Um dos principais perfis de mulher que abusa do álcool são aquelas em fase de transição do período reprodutivo para o não reprodutivo, o chamado climatério. O dado faz parte de pesquisa do Programa Saúde Mental da Mulher (ProMulher), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Este sábado, 18, é marcado pelo Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo.
“Elas costumam beber isoladamente e com frequência, como forma de enfrentamento das alterações hormonais, psicológicas e comportamentais”, explica o ginecologista Carlos Moraes, especialista em infertilidade e ultrassom em ginecologia e obstetrícia pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
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Para as mulheres que já adoeceram devido ao alcoolismo, a presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), Alessandra Diehl, destacou a dificuldade de acesso a tratamentos. “Hoje, por exemplo, se você precisar de grupos específicos para as mulheres, nós vamos ter dificuldade, quer seja no ambulatório, quer seja em internação exclusiva para mulheres. São pouquíssimos os serviços no Brasil”.
Por essa razão, dois movimentos cresceram muito durante a pandemia da Covid-19, e continuam a crescer. Um é o Colcha de Retalhos, braço do Alcoolicos Anônimos (AA), que envolve grupos temáticos exclusivos para mulheres. “E isso tem dado muito certo porque uma mulher, junto com outras mulheres, se sente muito mais à vontade para poder partilhar coisas que são da sua intimidade, do universo feminino, e que, em um grupo misto, seria mais difícil de falar”.
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O outro movimento é a Associação Alcoolismo Feminino (AAF), criado por uma alcoolista em recuperação e que iniciou a atividade na pandemia organizando grupos on-line para mulheres que não conseguiam acessar grupos presenciais. “Isso foi crescendo e, hoje, se tornou uma associação que tem acolhido mulheres nas suas especificidades: mulheres bariátricas, mulheres lésbicas, mulheres com problemas com álcool e medicamentos”.
Segundo o psiquiatra e presidente do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), Arthur Guerra, algumas pessoas mudaram o hábito de ingestão de álcool durante a pandemia de Covid-19. “Pessoas que só bebiam no final de semana, durante a pandemia começaram a beber todos os dias à noite. A pandemia trouxe ainda uma sensação de que muitas pessoas ficavam isoladas, depressivas, angustiadas, com medo de contrair o vírus, de serem intubadas, de morrer. Por essa razão, algumas pessoas que tinham esses medos começaram a beber mais para tentar diminuir o medo, a angústia. Isso [aconteceu] de forma geral, mas foi mais acentuado para as mulheres porque ela continuou tendo na pandemia, as funções que tinham antes como cuidar da casa, da educação dos filhos. A mulher ficou sobrecarregada durante a pandemia e não tinha com o que extravasar”, afirmou Guerra.
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De acordo com administrador Fábio Quintas, colaborador do Alcóolicos Anônimos (AA), o perfil dos membros do grupo mudou em virtude da pandemia. “Na pandemia, quando começamos o processo por videoconferência, vimos que metade dos pedidos de ajuda vinha de mulheres. Isso dissonava, era diferente do que tínhamos antes da pandemia. Ou seja, os contatos que eram feitos antes da pandemia eram muito menores, de 5 a 13% de mulheres que pediam ajuda. Já no primeiro ano da pandemia, os contatos feitos por mulheres chegaram a 45%”.
Uma vendedora de 43 anos, que preferiu não se identificar, conta que usou a bebida alcóolica para aliviar o conjunto de sentimentos negativos, como ansiedade, medo e solidão durante o período de pandemia. “O afastamento social limitou muito o convívio com os amigos e familiares. O medo do futuro, a incerteza sobre tudo que estávamos vivendo, a morte de muitos amigos e parentes, me levaram a uma grande tristeza e acabava bebendo mais e por mais dias. O que era somente nos fins de semana, passou a ser durante a semana também. O álcool era uma válvula de escape nesse período sombrio que estávamos passando”, descreveu.
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A psiquiatra Alessandra Diehl lembra que o alcoolismo também envolve dependência química. De acordo com a médica, as mulheres têm, primeiro, depressão ou transtorno alimentar, e, depois, desenvolvem alcoolismo. A médica relata que a associação entre bariátrica e alcoolismo tem sido muito vista na prática clínica em consultório. E que, na mulher, o uso de substâncias em geral é precedido por um quadro psiquiátrico de depressão ou transtorno alimentar, ou uma bipolaridade, transtorno de ansiedade ou de humor, ou, ainda, por um trauma.
Segundo o estudo Multicêntrico, divulgado pelo National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism (NIAAA), no período ovulatório o consumo elevado de álcool está associado a menores taxas de concepção. Normalmente, a chance de engravidar espontaneamente em um ciclo é 25%. Caso a mulher consuma álcool moderadamente, essa chance cai para 20%, mas se o consumo é alto, a redução é quase pela metade, atingindo 11%.
O ginecologista e obstetra Carlos Moraes esclareceu que “o álcool pode afetar a concentração de hormônios endógenos, prejudicando a ovulação e a receptividade do endométrio, o que diminui as chances de fixação do embrião e, portanto, da gravidez”.
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O álcool também pode aumentar o risco de a mulher desenvolver câncer de mama. É o que aponta a Agência Internacional para Pesquisa sobre o Câncer (IARC). De acordo com a agência, o risco de desenvolver câncer de mama aumenta de 7% para 10% a cada dose de álcool consumida diariamente, levando em conta que uma dose padrão de álcool equivale a 14 gramas de álcool puro, o que corresponde a uma lata de cerveja, uma taça de vinho ou uma dose pequena de bebida concentrada (shot) de destilado.
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