Em meados de abril, comitiva de lideranças públicas e privadas do Brasil, coordenada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, esteve em missão oficial à China, onde foi recebida pelo líder da nação, Xi Jinping, e visitou empresas e organizações. Na pauta, o fortalecimento das relações diplomáticas entre os dois países e o estabelecimento (ou a intenção) de novas parcerias comerciais, bem como o intercâmbio em diversas áreas. O grupo foi integrado por um liderança santa-cruzense, o deputado federal Heitor Schuch, na condição de presidente da Comissão de Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos Deputados.
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A Gazeta do Sul conversou com ele, para saber de suas impressões sobre essa missão, e das perspectivas dela decorrentes. Principalmente porque a China é, de longa data, importante cliente do tabaco exportado a partir do Sul do Brasil. Mais do que cliente, a China está presente na própria produção, com a China Brasil Tabacos (CBT) e o escritório da China Tabaco Internacional do Brasil (CTIB). E a Gazeta do Sul ouviu ainda um dos maiores estudiosos brasileiros sobre as relações entre Brasil e China, o professor Paulo Visentini, da Ufrgs.
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Forte expectativa cerca, de parte do Brasil, a possível mudança de patamar da relação (comercial e de intercâmbios) com a China a partir da visita realizada por comitiva brasileira ao país da Ásia em abril deste ano. O êxito da viagem diplomática foi avaliado pela assinatura de 15 acordos em diferentes áreas, mas o entusiasmo vai além, diante da aproximação efetivada em diversos campos, em especial nos assuntos de pesquisa e tecnologia.
Uma liderança do Vale do Rio Pardo teve a oportunidade de testemunhar as tratativas realizadas nessa missão à China. O deputado federal Heitor Schuch (PSB) integrou o grupo na condição de presidente da Comissão de Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos Deputados, e pôde constatar o forte desenvolvimento que a nação ostenta na atualidade. E isso que, como frisou em entrevista à Gazeta do Sul, cerca de 40% da população chinesa, de 1,412 bilhão de pessoas, em números de 2021 do Banco Mundial, ainda reside no meio rural.
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A China é, na atualidade, o maior parceiro comercial do Brasil, na condição de comprador de commodities, entre as quais produtos agrícolas, como soja e carnes, mas também o tabaco, exportado a partir de Santa Cruz do Sul. Em 2022, os chineses adquiriram nada menos do que 70% de toda a soja exportada pelo Brasil, e em 2023, até abril, já haviam importado 34,432 milhões de toneladas, 20% a mais do que no ano anterior.
No entanto, Schuch disse ter constatado que os chineses estão promovendo forte adequação em suas áreas de produção. A exemplo do que, aliás, ocorre também no Rio Grande do Sul, várzeas que antes eram reservadas ao cultivo de arroz agora são adaptadas para o cultivo de soja. “Não sei se essa técnica, ou essas tecnologias, são as mesmas difundidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), mas os chineses estão ampliando a produtividade por área. Isso libera espaços do arroz para que possam entrar com a soja na várzea, como se vê aqui no Rio Grande”, ressalta Schuch. Com esse aporte de novas áreas e o aumento da produção própria, há indicativo de que a China possa vir a reduzir suas compras de soja do Brasil em 5% ao ano. “Se isso se concretizar, nós teremos que encontrar outro mercado para nossa soja que já não se destinar ao mercado chinês”, adverte.
Para o setor do tabaco, as relações comerciais com a China são plena realidade há mais de duas décadas, período em que a nação asiática firmou-se como o segundo maior cliente (ou destino) das folhas colhidas no Sul do Brasil, logo após a Bélgica. E, nesse sentido, é preciso levar em conta que o porto belga de Antuérpia constitui o ponto de entrada do produto que abastece outros mercados em toda a União Europeia, de forma que, individualmente, os chineses são, sem dúvida, o maior comprador do tabaco brasileiro.
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Atualmente, as aquisições da China correspondem a 28% de todas as vendas externas de tabaco do Brasil, em números finais de 2021, enquanto a Bélgica comprou 40%. Ambos situam-se muito acima dos Estados Unidos, terceiro no ranking em valor. O presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco), Iro Schünke, ressalta que ter a China como cliente é sinal de forte confiabilidade de parte dela em torno da qualidade do produto e da regularidade de oferta.
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As primeiras conversas no sentido das exportações para aquele mercado se estabeleceram no início dos anos de 1990, e os negócios efetivamente passaram a ocorrer no final daquela década. Em 1999, por exemplo, foram embarcadas 13 mil toneladas; em 2022, já eram aproximadamente 62 mil toneladas. A média entre 2004 e 2022 ficou em 47 mil toneladas por ano.
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Conforme Schünke, para que os negócios se concretizassem houve a assinatura de protocolo, pelo qual o Brasil se compromete a analisar sua matéria-prima a fim de confirmar que ela esteja totalmente isenta de indícios da doença chamada mofo-azul. E a parceria entre brasileiros e chineses se afinou ainda mais a partir do momento em que a China Tabaco Internacional do Brasil (CTIB), criada em 2002, estabeleceu joint-venture com a empresa Alliance One, formando a China Brasil Tabacos (CBT). Desse modo, passou a produzir tabaco com produtores integrados no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.
Se há mais de duas décadas a China é um dos principais clientes do tabaco colhido no Sul do Brasil, adquirindo, na atualidade, cerca de 20% de todas as folhas da variedade Virgínia negociadas pelo setor para o exterior, a parceria entre brasileiros e chineses ganhou contornos ainda mais intensos.
Em 2002 (portanto, há mais de 20 anos), foi criada uma instância para acompanhar de perto os processos envolvendo produção, processamento e embarque de tabaco a partir do Sul do Brasil: o escritório da China Tabaco Internacional do Brasil (CTIB), estabelecido em Santa Cruz do Sul, onde se situa o maior polo de processamento e exportação dessas folhas no País, considerado o maior em todo o mundo. Já em 2011 foi fundada a China Brasil Tabacos, com sede em Venâncio Aires, para atuar diretamente na produção, no processamento e exportação das folhas para o mercado chinês.
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Quem atualmente ocupa a presidência da CTIB e da CBT é Xinghua Zhou, que chegou ao Brasil em 2018, após passagem pela China Tabaco Internacional da Argentina (CTIA), desde 2012. Zhou recebeu a Gazeta do Sul na sede da CTIB para, na companhia de membros da diretoria, comentar aspectos que motivaram a atuação da empresa chinesa na produção de tabaco no Sul do Brasil. Hoje, é dos pavilhões da CBT que sai o maior volume de tabaco brasileiro com destino à China.
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E esse comércio registrou forte incremento nos últimos anos, o que motivou ajustes também no setor produtivo. Em 2017, a CBT possuía 13.450 produtores integrados, de 162 municípios do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, os dois estados nos quais atua; em 2023, já são 20.700 produtores. Para atender a todas as tarefas, a CBT possui 226 colaboradores efetivos e contrata outros 408 safreiros. Em área de plantio, em 2017 eram 25.640 hectares; neste ano, o total chega a 34.840 hectares. Esse crescimento, salienta Zhou, está diretamente relacionado a três fatores que a empresa enxerga como fundamentais: qualidade do produto, custos e regularidade de oferta, o que é viabilizado especialmente pelo sistema integrado de produção que vigora na cadeia do tabaco no Sul do Brasil.
O escritório da CTIB cumpriu papel fundamental para o fluxo dos negócios durante a pandemia de Covid-19, quando, durante três anos, visitas de representantes chineses ao Brasil para conferir a matéria-prima durante a safra foram interrompidas. Zhou e sua equipe atuaram a fim de responder por todas as etapas junto ao setor produtivo e ao processamento, viabilizando a continuidade nos embarques. Estes inclusive saltaram de 42 mil toneladas para 62 mil toneladas, em 2022, como frisa, com acréscimo de 44%, enquanto em receita passaram de US$ 240 milhões para US$ 480 milhões. A satisfação da empresa chinesa com a qualidade da matéria-prima e a parceria nos negócios é tamanha que recentemente a cônsul-geral da China no Brasil, Chen Peijie, e o cônsul adjunto, Sun Renan, em roteiro pelo Estado, visitaram a CBT. Na companhia de Zhou e do diretor de Operações da CBT, Ricardo Maciel Jackisch, foram recebidos ainda pelo governador Eduardo Leite, no Palácio Piratini, em Porto Alegre.
Um dos claros sinais do forte e crescente interesse em torno da China e de sua projeção em todo o planeta está no mercado editorial. Ao longo dos últimos anos, dezenas de títulos, entre obras analíticas de especialistas ou reportagens de jornalistas, chegaram às livrarias brasileiras. Com um pouco de esforço e de persistência, o leitor pode se informar muito (e bem) sobre os chineses. E pode ser uma decisão inteligente começar com a leitura de História da China: o retrato de uma civilização e de seu povo, de Michael Wood, em tradução de Jennifer Koppe e Carolina Pompeo para o selo Crítica (624 p., a R$ 148,90). Aos 74 anos, Wood é um dos mais respeitados historiadores a se ocupar da Ásia (além da China, tem livro específico sobre a Índia).
Com o amplo panorama histórico da China elaborado por Wood, o passo seguinte pode ser uma apreciação de uma das maiores autoridades asiáticas, Kishore Mahbubani, de Cingapura, sobre a disputa entre chineses e norte-americanos. Diplomata a serviço de seu país por mais de três décadas (quando foi embaixador junto à ONU), e depois professor universitário e pesquisador, aos 74 anos, usa de seus profundos conhecimentos para avaliar, no livro A China venceu? O desafio chinês à supremacia americana, lançado pela Intrínseca (368 p., a R$ 54,90), o desempenho das duas nações (China e EUA) no sentido de ocupar espaços nos mercados e no ambiente da economia. A pergunta formulada no título já sinaliza para as conclusões de Mahbubani.
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Para compreender a importância e o impacto da presença chinesa no mercado internacional (também no Brasil), obra organizada por dois brasileiros é de consulta imprescindível. China: o socialismo do século XXI é de autoria de Elias Jabbour e Alberto Gabriele. Lançado pela Boitempo, em 314 p., a R$ 77,00, o livro se vale de uma revisão teórica e de amplo material estatístico para explicitar de que forma os chineses protagonizaram a forte expansão e a presença no mercado internacional. Os autores ocuparam-se, em especial, de detalhar o modelo de socialismo em curso na China, e o que permitiu tamanha proeminência em uma realidade global capitalista. Aventam se se trataria de um capitalismo de estado ou de um socialismo de mercado.
Poucos jornalistas no mundo talvez tenham conhecimento estratégico sobre a Ásia como é o caso do inglês James Kynge. Por duas décadas esteve baseado nesse continente, e de lá relatou fatos marcantes da região. Como tal, reportou o impressionante desenvolvimento chinês e sua escalada no cenário econômico, social e político. Suas constatações e considerações ele compartiha em A China sacode o mundo, lançado em 2007 pela Globo (336 p., a R$ 37,00, em média). Com seu faro de repórter, e a partir das agendas que cobriu no período em que esteve sediado na Ásia, Kynge apresenta o perfil de empresários, organizações e líderes, com elas evidenciando o quanto a China tomou decisões rápidas e certas em várias áreas.
Outra obra referencial para os que têm por curiosidade ou objetivo conhecer mais e melhor o ambiente econômico, financeiro e empresarial chinês é O poder da China, de autoria do paulista Ricardo Geromel, especialista em bilionários da revista Forbes. Lançado pela editora Gente, este livro de 288 páginas, a R$ 59,90, ocupa-se de investigar (e tentar responder) a questionamentos básicos no universo dos negócios: especialmente razões ou estratégias que motivam o crescimento vertiginoso da China (e, claro, de algumas de suas empresas). Ele ainda aponta alguns desses chamados unicórnios, as marcas que mais rapidamente se projetaram para o mundo. A quem reparou no sobrenome, Ricardo é irmão do zagueiro Pedro Geromel, do Grêmio.
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