Categories: Clóvis Haeser

Missas aos domingos

A sagrada obrigação dos católicos era assistir às missas dominicais. Não havia desculpa. O padre conhecia as famílias da localidade.

Fui um dos coroinhas que ajudavam o padre na igreja São José. Tinha que chegar mais cedo a fim de não perder a vaga entre os principais ajudantes. Esses eram incumbidos de auxiliar o vigário em todas as tarefas durante a cerimônia, inclusive tocar a sineta na hora da consagração, a extrema glória para a gurizada.

A liturgia era toda em latim. O vigário ficava de costas para os fiéis. Os coroinhas se obrigavam a decorar algumas respostas que dávamos para o padre durante a missa. Pouco importava se não sabíamos o significado das expressões latinas, mas decorávamos as falas. Na verdade, nenhum dos fiéis entendia, exceto os seminaristas nas suas raras visitas familiares.

Publicidade

Homens e mulheres sentavam separados na igreja. Evitava-se que a visão do sexo oposto despertasse maus pensamentos nos fiéis ou que inspirasse desejos nada convenientes para aqueles momentos de introspecção. A repressão sexual exercida pela Igreja era terrível. 

Neste dia sagrado, a mãe nos vestia com a roupa mais bonita, inclusive sapatos, que só usávamos em ocasiões especiais. O problema maior eram as bolhas que causavam nos pés, não acostumados a este luxo durante a semana. Nosso alívio consistia em descalçá-los quando chegávamos em casa ou na saída da igreja. Muitos voltavam de pés descalços (adultos e crianças). Enfrentar o cascalho da rua descalço era mais agradável e até mais confortável do que usar o sapato.

Chegando em casa, trocávamos a roupa domingueira. Vestíamos um calção ou uma calça usada, muitas vezes costurada ou furada nos fundilhos. A nova era guardada para o próximo evento importante na localidade.

Publicidade

Os colonos vinham de longe para o compromisso dominical. Na frente da igreja, o estacionamento ficava repleto de carroças simples com assentos improvisados ou aquelas de passeio, com molas e pneus de borracha, puxadas por burros ou cavalos, bem mais confortáveis. 

Os mais abastados tiravam o Ford 29 da garagem. Domingo era o grande dia de mostrar à comunidade sua prosperidade. Poucos tinham este luxo. O grande problema era fazê-lo funcionar. O motorista se instalava em seu lugar no Ford e alguém da família impulsionava o motor com uma manivela. Raramente funcionava na primeira manivelada. O coitado cansava de tanto fazer força. Uma vez funcionando o motor, a família seguia para casa, feliz e orgulhosa. Apesar da demora em fazer o motor pegar, ainda ultrapassava todas as carroças com a velocidade máxima de 30 km/h.

As bicicletas que eram fabricadas para as mulheres vinham com modelos especiais. Diferenciavam-se por não terem o cano que atravessa do banco até o guidão. Nos anos 50 e 60, as jovens não usavam calças compridas, somente vestidos longos ou saias. Imaginem se tivesse o cano, a vergonha que passariam perante os homens: apareceria alguma parte das pernas, o que seria um escândalo entre as beatas da localidade.

Publicidade

O cavalo também era muito utilizado como meio de transporte no interior.

Para que ninguém faltasse a este compromisso dominical, era terminantemente proibida a realização de bailes aos sábados, a fim de evitar qualquer atraso dos fiéis dorminhocos.

Publicidade

TI

Share
Published by
TI

This website uses cookies.