Era início de 2017 quando Janaina Oliveira Nunes, de 45 anos, acordou um dia com o mamilo invertido, para dentro do seio. Ela, que sempre fez a autoanálise das mamas por meio do toque, sabia que o sinal era ruim. “Eu fui no posto, falei com o doutor que aquilo não era normal.” A revendedora já suspeitava que poderia ser câncer, mas os médicos, a princípio, não. O diagnóstico veio apenas em agosto de 2019, após longas esperas para realizar consultas e exames por meio do Sistema Único de Saúde no Rio.
Um estudo feito pelo Observatório de Oncologia em parceria com o Instituto Avon, ao qual o Jornal Estado de S. Paulo teve acesso com exclusividade, mostra que em 2014 uma mulher levava, em média, 28 dias entre a primeira consulta com um especialista no SUS e o diagnóstico do câncer de mama. Em 2018, o tempo aumentou para 45 dias.
Ao considerar o período de 2014 a 2018, o tempo médio foi de 36 dias – e em 32% dos casos a confirmação demorou mais de 30 dias, segundo dados do Registro Hospitalar de Câncer (RHC) do Instituto Nacional de Câncer (Inca). O estudo completo analisou o panorama do atendimento realizado pelo SUS para o tratamento das mulheres com câncer de mama por meio de informações obtidas em seis diferentes bases de dados secundários e públicos do Ministério da Saúde.
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Para acelerar esse processo, o governo federal sancionou, em outubro, a Lei 13.896, que busca garantir o diagnóstico de câncer em até 30 dias após a solicitação médica. Médicos e entidades que atuam em defesa dos direitos de pacientes com câncer, porém, avaliam que a legislação nem sempre é acatada e um melhor direcionamento seria necessário para que Estados e municípios cumpram o dever.
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Segundo Juliana Francisco, da Sociedade Brasileira de Mastologia, são diversos os fatores para a demora do diagnóstico “Pode ser o medo que a mulher tem de fazer os exames, mesmo os de rotina, falta de conhecimento, dificuldade de acesso, não conseguir agendamento próximo do local de trabalho ou não ter médico no posto para atendê-la.”
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A médica destaca que a qualidade dos exames, não apenas em relação ao equipamento, também pode levar a um diagnóstico tardio. “O posicionamento da mama no mamógrafo é a principal dificuldade, que vai afetar a percepção do radiologista e a interpretação da imagem.” Nesses casos, uma alteração importante pode não ser identificada de imediato.
De acordo com o estudo, o tempo para o diagnóstico também aumentou conforme a idade, passando de 32 dias na faixa de 20 a 29 anos até 38 dias para mulheres entre 60 e 69 anos. A análise indica que o intervalo de tempo para confirmação da doença teve aumento de 10,3% ao ano. Segundo Juliana, as implicações do diagnóstico tardio envolvem estágio mais avançado da doença e, consequentemente, custo mais elevado do tratamento.
Entre 2015 e 2019, 368.019 mulheres realizaram ao menos um procedimento de tratamento ambulatorial para o câncer de mama no SUS, com gasto superior a R$ 3,1 bilhões. Desse total, 44% estavam com a doença em estágio avançado, o que representou 61% do valor gasto no período. Já 23% trataram a enfermidade após diagnóstico precoce, o que significou apenas 15% das despesas.
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Tratamento tardio
Após a confirmação do câncer, o tratamento deve ser iniciado em um prazo máximo de 60 dias, conforme prevê a Lei 12.732/2012. No entanto, registros do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA-SUS) analisados pelo estudo no período de 2015 a 2019 mostram que o tempo médio foi de 113 dias. Apenas 43% das mulheres diagnosticadas e tratadas iniciaram o procedimento em até 60 dias. Já pelos dados do RHC, a espera média entre 2014 e 2018 foi de 83 dias, com cerca de 50% das pacientes iniciando em até dois meses.
No caso de Janaina, foram quatro meses entre o diagnóstico e a primeira sessão de quimioterapia, em dezembro de 2019. “Eu via que os números iam aumentando, o tamanho dos linfonodos. O câncer é uma doença que se desenvolve muito rápido”, diz. As sessões acabaram em junho deste ano e em agosto a cirurgia foi realizada. Agora, a revendedora aguarda para iniciar a radioterapia.
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Segundo dados do Painel-Oncologia, do Inca, divulgados em maio deste ano, 50% das mulheres diagnosticadas com câncer de mama em 2019 iniciaram o primeiro tratamento em até 60 dias enquanto 24,7% começaram com mais de dois meses após a confirmação da doença. Importante destacar que em 25,2% dos casos não havia informação sobre o tratamento.
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Baixa cobertura mamográfica
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Outro dado que chama a atenção no estudo é a baixa cobertura de mamografia em todo o País, principalmente em relação ao público-alvo determinado pelo Ministério da Saúde, que são mulheres entre 50 e 69 anos. Entre 2015 e 2019, cerca de 23% desse grupo etário fez o exame. A cobertura geral caiu 4,4% ao ano. “A gente sabia que o cenário é bastante crítico. O que surpreendeu foi ver o cenário de piora nos últimos anos”, avalia Nelson Correa, pesquisador e cientista de dados do Observatório de Oncologia.
Esse estudo volta a levantar o debate sobre a partir de qual idade as mulheres deveriam iniciar o exame para rastreamento do câncer de mama, algo que já foi discutido em uma pesquisa anterior. Nesta análise, 50% dos diagnósticos em estágio mais avançado foram feitos em pacientes entre 40 e 49 anos, faixa etária que está fora do preconizado pelo Ministério da Saúde, que é de 50 a 59 anos. Nesse grupo, 43% teve confirmação tardia e 27%, precoce.
Uma informação importante, mas que está ausente nos dados públicos da Saúde, é a data da primeira suspeita de câncer, seja por uma alteração na mamografia ou pela percepção de um nódulo na autoanálise. Janaina conta que a primeira médica com a qual se consultou desconsiderou a possibilidade de tumor e apenas receitou um medicamento. O ideal seria ter um registro nacional que abrangesse toda a população, com preenchimento mais frequente das informações, avalia o pesquisador Nelson Correa.
O estudo do Observatório de Oncologia mostra ainda que a cor da pele interfere na jornada da mulher pelo diagnóstico e tratamento do câncer de mama. Pacientes brancas fizeram a maioria das mamografias aprovadas (39%) em relação a pardas (19%) e pretas (4%). Enquanto 65% das mulheres brancas foram diagnosticadas em até 30 dias, essa proporção foi de 61% para pretas e pardas, que também apresentam mais diagnóstico avançado do que precoce em relação às brancas. “A gente já tinha ideia dessa disparidade, mas o estudo mostrou isso muito bem”, afirma Juliana.
Fonte: Estadão Conteúdo
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