Escrevi o texto abaixo em 25 de maio de 2017 como forma de homenagear o meu avô materno, Adão Batista Ferreira, que residia em Linha Boa Vista, no interior de Candelária. Fora publicado unicamente em uma rede social. À época, se completavam quase cinco anos do falecimento dele. Ao lembrar de tudo o que ele havia nos ensinado e por acreditar na importância de espalhar bons exemplos, tentei resumir um pouquinho das lições que deixou. Nada mais oportuno para, transcorrido nessa sexta-feira, 26, o Dia dos Avós, demonstrar o quanto conviver com eles pode ser significativo.
“Ontem, 24 de maio, meu avô completaria seus 93 anos. Ele pôde comemorar 89 aniversários com nossa família. Foram anos ricamente vividos. Dono de um coração tão, mas tão grande, ironicamente deixou essa existência por complicações cardíacas. Meu avô está comigo todos os dias, nos meus pensamentos e refletido em boa parte das minhas ações. As lembranças dele enchem meu peito de esperança, especialmente naqueles dias em que a vida ‘me aperta’.
Seu Adão, como muitos o chamavam, foi um homem digno, generoso, honesto. Nasceu em família pobre e cresceu trabalhando. Casou jovem, construiu uma casa com telhado de capim para iniciar a vida com minha avó, também de origem humilde. Talvez não fosse o lar que gostariam de ter, mas era o que podiam fazer. Unidos e cheios de disposição para enfrentar a vida com trabalho, eles depositaram na terra toda a esperança e vitalidade que tinham. E trabalharam, trabalharam muito. Os anos se passaram, tiveram duas filhas, trocaram o lugar da moradia, abriram um pequeno comércio de ‘secos e molhados’, investiram novamente na terra e adquiriram uma propriedade maior, onde ele viveu até envelhecer e se despedir da gente.
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Nessa propriedade, construíram uma casa melhor. Mesmo sem contar com água encanada ou energia elétrica, não se deixaram abater. Sabiam que era do trabalho que viria o progresso e ensinaram isso às duas filhas – minha mãe e minha tia. Assim, toda nova conquista era comemorada e agradecida. A compra da TV preto e branco e da geladeira, quando já dispunham de energia elétrica, foi um marco na vida deles. Coisas simples, não? Essas conquistas os impulsionavam a seguir adiante, mesmo quando perdiam as safras com a seca, o excesso de chuva ou o granizo.
Meu avô me contava histórias como essa com satisfação. E eu ouvia. Ouvia com admiração. Algumas dessas conversas ocorriam aos sábados à tarde, enquanto eu fazia a barba dele (com as mãos trêmulas e o avanço do glaucoma, ele confiou a mim, por quase dois anos, a tarefa de aparar toda semana sua barba e bigode). Eu sabia que ele tivera pouco estudo, que tinha frequentado a escola por pouquíssimos anos, mas seu Adão era tão inteligente. Seu Adão era um homem de valores e princípios. Ele ensinou lições valiosas, que são alicerce para a vida.
Nos mostrou a importância do trabalho e do esforço, como ferramentas para termos nossas conquistas; da perseverança, para não desistirmos nas primeiras dificuldades; do respeito, para sabermos viver em coletividade; da humildade, para que possamos aprender sempre mais com os outros; da honestidade, para sabermos que o que é da gente é da gente e o que é do outro é do outro; da generosidade, para inclinar o olhar para o outro e saber se colocar no lugar dele; da simplicidade, para valorizarmos o cheiro de mato e da terra, os pingos de chuva, a essência das pessoas, o valor da vida. Pra que herança melhor do que essa?
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Seu Adão não teve muito dinheiro, mas nos deixou toda essa riqueza. Por isso era amado e respeitado por todos. Era um velhinho de cabelo ralo, branquinho, de bigode bem feito, que gostava tanto do trabalho que quando não mais conseguiu ir à lavoura a depressão o acometeu. Ele resistia, mas, às vezes, a tristeza parecia ser mais forte. Ele queria trabalhar, mas o corpo não aguentava.
E o coração? O coração, mesmo enfraquecido pela cardiopatia, batia robusto sempre que podia contar alguma história pra gente. Por ser a neta mais velha, recebi carinho dele mais cedo que os outros, obviamente. Mas o amor ele conseguiu distribuir de forma igual para todos nós. Talvez fosse por isso que ele chamava a gente de ‘minha rica filha’, ‘meu rico filho’.
Esse foi o legado do meu avô: seguir confiante, firme e forte, apesar de todas as dificuldades de sobreviver da agricultura em tempos de pouca tecnologia e recursos. Ele só tinha a força braçal e de uma junta de bois para revirar a terra, mas sua fé o movia. Sua bondade e doçura, mesmo em meio ao caos, pareciam nos mostrar que era possível transpor qualquer dificuldade. Depois de lutar por quase três anos contra as complicações cardíacas, ele se despediu da gente às vésperas do Natal de 2012.
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A última vez que o vi com vida foi no amanhecer de uma quarta-feira. Ele estava na cama do hospital e me sorriu com os olhos quando me aproximei para dizer: ‘vô, eu vou indo, mas volto pra te ver’. Agora entendo que era assim que ele enxergava a vida, com um sorriso na alma que saltava pelos olhos. Desde então, a vida tem seguido com as tuas lições, meu avô. Que o tempo siga nos ensinando que vale a pena ser bom, ser correto, ser do bem. Porque tudo o que a gente espalha e semeia, volta. Ah, seu Adão, eu amo tanto a tua memória. Gratidão por ter sido tua neta”.
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