Há mais de um ano, um imbróglio vem tirando o sono de Valmi Heck. Moradora de Linha João Alves, no interior de Santa Cruz do Sul, ela vem sendo cobrada por empréstimos consignados que jamais solicitou e que vêm corroendo a sua única fonte de renda. Situações semelhantes ocorrem em todo o País e levaram entidades e lideranças que representam os aposentados rurais a pedir que a possível fraude seja investigada.
Aos 59 anos, Valmi deparou-se, ainda em 2019, com um desconto de cerca de R$ 300,00 no valor de seu auxílio, que é de um salário-mínimo. Inicialmente, pensou que fosse apenas um equívoco e que seria ressarcida em seguida. Só foi pedir explicações passados cerca de cinco meses. Foi quando descobriu que havia dois créditos contratados em seu nome.
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Um dos empréstimos era de R$ 400,00. O outro, porém, era de mais de R$ 10 mil e seria pago em 72 parcelas até 2025. O dinheiro chegou a ser depositado em sua conta, mas ela não tem interesse em utilizá-lo. No entanto, embora já tenha procurado em várias oportunidades o banco por meio do qual recebe a aposentadoria, para pedir a suspensão do empréstimo, o problema ainda não foi resolvido e os descontos seguem ocorrendo todos os meses.
“Ela é solteira e tem problemas de saúde, então não consegue trabalhar. Para quem pega um salário-mínimo, esse valor que descontam é muito”, conta Marcio Stolben, que é vizinho e cuidador de Valmi, que já pensa em procurar um advogado.
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Em Linha Sete de Setembro, na região de Boa Vista, Ilgo e Ironi Schmidt vivem o mesmo transtorno. Há cerca de sete anos, o casal de aposentados contratou um empréstimo consignado em uma financeira e a dívida foi totalmente quitada. A própria empresa contatou-os mais tarde para dizer que tinham direito a receber de volta parte da quantia paga, já que “os juros teriam baixado”.
A surpresa se deu quando, três meses atrás, descontos começaram a ser feitos no auxílio de Ilgo, que tem 68 anos. Embora seja um valor relativamente baixo – em torno de R$ 80,00 –, faz falta para a família, que não dispõe de outras receitas e acumula despesas por causa de um tratamento de saúde dele. A situação já foi levada à empresa, mas nada foi solucionado. “Eu já não durmo mais por causa disso”, angustia-se Ironi, que tem 65 anos.
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Caso chega ao MPF e a comissão na Câmara
Os primeiros relatos de problemas envolvendo empréstimos consignados indevidos começaram a surgir no ano passado, mas se multiplicaram desde abril. Na última semana, o deputado federal santa-cruzense Heitor Schuch (PSB) entregou à Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara um dossiê produzido pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), com boletins de ocorrência e registros de possíveis golpes envolvendo aposentados e pensionistas rurais de várias regiões do País.
Segundo o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag), Carlos Joel da Silva, além dos créditos não autorizados por bancos e financeiras, existem situações de violação de dados cadastrais de segurados no INSS. “Estão entrando no sistema ‘Meu INSS’ e alterando a senha e outros dados dos beneficiários. Há o caso de uma pessoa que descobriu crédito em seu nome junto a uma financeira de São Paulo antes mesmo de receber a carta do INSS confirmando a concessão da aposentadoria”, diz.
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As entidades já acionaram o Ministério Público Federal (MPF) para pedir a abertura de um inquérito. Também solicitaram ao INSS que os benefícios sejam automaticamente bloqueados para empréstimos consignados e o desbloqueio só possa ser feito pessoalmente, em agências do órgão ou nos bancos.
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De acordo com Carlos Joel, a maioria dos casos vêm sendo solucionada e os valores descontados são devolvidos. O processo, porém, leva tempo e causa muito desgaste às vítimas. “Na maioria das vezes, são pessoas simples, e ficam muito preocupadas. Podem até não ter prejuízo financeiro no final, mas têm um estresse grande”, comentou.
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O que fazer
Confira as orientações da Fetag a aposentados e pensionistas rurais para não cair em um possível golpe.
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– Fique atento à sua conta bancária. Solicite extratos todos os meses para checar o valor que está ingressando.
– Se notar anormalidade, procure o Sindicato dos Trabalhadores Agricultores Familiares. O telefone em Santa Cruz é 2109 1514.
– A depender da situação, também é recomendado registrar um boletim de ocorrência na polícia.
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