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Movidos pelo espanto

Há uma carga emocional muito forte pairando sobre a reta final de 2016. Tantos acontecimentos recentes, próximos ou distantes de nós, carregados de angústia, dor e sentimentos contraditórios, fazem com que muitos apresentem o semblante tão melancólico. Cientes disso, talvez tenhamos de nos manter mais alertas do que nunca, em todas as ocasiões. É a hora de apelar para o máximo de sensatez, resiliência e proatividade, em respeito a cada um.

Basta abrir o jornal, ligar o rádio e a TV ou acessar sites de notícias para ser informado do mais novo caso de violência, da mais nova catástrofe. Em termos psicológicos, isso imprime em cada um tensão, temor, angústia, e por vezes revolta. Não é exatamente a melhor forma de chegar a um período por si só carregado de ansiedade, a virada do ano, momento para refletir sobre o amanhã, o mundo que desejamos construir. Afinal, se há razão para viver e sobreviver (e é claro que há), certamente é para que haja paz e bem-estar, para nós e para os demais, e não o contrário. Contudo, parece que nos especializamos em forjar o apocalipse.

Se já não bastasse o cenário desanimador no Rio Grande do Sul, o caos na gestão pública e na segurança, há uma semana fomos defrontados com essa tragédia no esporte tão difícil de assimilar. Por mais que se reflita sobre causas ou se admita que o destino está acima da compreensão humana, é impossível entender que tantas pessoas tenham perecido quando se sabe que o avião com a equipe da Chapecoense já sobrevoava o aeroporto que era, afinal, o ponto de chegada. 

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A cada nova tragédia, a cada novo destempero e inconsequência, e ao vazio que a eles se segue, somos lembrados de nossa pequenez humana. Tão presunçosos, arrogantes, vaidosos; tão apegados ao material, tão ganaciosos e ambiciosos costumamos ser. E, no entanto, por mais tecnologias e recursos que inventemos, por mais conectividade que busquemos, nada nos basta na hora da dor. 

Foi mais uma semana inteira respirando a catástrofe, testemunhando a dor de centenas de famílias. Eis que quando os corpos das vítimas enfim chegaram para o velório coletivo, em Chapecó, não parecia que o céu todo estava chorando? Pelos mortos, pelos enlutados, ou mesmo pelos deslimites humanos. O Brasil inteiro, para não dizer o mundo, viveu a introspecção e a solidariedade. A elas, o que se seguirá?

Para completar, no domingo à noite, chegava a notícia de que Ferreira Gullar, talvez o maior nome da literatura brasileira na atualidade, falecera no Rio, aos 86 anos. Mais um vazio, mais um silêncio. Em 2010, quando ele completava 80 anos, realizei entrevista com o poeta, publicada na Gazeta do Sul de 11 e 12 de setembro. “Minha poesia nasce do espanto, de alguma coisa que eu achava que entendia e de repente não estou entendendo mais”, dizia. “A poesia é a tentativa de responder a isso, de reconstruir a vida a partir dessa perplexidade, desse não entender que de repente se coloca.”

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É isso. Com tanta perda, tanto vazio, chegamos ao final de 2016 perplexos. E cientes de que é preciso reconstruir a vida, a nós mesmos. E talvez a humanidade toda.

TI

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