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Moralidade como desafio

Faz parte de uma certa “sofisticação” blasé pós-moderna – já ultrapassada, eu diria – fazer pouco caso de palavras como “moral”, “valores”, ”ética”, etc. Esse discurso, que todo mundo já ouviu, parte de um pressuposto questionável: de que somos morais somente por imposição da “sociedade” – essa espécie de armazém onde as regras que nos dizem como agir estão guardadas em enormes prateleiras. Quando penso sobre isso, lembro sempre de uma passagem do sociólogo Zygmunt Bauman, em seu livro Ética pós-moderna:  

“Não somos morais graças à sociedade; vivemos em sociedade, somos sociedade, graças a sermos morais. No coração da socialidade está a solidão da pessoa moral. Antes da sociedade, antes de seus legisladores e seus filósofos chegarem a expressar os princípios éticos da sociedade, há seres que já eram morais sem a compulsão (ou será ela luxo?) da bondade codificada.” Como disse Tzvetan Todorov, os seres humanos vivem em sociedade porque sem ela não seriam humanos. O próprio sentimento de existir provém do olhar do outro, da interação com pessoas diferentes, e é esse chamado inescapável que está na origem da linguagem. O nascimento já é um fenômeno social: nunca se viu uma criança nascer isolada, quer dizer, sem a sua mãe. Aliás, os humanos são a espécie animal cuja cria é mais lenta na aquisição de uma independência mínima: uma criança abandonada, sem cuidados, morre facilmente. Assim, a normatização é uma consequência, não causa. 

Quem se agarra a normas movido apenas por seu caráter de norma não é um agente moral. Porque as regras podem mudar. Uma das coisas que mais chamaram a atenção de Hannah Arendt em suas investigações sobre o nazismo foi a ação, na sociedade alemã, de muitos que resistiram: pessoas que, mesmo sem manifestar posicionamentos ideológicos, arriscaram a própria vida escondendo em suas casas judeus perseguidos ou opositores de Hitler. Sabiam que seriam mortos se fossem desmascarados, mas não podiam agir de outra maneira, porque aquilo, entendiam, era o “certo” a fazer. Quem lhes disse isso? Não foram as regras vigentes na Alemanha hitlerista. O que levou Bauman, outra vez ele, a definir “moral” como “aquilo que resiste à decodificação e à formalização”. 

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Uma moral que não é absoluta, mas sempre desafiada e inacabada; uma moral em combate, em movimento, como o próprio ser humano. “Sou o guardião do meu irmão?” Sim. Porque o bem-estar do meu irmão, quer eu queira, quer não, depende do que faço ou do que me abstenho de fazer. E reconhecer essa dependência e a responsabilidade que ela implica talvez seja nossa máxima lucidez.

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