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Muito tijolo, pouco cimento

No cenário da economia global, o caso da Índia deveria ocupar a atenção de todos, em especial de analistas dedicados a avaliar o que é vital para a qualidade de vida. Ali se tem exemplo de como uma nação pode galgar degraus em termos de investimentos e expansão comercial e, ao mesmo tempo, prova de que dinheiro não é tudo, para não dizer que é quase nada, em se tratando de bem-estar e satisfação coletiva. 

No início de novembro, durante a COP7, por uma semana percorri Nova Délhi e áreas da região metropolitana. O que pude ver e ouvir, o que todos os sentidos me trouxeram, foi uma carga tensa e estarrecedora de contrastes. O mapa da economia diz que a Índia é um dos países mais ricos do mundo. Mas o que dizer, então, de tanta pobreza e indigência que se vê nas ruas? 

Como justificá-la? Como admiti-la, em sã consciência? Quase tudo o que se vê em ambiente público na Índia fere a essência do que se poderia chamar de humanidade. As pessoas são tristes, abatidas, nunca sorriem. Para dizer a verdade, é o primeiro lugar que conheci em que até mesmo os cachorros andam tristes, cabisbaixos, taciturnos.

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A Índia, ao lado do Brasil, integra o grupo dos chamados emergentes, para os quais o planeta volta suas ávidas calculadoras – e contas bancárias. São as nações agrupadas sob o acrônimo de Brics, iniciais de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (no caso, com o “s” de South Africa, em inglês). No conjunto, foram apelidados de “tijolos” do bloco de influência produtiva, comercial e de consumo do século 21, na associação com o termo inglês “brick”. O Brasil, impulsionado por suas safras agrícolas, chegou a ocupar a condição de 6ª economia do mundo, após os pesos-pesados Estados Unidos, China, Japão, Alemanha e França. Tropeções em sua gestão interna deslocaram o País desde 2015 para a 9ª posição, da qual nem deve sair tão cedo.

A Índia, que em 2017 completará 70 anos de independência, passou de roldão. Era a 10ª economia em 2011. Saltou para 9ª em 2014, virou 7ª no ano seguinte e deve ser a 5ª economia em 2020. Tem nas áreas de comunicações, eletrônica e informática o combustível, mas não só. A ainda que leve inclusão econômica de parcela de sua população impulsiona o poder aquisitivo, algo que vimos no Brasil, e que até  sabemos bem como pode terminar. 

Com 1,252 bilhão de pessoas, só perde para a China, e deve tornar-se o país mais populoso em uma década. É gente demais a ser alimentada, atendida nas mínimas necessidades. Cerca de 900 milhões, quatro vezes e meia a população do Brasil, vivem na linha da miséria ou abaixo dela. Classe média é quem ganha seis dólares por mês.

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Fica a triste percepção: economias emergentes acumulam riquezas, mas são incapazes de distribuir de forma justa os ganhos, advindos em geral da exploração indiscriminada dos recursos naturais. A poluição em Nova Délhi é uma tragédia. Diante dela, não há dinheiro que dê conta do mínimo de qualidade de vida a todos, ricos ou pobres. Juntos, respiram o mesmo fétido ar. Em outras palavras, os emergentes até se regozijam em dispor de tijolos. No entanto, falta-lhes o cimento (educação?) que daria a “liga” para sustentar os almejados sonhos.

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