Nada mais estimulador à classe média, ávida por um lugar ao sol no mundo do sucesso e da riqueza, do que a crença de que a meritocracia existe e é de alcance de qualquer um. Nada mais motivador, portanto, do que histórias de superação, receitas de sucesso, o segredo e as metodologias para ser um vencedor… As editoras agradecem a esse infinito mercado do delírio neoliberal, essa religião que prega que cada indivíduo é um empreendedor de si, basta fazer seu capital humano funcionar e estar sempre à disposição do mercado. A regra é a maximização da potência econômica e a hipotrofia da potência política, tradução do indigesto “reclame menos e trabalhe mais”. É preciso uma crença nessas coisas, elas não se criam sozinhas e com facilidade. No caso do neoliberalismo foram necessários mais de três décadas para nos convencer que devemos estar por nossa própria conta, que “meu mundo” sou eu que construo, que meu lugar na sociedade é resultado exclusivo de meu esforço e merecimento.
O neoliberalismo não é um sistema econômico apenas e sim uma lógica social cuja economia investe a totalidade da vida. É preciso acreditar, para usar o jargão da “literatura” de autoajuda, nos elementos da crença, dentre eles, a relevância da meritocracia. Que não se confunda, bem entendido, meritocracia com mérito. Este último é bem-vindo, útil e necessário. A meritocracia é a encarnação ideológica de um sistema que despreza e ignora estruturas e processos históricos e lança mão do proselitismo do individualismo a todo custo. A meritocracia faz do mérito um dispositivo de governo, de governamento de condutas e construção de subjetividades. A meritocracia é o cimento constitutivo dos discursos neoliberais encarnados na competitividade radical e na totalização da mercantilização social.
Ao contrário do liberalismo clássico de Adam Smith e do corolário do “laissez-faire”, a partir do qual se estabeleciam as fronteiras entre o Estado e a sua racionalidade política e o mercado com sua racionalidade econômica, o que temos no neoliberalismo é justamente a eliminação dessa fronteira. É a soberania radical do mercado que passa a desempenhar funções de regulação social, econômica, política e cultural. Concorrência e mercado se tornam os eixos norteadores da vida em sua totalidade. Daí ser a meritocracia o mantra neoliberal. Entende-se, assim, como os “teólogos” da meritocracia a relacionam com o caminho da felicidade, da produtividade e do sucesso. O caminho está aí, aberto a todos, basta querer, uma boa dose de esforço pessoal, investimento pessoal, determinação pessoal, superação pessoal, etc… Basta fortalecer a crença na singularidade das ações individuais, ignorar as desigualdades, vê-las como epifenômenos. O resultado disso tudo é que estamos abandonando a “utopia” das trajetórias compartilhadas e o desejo por laços sociais e com isso passamos a ignorar que não precisamos ser iguais, mas viver como iguais.
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