feira do Livro local. Em 2016, quando lançou o seu mais recente romance, A ponta do silêncio, também estreou no conto, com Apanhar do chão, pela Editora Gazeta. Agora, projeta de vez sua terra natal no Estado, tornando-se a segunda santa-cruzense a obter essa distinção – Lya Luft foi patrona da 42ª edição, em 1996, por coincidência um ano antes de Assis Brasil. É a hora e a vez de Valesca, para a alegria de seus leitores.
MUNDO DE LETRAS
Com a reportagem sobre a escritora Valesca de Assis, patrona da 63ª Feira do Livro de Porto Alegre, o Magazine inicia uma nova série de matérias especiais, sob o selo “Mundo de Letras”. Ela é dedicada a apresentar aos leitores, com frequência mensal, autores referenciais de Santa Cruz do Sul e da região cuja obra tenha alcançado projeção no Estado e no País. O próximo autor a ser contemplado é o jornalista, escritor de viagens e romancista Airton Ortiz, natural de Rio Pardo e radicado em Porto Alegre.
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