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Memória: o desbravamento do Centro-Serra

A colonização alemã pioneira no Rio Grande do Sul deu-se a partir de 1824, em São Leopoldo. Nos anos seguintes, gradativamente novos vales e novas regiões do Estado iam sendo ocupados tanto por imigrantes germânicos (e por seus descendentes) quanto por outras etnias, a exemplo dos italianos. Em meados do século 19 a colonização chegava aos vales do Taquari, do Rio Pardo e do Jacuí, até a região de Santa Maria. Até o final do século, quase toda a região baixa dos vales estava relativamente povoada.

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Mas, e a região do planalto, os chamados Campos de Cima da Serra, como e em que momento foram povoados? É nesse sentido que um livro que acaba de ser lançado traz contribuição oportuna, e valiosa, para iluminar a colonização do Centro-Serra, o atual município de Sobradinho e de localidades do entorno. A obra Colônia Sobradinho (RS), da professora e historiadora Clara Luiza Montagner, teve sessão de autógrafos na Feira do Livro de Sobradinho, na semana passada, e agora está a disposição de todos os que queiram entender mais e melhor o povoamento daquela região. Tratou-se, na origem, de uma colônia criada pelo Estado para ser mista, mas a presença alemã ali se sobressaiu.

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O olhar afetuoso de uma professora sobre a região

Nascida em Pinhal Grande, quinta dos 12 filhos do casal João Batista Montagner e Rosa Augusta Trevisan, ambos de ascendência italiana e já falecidos, Clara Luiza Montagner cresceu em Arroio do Tigre, em um lote de terras que seu pai adquirira na região. Depois de cursar os quatro anos do primário, fez um quinto ano como interna na escola Sagrado Coração de Jesus, na localidade, da qual sua própria mãe fora uma das primeiras a estudar. Por conta dessa continuidade nas aulas é que Clara decidiu que queria continuar os estudos. Aos 12 anos foi parar em São Paulo, em um colégio das mesmas freiras de Arroio do Tigre.

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Na capital paulista licenciou-se em Letras – Português/Francês, em 1974, pela antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Nossa Senhora Medianeira. A partir disso, tornou-se professora de língua portuguesa, literatura brasileira, literatura infantil e redação, e por 14 anos foi secretária bilíngue em razão de seu amplo domínio de português e francês. Chegou a residir em Campinas. Em São Paulo permaneceu entre 1959 e 1990 e por lá casou-se, tendo o filho Giancarlo Montagner Copelli, que reside com ela em Salto do Jacuí.

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Primeira bica de água, no detalhe, instalada na atual Praça 3 de Dezembro

Uma vez que estava distante dos demais de sua família, inclusive dos pais e dos irmãos, e sentia saudade deles, em 1990 finalmente se transferiu de novo para o Sul e se fixou em Salto do Jacuí. Passou a lecionar em escola estadual, o Instituto Miguel Calmon, criado no ambiente da usina Hidrelétrica Ernestina, da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), aposentando-se em 2008, e ainda na escola municipal Álvaro Rodrigues Leitão, na então vila de Estrela Velha, da qual se aposentou em 2003.

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A partir desse retorno ao convívio em sua terra natal, e da aposentadoria como professora, Clara passou a investir na produção de textos de cunho histórico. Seu primeiro olhar voltou-se justamente a Estrela Velha, recém-emancipada, e a Salto do Jacuí. E por sua carreira de escritora e historiadora, em 2009 tornou-se fundadora da Academia Centro Serra de Letras, na qual ocupa a cadeira de no 3.

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Dona Clara Montagner fixa a história regional

A partir de seus estudos e das pesquisas históricas sobre a região, dona Clara Montagner publicou em 2017 o livro No meio do caminho havia uma serra: Picada Botucaraí & História regional, pela Martins Livreiro, de Porto Alegre. Foi a partir da constatação da importância que teve, para todo o RS, a definição de uma nova via de acesso das áreas baixas do Centro do Estado para a região de cima da serra que ela passou a se perguntar com maior interesse sobre as circunstâncias do povoamento do Centro-Serra. E assim surgiu o mote em torno do livro sobre a Colônia Sobradinho.

Clara recorda que, de forma esporádica, a tentativa de acesso pela Serra do Botucaraí à região alta remonta ao final do século 18, quando havia o esforço de, a partir de Rio Pardo, acessar Soledade ou Cruz Alta. Ainda antes disso, no século 17, no contexto das reduções jesuíticas, habitantes da redução Jesus Maria, nas imediações da atual Candelária, se dirigiam às missões implantadas na parte alta. E foi a efetiva definição da Picada Botucaraí que criou um caminho alternativo a Soledade e Cruz Alta.

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Com uma via de acesso, ao longo e ao final do século 19 os contatos foram mais frequentes. E então surge um primeiro ponto de referência. Em data incerta, foi construído um pequeno sobrado em área de posse de Joaquim Vicente de Toledo, alferes da Guarda Nacional, que morava em Rio Pardo. Em uma área de terras extensa, aquele sobradinho tornou-se ponto de parada para praticamente todos os que cruzavam a região. Em 1839, em meio à Revolução Farroupilha, a posse teria sido vendida, “de mão”, ou por escritura particular, com registro em cartório somente em 1845.

Aventa-se que em algum momento o prédio teria sido incendiado, sumindo da paisagem, mas a referência espacial permaneceu. Em 1849, adiante dos campos do sobradinho, Bento Antônio Pereira apossou-se de uma área, de modo que esta se tornou Posse dos Bento. Quase meio século depois, em 1897, em parcela das terras foi implantada a Colônia São Paulo, de iniciativa privada, povoada em sua maioria por colonos italianos e descendentes, e que resultou no atual município de Ibarama.

E então, finalmente, em 1901, o governo estadual criou a Colônia Sobradinho, com 15.169 hectares de terras devolutas, e que seria mista. Dessa área, uma sobra de 1.935.470 metros quadrados foi reservada para ser a sede, origem da atual cidade de Sobradinho, cujo município emancipou-se no dia 3 de dezembro de 1927, como antigo 4o distrito de Soledade. Os municípios de Sobradinho e de Arroio do Tigre, bem como, posteriormente, Segredo, têm sua história diretamente vinculada a essa colônia estadual mista.

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O mapa da colônia foi objetivo longamente perseguido

Mais do que levantar informações sobre fatos de época ou sobre os proprietários dos primeiros lotes nas “linhas” que se dirigiam aos diversos quadrantes, dona Clara Luiza Montagner perseguia, em especial, o famoso mapa original da Colônia Sobradinho. Em dado momento, em 2017, por indicação do ex-prefeiro Lademiro Dors, ela até pudera visualizar esse mapa, mas não tivera a oportunidade de fotografá-lo. Agora, finalmente, ele é a cereja-de-bolo de seu livro, pois finalmente conseguiu reproduzi-lo, no Departamento de Terras Públicas, da Secretaria de Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.

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Clara enfatiza que a própria localização de documentos sobre a colônia foi complicada, uma vez que eles estão dispersos em vários órgãos e locais, inclusive em Santa Cruz do Sul, onde por um tempo funcionou a Comissão de Terras, e até em São Pedro do Sul, bem como em mais de um organismo em Porto Alegre. “É tanto material disperso, com tanta lacuna, que, de certo modo, até hoje essa colônia parece ainda não ser um assunto fechado”, frisa.

Primeiros casarios, igreja e moradores em meio a suas ocupações na sede da colônia, em foto do encarregado da região na época, Alfredo Nery

Colonização alemã foi a predominante nos lotes

A consulta ao livro de Clara Luiza Montagner sobre a Colônia Sobradinho promete ser particularmente interessante para a população que, de algum modo, tem relação com a região Centro-Serra. Ocorre que na obra ela levantou as listas dos primeiros proprietários dos lotes de terras nas diversas linhas que foram estabelecidas. Oficialmente, eram elas: Tupi, Quinca, Central, Brasileira, Lagoa, Carijinho, Herval, Bonito, Rocinha, Guabirova, Lambedor, Taquaral, Travessão, Barrinha, Tigre, Cereja, Ocidental, Turvo, Floresta, Pinhal, Serrinha/Jacuizinho, Santa Cruz, Tamanduá, dos Feio e Pitingal.

Por um cálculo realizado pela pesquisadora e historiadora, ela aponta que mais de 60% dos proprietários de lotes da colônia eram alemães, oriundos de outras localidades do entorno, já colonizadas, como Santa Cruz, Candelária e, claro, Agudo, cujo território se estendia até em cima da serra. Depois, mais de 20% estava em posse de portugueses, e os italianos perfaziam em torno de 17%, conformando o mosaico étnico dessa área.

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A atenção se volta a Ibarama

A obra sobre a Colônia Sobradinho é o décimo título publicado por Clara Luiza Montagner em seu esforço de historiadora para recuperar e fixar passagens importantes da memória regional. Além dos primeiros trabalhos sobre Estrela Velha e Salto do Jacuí, em 2005, ela se dedicara a elucidar as origens familiares, dos Montagner, e seguira com estudos sobre a família Sebastiany e, depois, sobre as raízes italianas da região, em volume que organizou para a Evangraf.

Agora, cogita ocupar-se de forma mais demorada com a Colônia São Paulo, particular, e com imigrantes italianos, o que resultou no município de Ibarama, uma comunidade que ainda não dispõe de um registro mais efetivo de sua trajetória. Dona Clara menciona o fato de que, embora tenha sido uma colônia particular, há no território atual de Ibarama uma localidade, a Linha Caramuru, que, curiosamente, teria tido os seus lotes comercializados pelo governo do Estado. As circunstâncias ou motivações para isso é o que ela também pretende elucidar ou levantar.

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