A 3ª Reunião das Partes (MOP-3) do Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito de Produtos de Tabaco terminou nessa quinta-feira, 15, na Cidade do Panamá, praticamente como começou: sem qualquer avanço no debate em torno de vias para inibir ou solucionar os entraves representados tanto à saúde quanto à economia pelo cigarro ilegal.
Após quatro dias de trabalhos envolvendo delegações de países que assinaram esse tratado, nenhuma medida efetiva foi anunciada que pudesse sinalizar para mudança no atual cenário de forte participação dos cigarros e de outros produtos de tabaco ilícitos no comércio. Na verdade, uma das notícias advindas da MOP-3 inclusive mais inquieta do que tranquiliza o setor: o fato de que o Paraguai ficaria com a coordenação dos trabalhos relacionados com as futuras reuniões.
Ocorre que esse país é justamente a origem do volume de 33% de cigarros contrabandeados comercializados no Brasil. A participação é tamanha que, hoje, das cinco marcas de cigarros mais vendidas no mercado doméstico, duas são paraguaias, a Eight e a Gift.
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A avaliação das lideranças do setor industrial no Brasil é de que pouco podem esperar do Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito de Produtos de Tabaco a fim de fazer frente à concorrência representada pelo ilegal. Não por acaso, na interpretação do segmento, os debates praticamente ficaram na estaca zero ao longo desta semana, na MOP-3, no Panamá.
A solução ou a tomada de medidas para inibir esse comércio, que provoca forte evasão de divisas, conforme as entidades, implicam em ações a serem adotadas internamente no Brasil. Atualmente, em torno de 41% do mercado é ocupado por produto ilegal, sendo que 33% corresponde a contrabando e 8% a produto oriundo de fábricas clandestinas em território nacional.
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O presidente da Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo), Giuseppe Lobo, enfatiza que a maior preocupação do setor continua, de fato, sendo a concorrência de cigarro contrabandeado a partir do Paraguai. Mas refere que cresce a inquietação com a fabricação de “marcas paraguaias” em instalações irregulares dentro território brasileiro.
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O crescimento na participação desse tipo de cigarro ilícito é tamanho que até mesmo as fábricas paraguaias se organizam a fim de fazer frente a essa “concorrência” duplamente ilegal. Em outras palavras, um produto ilegal já começa a fazer sombra para outro igualmente ilícito.
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Há informações de que algumas empresas paraguaias estariam adotando selo com holograma em suas marcas para impedir que fossem “clonadas” nas fabriquetas clandestinas no Brasil. Uma vez que tais cigarros, por óbvio, não apresentam nenhum controle de qualidade, nem sobre matéria-prima, nem sobre o ambiente industrial, o risco à saúde dos consumidores acaba sendo potencializado. E com ampla penetração no mercado doméstico.
A pandemia representou um divisor no que diz respeito à participação do cigarro contrabandeado no mercado brasileiro. Até então, indicadores apontavam que cerca de 57% do comércio doméstico estava na mão do ilegal, e boa parte dele justamente internalizado a partir do Paraguai. Com a inibição à circulação em virtude da Covid-19, essa cadeia de contravenção foi fortemente afetada, o que permitiu à indústria, nos anos marcados pela pandemia, recuperar terreno com a oferta do produto legal.
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No entanto, o que ocorreu foi a implantação de fábricas clandestinas dentro do Brasil, o que se evidencia no rápido incremento na participação desse produto, a ponto de já chegar a 8% do comércio. “Por isso, entendemos que o Brasil não tem de ficar aguardando por ideias, sugestões ou soluções advindas de uma MOP, e sim fazer o seu trabalho de casa”, adverte Giuseppe Lobo, presidente da Abifumo.
Essa tarefa passaria por investimento na repressão tanto ao contrabando quanto às fábricas clandestinas. Nesse caso, é imprescindível aprimorar o marco legal em relação ao combate a tais instalações clandestinas. Em muitos casos, em uma operação de fiscalização, elas são fechadas, mas encontram meios de voltar a operar com bastante rapidez.
Por outro lado, a indústria do tabaco vê com preocupação o fato de o próprio embaixador brasileiro no Panamá, Carlos Henrique Moojen de Abreu e Silva, ter defendido aumento de impostos para inibir o comércio de cigarros. “É um completo equívoco: está mais do que comprovado que não é por causa do preço do produto legal que alguém deixa de fumar”, adverte Lobo.
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“Esse consumidor logo opta por produto mais barato. Nesse caso, tem à disposição o cigarro ilegal, contrabandeado ou de fábricas clandestinas, a valores muito mais acessíveis, inclusive para os que são de baixa renda.” Ou seja, o usuário não só não para de fumar como passa a consumir produto ilícito, e que acarreta evasão de divisas.
As diretrizes adotadas na 10ª Conferência das Partes (COP-10) da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT) podem trazer consequências negativas para toda a cadeia produtiva no Brasil. E isso vem com o agravante de a delegação brasileira não demonstrar disposição para defender o setor que envolve mais de 500 mil trabalhadores no campo e tem 90% da sua produção exportada, gerando anualmente US$ 2,73 bilhões em divisas e quase R$ 15 bilhões em impostos.
“Quando ouvimos falar novamente em medidas para reduzir a área plantada ou em substituição de cultivo de um representante brasileiro, temos a certeza de que os números do setor, em especial no Brasil, são totalmente ignorados nessas discussões. Os membros da CQCT já tentaram, sem sucesso, implementar alternativas ao cultivo do tabaco e todas esbarraram na viabilidade econômica, no perfil das pequenas propriedades ou em aspectos de mercado. Basta comparar a rentabilidade do tabaco com outras culturas para entender: é preciso 7 hectares de milho para auferir a mesma renda de um único hectare de tabaco”, comenta o presidente do SindiTabaco, Iro Schünke.
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A própria indústria já incentiva a diversificação para que o produtor tenha um complemento de renda. Desde 1985, o programa Milho e Feijão após a colheita do tabaco gera renda extra no campo. Na última safra, mesmo com os efeitos adversos do clima, os resultados foram superiores a R$ 650 milhões.
“Somos totalmente favoráveis a iniciativas que possibilitem ganhos aos produtores, mas o que temos visto são ações que serão, em grande parte, subsidiadas pelo governo. Considerando o contexto de mercado mundial, que ainda tem uma grande demanda pelo produto, e que o Brasil é o maior exportador de tabaco do mundo há mais de três décadas, faz sentido liderarmos esse tipo de discussão?”, questiona.
Outra decisão da COP-10 foi a implementação de trabalhos para discutir os impactos do tabaco no meio ambiente, tema levantado pela delegação brasileira. A proposta da COP, de análise de impactos ambientais, está ligada ao Artigo 18 da CQCT, que fala de proteção do ambiente e da saúde das pessoas. A sugestão é de que os 182 países membros façam estudos sobre os impactos ambientais no cultivo, fabrico e consumo de produtos do tabaco, bem como sobre os resíduos gerados.
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“Conduzimos, juntamente com a representação dos produtores, diversas ações de proteção dos recursos naturais, algumas delas com décadas de atuação e benefícios comprovados. Um deles foi o fomento, através do Sistema Integrado de Produção de Tabaco (SIPT), do cultivo de florestas energéticas para promover a preservação da mata nativa. Como resultado, atualmente, 14% das propriedades produtoras de tabaco são cobertas por mata nativa e 8% por mata reflorestada”, exemplifica.
Outras iniciativas do setor resultaram, por exemplo, na redução no uso de agrotóxicos a apenas 1,01 quilo de ingrediente ativo por hectare, mantendo o tabaco entre as culturas comerciais do agro brasileiro que menos demandam defensivos. E o programa de logística reversa promove o recolhimento e a reciclagem das embalagens do agrotóxico usado nas propriedades, muitas delas usadas em outras culturas.
“É claro que essas iniciativas não são demonstradas, talvez sequer apuradas, considerando o viés unilateral das discussões. Quaisquer ações incentivadas pelas indústrias nesse sentido são totalmente desconsideradas nesse fórum que se tornou um exemplo antidemocrático para o mundo, em especial quando vemos representantes do povo e a própria imprensa impedidos de acompanhar os eventos”, frisou.
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Os números demonstram a grande importância do tabaco no cenário do agro sul-brasileiro. Desde 1993, o Brasil permanece na liderança como maior exportador de tabaco do mundo. Segundo o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC/ComexStat), o Brasil embarcou 512 mil toneladas de tabaco em 2023, o que gerou divisas de US$ 2,729 bilhões. Ao todo, 107 países compraram o produto, tendo a União Europeia em destaque com 42% do total embarcado, seguida de Extremo Oriente (31%), África/Oriente Médio (11%), América do Norte (8%) e América Latina (8%). Bélgica, China, Estados Unidos e Indonésia continuam no ranking de principais importadores. A participação do tabaco nas exportações foi de 0,80% no Brasil, 4,51% na Região Sul. No Rio Grande do Sul, estado que é o maior produtor, chegou a 11,19%.
Sem consenso sobre os DEFs (dispositivos eletrônicos de fumar), o tema foi adiado para a COP-11, que ainda não possui sede definida ou data para acontecer. As divergências ocorreram porque parte das delegações participantes defendia a necessidade de realizar mais estudos. No Brasil, uma consulta pública da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), encerrada no dia 9 de fevereiro, colocou em debate a proposta de manutenção da proibição de comercialização, fabricação e importação, bem como a proibição da publicidade ou divulgação. Os resultados ainda não foram divulgados pela Anvisa.
“Temos certeza que muitas pessoas contribuíram com a consulta, questionando a proibição de um produto que já circula ilegalmente no País há muito tempo e impossibilita uma indústria legalizada se instalar, gerar empregos, renda, tributos e, mais importante, oferecer um produto regulamentado, com a fiscalização adequada. É um contrassenso sem tamanho seguir com esse tipo de abordagem, basta olhar para o comércio ilegal desses produtos que já acarretam enormes prejuízos aos cofres públicos”, ressalta Schünke.
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