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Conversa Sentada

Meu pai e eu (final)

Meu pai, de gênio doce e afável, tinha dificuldade em dizer não. Daí aquele monte de créditos não pagos que o levaram a fechar seu comércio depois de vender vários bens e pagar todos os credores. Doeu demais a ele vender a Dodge azul, mais que os demais bens.

Com base nesse aprendizado dolorido, nunca tomei “tufo” lá na fazenda. Primeiro ver o dinheiro na minha conta para depois liberar a tropa de gado. Antes disso, o caminhão não saía da porteira. Cansei de mandar descer toda a boiada e soltar no campo quando sentia cheiro de golpe. Fugi, qual o diabo da cruz, de avais, fianças e empréstimos. Para isso existem os bancos e as “factorings”. Mas o maior ensinamento que recebi foi que os compromissos têm que ser cumpridos.

Voltemos agora à minha casa paterna. Aqueles churrascos domingueiros, com muita gente e bastante cerveja, que se estendiam, começaram a rarear, para só ocorrerem lá de vez em quando restritos à nossa família. É como diz o ditado: “na hora da mesa farta não falta companhia.” E agrego eu, quando termina o vinho termina a festa.

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Voltando: com essa derrocada econômica caiu vertiginosamente o padrão de vida. Minha decisão estava tomada. Não queria ser um peso para meus pais. Nada de coitadismo!

Me transferi do Colégio Mauá para o Julinho, em Porto Alegre. Morei na casa  da Uesc. Trabalhava de dia e estudava à noite. Por uma graça divina que me salvou o futuro, consegui passar no vestibular de Direito na Ufrgs e daí em diante foi um abraço.

Periodicamente visitava meus genitores. O pai, porém, conquanto ainda não idoso, estava visivelmente triste. Havia montado uma pequena fábrica de colchões, mas já não era a mesma condição de vida de antigamente.

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Fui tocando a vida, aos 22 anos passei no concurso para delegado de polícia, saindo da Academia como primeiro colocado. Exerci o cargo por um ano, me exonerei para advogar e dois anos depois fui aprovado no concurso para juiz de direito.

Certo dia a mãe me telefonou dizendo que o pai estava com câncer. Pedi uma licença e fui correndo para Santa Cruz. Os médicos não lhe davam muita chance. Foi então que meu cunhado dr. Raul Kraether me disse que em Campinas (SP) havia uma clínica especializada. Levei meu pai de avião até São Paulo e de lá de táxi até Campinas. Prescreveram um tratamento e ele voltou confiante, apesar de muito, mas muito debilitado. Pouco depois faleceu aos 57 anos nos braços de minha mãe.

Era um homem antes de tudo ético. Esta é uma herança perene. Talvez a única.

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