Categories: Cultura e Lazer

Mestre no xadrez e na superação

No início da década de 1950, um casal oriundo da região de Pelotas, Paulo Hugo e Maria José Mecking, havia se instalado em Santa Cruz do Sul, onde o marido viria atuar como bancário junto ao Banco do Brasil, depois de um périplo por várias cidades. Já tinham uma filha, Maria Beatriz, de dois anos e meio. No dia 23 de janeiro de 1952, aqui nasceria seu filho Henrique Costa Mecking. Quando ele estava com poucos meses de vida, mudaram-se, e retornaram para o Sul do Estado, fixando-se em São Lourenço do Sul. Anos depois, Mequinho, como passou a ser conhecido, teria o seu nome projetado como o maior expoente do xadrez no Brasil em todos os tempos.

Mequinho levou consigo, em sua meteórica ascensão, o nome de Santa Cruz. Tornou-se campeão brasileiro absoluto aos 13 anos, campeão sul-americano absoluto aos 14, recebeu o título de grande mestre internacional aos 20, e em 1977 era considerado o terceiro melhor do mundo, atrás somente do russo Anatoly Karpov e do suíço Viktor Korchnoi.

Prestes a completar 68 anos, Henrique Mecking está radicado em Taubaté, cidade de 230 mil habitantes a 130 quilômetros de São Paulo, capital. Está tão bem ambientado a essa cidade, para a qual se mudou há 31 anos, que recentemente recebeu da Câmara de Vereadores do município o título de cidadão honorário, em iniciativa da vereadora Loreny (Cidadania). Em suas páginas na internet, Mequinho expressou sua satisfação por esse reconhecimento de uma trajetória amplamente vitoriosa no xadrez. E não só nele.

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Mequinho estava no auge da capacidade competitiva no xadrez, esporte que alia técnica, tática e raciocínio apuradíssimo, e com ampla projeção internacional quando começou a sentir os reflexos de uma doença grave, a miastenia, que compromete o sistema nervoso e os músculos. Acabou tendo de se afastar das competições em 1978, um ano após aparecer em terceiro no ranking da Federação Internacional de Xadrez (FIDE, na sigla em inglês).

Em meio à busca de tratamento médico, começou a frequentar a Renovação Carismática Católica, e não hesita em afirmar que graças a esse apoio através da fé e da religião obteve sua cura, a ponto de em pouco tempo poder retomar uma vida praticamente normal. Em 1991, voltou a jogar xadrez e logo revelou a boa forma, de maneira que em 2001, em torneio na Argentina, empatou com Judit Polgar, considerada a maior enxadrista da história, e com seu antigo grande adversário Viktor Korchnoi, suíço naturalizado russo.

Mas a partir de sua aproximação com a Renovação Carismática Católica, Mequinho passou a dedicar a maior parcela de seu tempo a atividades de cunho religioso, engajando-se ações em Taubaté, na região e em todo o País. Formado em Teologia, exerce sua missão junto a diversos grupos de oração. Ainda assim, viaja com frequência para os mais diversos estados a fim de participar de eventos de xadrez e para simultâneas. Foi o que revelou em entrevista exclusiva por telefone ao Magazine, na qual repassou a sua trajetória e sua forte ligação atual com a religião.

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Livros
Mequinho acabou tendo pouco vínculo com Santa Cruz, uma vez que não chegou a firmar laços fortes com a região. Hoje, tem contato com santa-cruzenses pela internet, e manifesta curiosidade acerca da cidade. “Diga que eu mando um abraço a todos de Santa Cruz”, disse. E acrescentou: “Jogam xadrez aí? Espero que sim!”. Quando seus pais retornaram para o Sul do Estado, por lá se fixaram em definitivo, e lá também nasceram sua irmã, Maria Regina, cinco anos mais nova do que ele, hoje radicada em Portugal; e o irmão Flávio, dez anos mais jovem do que ele, este radicado no Rio. Seus pais são falecidos e a família era toda de Pelotas, onde ainda reside sua irmã Maria Beatriz.

Ao longo dos anos, vinha com mais frequência ao Estado para visitar os familiares, mas as viagens hoje não mais ocorrem. Em algumas ocasiões, vinha para simultâneas de xadrez, em Caxias do Sul, por exemplo. Plenamente estabelecido em Taubaté, com características parecidas com as de Santa Cruz e ótimos índices de desenvolvimento e socioeconomia, a partir de lá se desloca para os compromissos.

A partir do restabelecimento de sua saúde, compartilhou a experiência religiosa e de cura em livro, Como Jesus Cristo salvou a minha vida, lançado em 1992, um best-seller. Antes, no auge da carreira de enxadrista, por volta dos 20 anos, publicara obra destinada a principiantes, Iniciação ao xadrez. E em 2010 foi lançado Mequinho: o xadrez de um grande mestre, que recupera feitos desse prodígio do esporte.

Embora se revele bastante caseiro, vivencia a cidade em que reside, praticando corrida e caminhadas, e sendo convidado a eventos como enxadrista, bem como com suas constantes atividades religiosas, como conta na entrevista a seguir.

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ENTREVISTA EXCLUSIVA

Henrique Costa Mecking (Mequinho)
Enxadrista, natural de Santa Cruz do Sul

Magazine – Que circunstância fez com que tua família estivesse em Santa Cruz quando nasceste?
Henrique Costa Mecking – Meu pai era do Banco do Brasil e andou por várias cidades, Santa Cruz, também Rio Pardo, entre outras. O ideal dele seria ficar em Pelotas, porque os meus avós, tanto paternos quanto maternos, moravam lá. Quando eles saíram de Santa Cruz, eu era muito novo, acho que bebê. Depois ele trabalhou em São Lourenço do Sul, e eu saí de lá com 7 a 8 anos, quando fomos para Pelotas. De lá lembro mais, porque já era maior, mas de Santa Cruz não tenho lembranças.

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Chegaste a voltar a Santa Cruz?
Nunca retornei. Por ter me fixado mais distante e também porque o xadrez é um esporte muito pobre, não dá o dinheiro que dão futebol, golfe, tênis, automobilismo. Há esportes ricos e há esportes pobres. Faço assim: quando me convidam, vou, dou uma simultânea, vendo meus dois livros, Como Jesus Cristo salvou minha vida, que está na sexta edição e já vendeu 15.450 exemplares; e Mequinho, o xadrez de um grande mestre, este na primeira edição, de 10 mil exemplares, mas já vendeu 9.300 e também está quase acabando. Agora estamos fazendo um terceiro livro.

Como o xadrez surgiu em tua vida?
Quando era bem menino ainda. Foi assim. Minha mãe comprou um tabuleiro de damas que tinha xadrez do outro lado. Primeiro aprendi damas, ali pelos 4 anos, e logo comecei a ganhar dos adultos. Mas me interessei muito mais por xadrez, porque tem várias figuras diferentes, movimentos diferentes. Minha mãe acredito que aprendeu a jogar, e me ensinou. Depois, havia lá em São Lourenço do Sul um senhor que jogava razoavelmente bem e me deu instruções, e tinha até livros. Com sete anos eu já era vice-campeão de São Lourenço do Sul, jogando com adultos. Com 7 anos para 8, saí de São Lourenço para Pelotas. Lá tinha um homem que havia sido vice-campeão brasileiro, e várias vezes campeão gaúcho. Com 12 anos ganhei o campeonato gaúcho, com 13 anos o brasileiro, com 14 anos o sul-americano, porém empatado com três argentinos. Tivemos de jogar o desempate e assim fui campeão sul-americano com 15 anos. Ganhei dos três argentinos.

Como acabou sendo a caminhada de estudos?
De Pelotas saí para fazer a Faculdade de Física na Ufrgs, em Porto Alegre. Tinha 18 anos, mas amava o xadrez e não gostava de Física. O presidente Emílio Garrastazu Médici foi a Porto Alegre e fui falar com ele. Na coragem, pedi um cargo no Ministério da Educação e Cultura, e ele me deu um cargo no Rio de Janeiro. Tranquei Física e fui para o Rio me dedicar ao xadrez, isso em 1971, aos 18 anos. Fiquei por 17 anos no Rio, até 1987. Nessa época, cheguei a ser contratado pelo Grêmio e pelo Flamengo, como enxadrista.

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Foi um período de muita projeção do xadrez mundial…
É verdade. O Bobby Fischer, dos EUA, tinha nove anos a mais do que eu. Quando eu tinha 15, ele tinha 24. Ele acabou sendo campeão do mundo em 1972. Eu era ainda bem garoto. Com 19 anos eu já tinha direito ao título de Grande Mestre Internacional. Mas a FIDE só o homologou no congresso seguinte, de maneira que meu título foi homologado com 20 anos. Grande Mestre Internacional é o maior título vitalício que existe. Quando ganhei esse título, desfilei pelas ruas do Rio em carro de bombeiros, no Maracanã a torcida inteira me ovacionou, e até dei o chute inicial em uma partida.

Na época, algum confronto foi mais marcante?
Muitas vezes me perguntam qual foi o camarada mais difícil de vencer. Não é assim. Quando você joga com os melhores do mundo e consegue empatar, já é razoável, mas quando consegue ganhar é uma vitória estrondosa. É como um time de futebol ganhar de três a zero de outra grande equipe. É para sair soltando foguetes de alegria. Quem não gosta de ganhar de goleada? Todo mundo gosta. O Mikhail Botvinnik (1911-1995) já perdeu para dois que foram campeões do mundo, mas depois conseguiu recuperar. Sabe qual é meu escore com esses dois que foram campeões do mundo? Com o Vasily Smyslov (1921-2010) joguei três, um empate e duas vitórias para mim. Com o Mikhail Tal, um a zero para mim.

A década de 70 foi de um crescendo forte na tua carreira, até ser terceiro no ranking mundial…
Exatamente. Mas na época a minha doença já havia se manifestado. Ela se manifestou por volta de março de 1977. Foi logo depois que joguei um match na Suíça com o Lev Polugaevsky; era eliminatória do campeonato do mundo, e perdi por apenas um ponto. Em 12 partidas, perdi uma e houve 11 empates, sendo que em duas cheguei a estar ganhando. A doença primeiro atacava a garganta, até hoje minha garganta não é normal. Então, eu pensava que era coisa da garganta e fiquei um ano tratando, e nunca melhorava. Em março de 1979 tive crise total, passei a não mais poder mastigar, tinha fraqueza das pernas. Alguns me davam poucos dias de vida. Já tinha entrado para a Renovação Carismática, e uma senhora que rezava com dom de cura, de Lorena (SP), foi ao Rio, rezou por mim. Jesus me deu uma cura grandiosa e melhorei em 99%. Me levaram para um grupo de oração para eu testemunhar a cura.

E passaste também a te dedicar à religião?
Eu me dediquei muito à religião, e me firmei fortemente católico. Do Rio acabei saindo em novembro de 1987. Saí porque pensava que tinha de ser padre. Tive uma crise muito forte naquela época no Rio e alguém em Medjugorje, na Bósnia, onde ocorreram as últimas aparições de Nossa Senhora, pediu por mim. Pude viajar e morei seis meses com minha mãe em Pelotas, em novembro de 1987. Mas no outono seguinte vi que não podia ficar lá. O frio atacava minha garganta. E queria achar um seminário para estudar Teologia. Consegui a Renovação Carismática de João Pessoa (PB), onde fiquei por cinco meses. E então vim para o Instituto de Teologia de Taubaté, em 1988, curso que concluí em 1992. Já moro aqui há 31 anos. É uma cidade maravilhosa. E agora acabei ganhando até o título de cidadão honorário.

E como é tua rotina hoje?
Rezei em 12 estados diferentes, do Rio Grande do Sul ao Amapá. E joguei xadrez em 19 estados diferentes, em 18 deles simultâneas. Não perco nenhuma partida há 43 anos, desde que me converti. Jesus me salvou. Na Igreja Católica, quem cura sempre é Jesus. Sou especialista em alimentação e preparo comida especial. Tenho um grupo de oração e rezamos pelo Brasil inteiro para Jesus fazer as curas. Hoje, o meu principal requisito é subir na fé. Estou quase bom dessa doença gravíssima, e por aqui não tenho parentes, de maneira que cuido de tudo sozinho. Só me interesso por xadrez e religião, e cuido da minha saúde.

TI

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