Homem forte do Governo Dilma Rousseff, o gaúcho Miguel Rossetto (PT) atuou diretamente na articulação política, como secretário-geral da Presidência da República, nos dois primeiros anos do segundo mandato, período em que a crise se agudizou. Em outubro do ano passado, pouco antes da deflagração do processo de impeachment, foi transferido para o comando do Ministério do Trabalho, mas vem mantendo, nas últimas semanas, contato direto com o Palácio do Planalto e com o núcleo duro de Dilma.
Mesmo sendo um militante fiel do PT e do governo, Rossetto, que iniciou a trajetória política como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Leopoldo, foi deputado federal e vice-governador do Rio Grande do Sul, considera provável que Dilma sofrerá uma nova derrota no Senado nas próximas semanas e terá que se afastar da presidência. Sua expectativa, porém, é que possa retornar ao cargo após a conclusão do julgamento do impeachment.
Rossetto recebeu a Associação dos Diários do Interior (ADI-RS) na manhã de sexta-feira, na sede da Superintendência Regional do Trabalho, em Porto Alegre. A entrevista, na qual chamou os defensores do impedimento de “sabotadores da democracia” e Michel Temer de “conspirador e impostor”, foi interrompida por alguns minutos, quase ao final, para que o ministro pudesse assistir ao discurso de Dilma na Organização das Nações Unidas (ONU).
Publicidade
ENTREVISTA
Miguel Rossetto (PT)
Ministro do Trabalho e Previdência Social
Gazeta – O senhor se mantém em contato com a presidente Dilma e ainda participa da articulação política, mesmo não estando mais na secretaria-geral de governo?
Rossetto – Claro, todos nós. Os ministros desempenham suas atividades, e eu tenho uma responsabilidade imensa junto ao Ministério do Trabalho, mas frente à gravidade da situação política do país, mantemos contato direto com o Planalto, com a equipe da presidenta, com os ministros (Jacques) Wagner e (Ricardo) Berzoini, e um diálogo intenso com a sociedade também.
Gazeta – Como a presidente está pessoalmente diante dessa situação?
Rossetto – Com muita firmeza e determinação, como é próprio da sua característica, mas com um profundo sentimento de injustiça. O fato é que a presidenta é uma pessoa contra a qual não há sequer investigação de qualquer crime de responsabilidade, uma pessoa reconhecidamente correta e dedicada. Esse é um reconhecimento mundial. E é exatamente essa presidente que é agredida por personagens como Eduardo Cunha, que lidera uma tentativa de cassação. O que nós vimos no dia 17 foi algo deplorável para a democracia brasileira. A maioria oportunista da Câmara fez um movimento político, recuperando os interesses daqueles que foram derrotados em 2014. É um escândalo nacional e mundial. O Brasil hoje é um país isolado, a comunidade democrática mundial condena o golpe. E a minha expectativa é que o Senado reponha a legalidade. O Senado não vai encontrar nenhum crime de responsabilidade cometido pela presidente. O cenário com que trabalho é que é muito provável que a Dilma vá ser afastada provisoriamente na semana do dia 12, e a partir daí vamos ter alguns meses em que o Senado vai se dedicar ao julgamento do mérito da questão e obrigatoriamente se dedicar a encontrar um crime.
Gazeta – O senhor considera, então, que essa primeira votação no Senado já está perdida?
Rossetto – Penso que sim. Esse me parece ser o cenário mais provável, na medida em que bastam os votos de metade mais um para manter o impeachment. É um cenário brutal do ponto de vista institucional, mas é um cenário que não entra no mérito, apenas dá continuidade a uma investigação. O grande debate vai ser no mérito. A sociedade brasileira, de uma forma crescente, vai ampliar a denúncia ao golpe e a luta pela democracia e pelo seu direito a escolher o presidente. A partir desse ambiente, minha expectativa é que o Senado reponha a democracia, interrompa essa aventura e permita que a presidente Dilma volte, reorganize o governo e cumpra seu mandato de quatro anos.
Gazeta – Dilma teve, no seu primeiro mandato, uma maioria folgada no Congresso. Como a base aliada se esfacelou a ponto de ela ter sofrido a derrota na Câmara no domingo?
Rossetto – Isso se dá a partir da polarização das eleições de 2014. Uma eleição com enorme fragmentação de candidaturas e com grande polarização política. O fato é que nós nunca conseguimos reorganizar uma base parlamentar, conquistarmos uma estabilidade positiva para o governo, e vivemos durante 2015 um processo de permanente pressão de uma maioria, especialmente na Câmara, para inviabilizar o governo e desrespeitando o resultado eleitoral. Com essa agenda, esses sabotadores da democracia não só inviabilizaram o nosso governo, mas inviabilizam o Brasil. Mas à parte disso, essa situação é retrato da falência do sistema político brasileiro, com uma brutal pulverização partidária que cria enormes dificuldades para uma composição.
Gazeta – Faltou habilidade política para a presidente e para seu núcleo próximo, do qual o senhor fez parte?
Rossetto – Não é o tema central. O que nós vivemos é um processo, desde a eleição de 2014, de busca de instabilidade, permanentemente inviabilizando o governo, que entra em 2015 já sem uma maioria parlamentar. A expressão disso foi a vitória do Eduardo Cunha para a presidência da Câmara. Nós nunca conseguimos estabilizar, especialmente o PMDB.
Gazeta – Em que momento a aliança de PT e PMDB se rompeu?
Rossetto – Nós sempre preservamos uma aliança com parte do PMDB. E foi essa aliança que fez com que o Michel Temer fosse indicado para compor a chapa com a presidente Dilma. O que há é uma alteração oportunista nesse movimento, em que a maioria do PMDB se torna contrária a essa aliança e rompe com o governo e com a democracia. É uma maioria irresponsável, liderada por Cunha e Temer, que rasgam seus compromissos constitucionais e democráticos e, de uma forma oportunista, compõem com a oposição, PSDB e DEM principalmente, e essa maioria permite essa aventura que estamos vivendo. Mas é óbvio que isso não traz estabilidade ao país. É impossível imaginar que um governo de um oportunista, de um impostor como Temer e de um criminoso como Cunha seja capaz de dar sequência a um combate à corrupção. O país não vai melhorar com esses personagens. A estabilidade de um país passa pelo voto popular e quem conquistou o voto popular foi a presidente Dilma.
Gazeta – E Dilma, poderá recuperar a estabilidade do país, com um vice-presidente que ela chama de traidor e uma base desintegrada?
Rossetto – Ela recupera a estabilidade a partir de uma agenda claramente debatida com a sociedade brasileira. Eu não acredito, por óbvio, em uma recomposição de curto prazo e de maioria na Câmara. Mas acredito, sim, em uma enorme retomada de legitimidade política junto à sociedade e a construção, com a sociedade, de uma ampla agenda de retomada de crescimento. O contrário disso é que é inviável, porque aí é uma presidência ilegítima e ilegal.
Gazeta – E a presidente encontrará apoio na população? Há uma parcela significativa que é a favor do impeachment…
Rossetto – É uma parcela crescentemente minoritária. A sociedade compreendeu que o que está em discussão não é a aprovação ou não de um governo. Os governos têm quatro anos de mandato e convivem com aprovações maiores e menores, faz parte do processo democrático. É por isso que setores que têm uma posição crítica ao governo estão vindo às ruas para defender a democracia.
Gazeta – Alguns setores passaram a defender, inclusive dentro do PT, que a saída para a crise é convocar novas eleições. Como o senhor vê essa possibilidade?
Rossetto – Não penso que essa pauta seja correta nesse momento. O que deve estar no centro da política é a preservação da vontade popular e do mandato da presidente. Abreviar esse mandato é romper com esse grande acordo democrático. Essa é a pauta correta.
Gazeta – Vozes do PT, como Tarso Genro e Olívio Dutra, cobram do partido uma autocrítica porque entendem que houve erros. O senhor concorda que está faltando isso?
Rossetto – O PT permanentemente faz suas avaliações, e é evidente que a avaliação global, à parte de erros que tenhamos cometido, é positiva. Ao longo de sua história, o PT tem se transformando no partido da grande mudança do país. Mas esse não é o tema central. A agenda central, prioritária e única nesse momento é interromper oo golpe que barra um processo histórico de desenvolvimento social, econômico e democrático. É nisso que estamos concentrados.
Gazeta – O resultado da votação de domingo surpreendeu o senhor?
Rossetto – Sim. Nós esperávamos uma votação mais ampla. Percebemos mais uma vez que o oportunismo político e a falta de convicções fazem parte desse cenário. Toda a sociedade que acompanhou sabe do que estou falando.
Gazeta – O que está apontado no pedido de impeachment é inverídico ou insuficiente para justificar o impeachment?
Rossetto – O que está apontado não é, em hipótese alguma, crime de responsabilidade. Não é nem crime. Os decretos orçamentários, que há 50 anos são utilizados por todos os presidentes, não constituem crime e nem mesmo irregularidade até o último julgamento do TCU. Trata-se, portanto, de uma articulação política insustentável.
Gazeta – Não é natural que as denúncias da Lava Jato e o encolhimento da economia influenciem nesse processo?
Rossetto – Sim. Só que os dois partidos com mais indiciados na Lava Jato são PMDB e PP. Todos os deputados do PP gaúcho, que votaram a favor do impeachment, estão indiciados. E isso demonstra o cinismo desse movimento.
Gazeta – Muitos acreditam que a origem dessa crise é quando a presidente adotou medidas de austeridade para recuperar a economia e se desgastou com as bases históricas do PT.
Rossetto – Em hipótese alguma. Essa crise começa por uma conduta da sociedade brasileira. Há um marco simbólico muito claro nesse estímulo à violência que é levado à política: a abertura da Copa do Mundo. A conduta dos setores da direita, que produzem um padrão de violência e agressividade à presidência, é expressão de uma opção política clara, e que traz ao Brasil um padrão de oposição venezuelana, irresponsável e destruidora de valores democráticos. Essa oposição é responsável por isso. Nunca aceitaram o resultado eleitoral.
Gazeta – Se a presidente Dilma se afastar e depois retornar, como o senhor projeta, terá que novamente se aliar a forças mais conservadoras? Não há o risco de acontecer tudo de novo?
Rossetto – O novo governo será montado a partir daqueles que preservaram o compromisso democrático, por óbvio. Tivemos grandes personalidades, partidárias ou não, que revelaram um enorme compromisso democrático.
Gazeta – Então a aliança entre PT e PMDB é inviável daqui para frente?
Rossetto – Como partido, sim. Mas há setores do PMDB que vão continuar defendendo a democracia. Em nenhum momento, partidos como PMDB, PP, PTB e PSD participaram de forma unificada do governo. São partidos que têm suas bancadas e direções divididas. A referência de reorganização do novo governo partirá do compromisso com a democracia e com a sociedade.
Gazeta – E nesse cenário, como ficaria a presença de Temer no governo, já que ele continuaria como vice-presidente?
Rossetto – Apenas do ponto de vista formal. É evidente que não há nenhuma relação política com um conspirador golpista. O vice-presidente fez uma opção de ir para a ilegalidade, e é lá que ele deve ficar. Michel Temer é um impostor.
Gazeta – Mas é viável manter um governo até o fim nessas condições?
Rossetto – É óbvio que sim. O inviável é manter um governo com um conspirador e impostor como vice-presidente, personagem que por duas vezes jurou cumprir a Constituição e, na primeira oportunidade, rasgou seu juramento.
Gazeta – Por que o governo ainda não conseguiu fazer a economia reagir?
Rossetto – Nós temos graves situações internacionais que influenciam diretamente na economia brasileira, e temos problemas internos e graves, especialmente a forte seca que afetou a produção de energia elétrica e a produção de alimentos. Todos os países estão hoje concentrados na sua recuperação econômica. Nós vivemos um período cíclico de baixa atividade econômica. Afora isso, é evidente que essa instabilidade política artificialmente construída afeta a economia na medida em que traz incertezas ao país. É por isso que precisamos encerrar essa agenda o quanto antes para que o governo possa retomar uma agenda de trabalho.
(Assessor interrompe a entrevista para o ministro assistir, em um tablet, o pronunciamento da presidente Dilma na ONU)
Gazeta – O que o senhor achou do pronunciamento?
Rossetto – Achei adequado. Reafirmou os compromissos de um país que lidera essa agenda ambiental, e ao mesmo tempo faz uma advertência ao mundo da pauta brasileira, de um possível retrocesso democrático, e a sua confiança na capacidade do povo de resistir. É um pronunciamento correto.
Gazeta – Qual a lição que o PT tira de tudo isso?
Rossetto – O grande aprendizado é perceber como a democracia é um valor frágil frente à visão reacionária e conservadora de alguns setores da sociedade. Infelizmente a democracia não é um valor amplamente majoritário no país ainda, a ponto de impedir uma aventura como essa. Para aqueles que achavam que esse era um valor consolidado, infelizmente não é.
Gazeta – Essa radicalização do debate público e político é salutar à democracia? O senhor não teme que haja violência nas ruas?
Rossetto – A violência é inaceitável e deve ser rejeitada, mas a polarização política não. O debate de ideias e a firmeza na defesa de ideias é um valor. O que não é aceitável é defender a ditadura, defender torturadores. Quem defende isso é quem se associa ao combate à democracia. Mas tenho certeza que a sociedade fará opção pelo caminho da tolerância e do reconhecimento das diferenças.
Publicidade