O tratamento dos transtornos mentais com abordagem dos aspectos da religiosidade e espiritualidade (R/E) passou pela pandemia de Covid-19 e terá continuidade, afirmam especialistas que participaram do 39º Congresso Brasileiro de Psiquiatria, realizado na última semana, em Fortaleza, pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
A WPA reforçou, na ocasião, a relevância das pesquisas sobre o tema e a consideração da religiosidade dos profissionais da saúde mental envolvidos nos atendimentos. Ao participar do congresso, Moreira-Almeida disse que o posicionamento da WPA já foi um reconhecimento das evidências desse impacto. “Sabemos que a maioria da humanidade tem religiosidade, tem espiritualidade, e que isso impacta a saúde, melhorando quadros depressivos ou evitando que aconteçam, diminuindo comportamento suicida, uso e abuso de substâncias e melhorando qualidade de vida e bem-estar também”, afirmou o especialista, que é vice-coordenador da Comissão de Estudos e Pesquisa em Espiritualidade e Saúde Mental da ABP.
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Segundo Moreira-Almeida, a recomendação para profissionais de saúde de forma geral e, em particular, para os psiquiatras, era que soubessem da importância de tal condição para toda a humanidade, que, quando as pessoas lidam com problemas de saúde também buscam a espiritualidade para enfrentá-los e que isso tem impacto positivo.
Na prática, significa que a orientação é que os especialistas, sem ignorar a medicação, a psicoterapia, busquem conhecer a história espiritual da pessoa. “Porque nos interessa conhecer o paciente e perguntar qual é sua religiosidade, sua fé, e quanto isso impacta a sua vida. E, nesse ponto, identificar os aspectos positivos da religiosidade do paciente que podem ajudar o psiquiatra, clínico, ou psicólogo, no enfrentamento dos problemas.”
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O coordenador da Comissão de Estudos e Pesquisa em Espiritualidade e Saúde Mental da ABP, Bruno Paz Mosqueiro, informou que, em 2019, saiu a revisão de um estudo muito completo sobre a relação entre depressão e espiritualidade. “Um achado interessante é que, nos momentos de adversidade, o papel protetor da espiritualidade é muito maior. Isso tem muito a ver com a covid-19, que foi um momento de adversidade.”
Na Universidade de Harvard, um estudo que acompanhou quase 90 mil mulheres nos Estados Unidos, mostrou claramente a importância da religiosidade entre aquelas que frequentam grupos religiosos semanalmente. Mosqueiro salientou a importância de abordar a R/E com os pacientes e integrá-la na prática clínica, porque eles querem muito falar sobre isso.
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Para Alexander Moreira-Almeida, que também é professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, esta é uma tendência que veio para ficar, superando visões muito limitadas e parciais do ser humano. Ele lembrou que, no passado, viveu-se uma época em que se salientavam visões psíquicas do paciente, a parte psicanalítica ou psicológica. Depois, deu-se ênfase ao aspecto biológico, de medicações, enquanto outro grupo destacava a visão de estruturas sociais. Todos os grupos estão parcialmente corretos, por apontarem aspectos importantes, mas também errados porque querem “generalizar a partir de uma única ótica”.
O que a WPA e a ABP defendem é uma abordagem biopsicosocioespiritual, que enxergue todas as dimensões do ser humano. “Na verdade, eu escolho o meu paciente. E, nesse paciente, vou lidar com o aspecto biológico, físico, vou saber usar a medicação, a atividade física, o uso de drogas. No aspecto psíquico, como ele está vendo o mundo, a si mesmo, suas dificuldades. No aspecto social, o ambiente onde ele convive, buscar situações mais produtivas. E, por fim, a sua própria espiritualidade, em conjunto com tudo isso”, explicou o psiquiatra. Moreira-Almeida informou que foi publicada recentemente uma revisão de psicoterapias que incluíam a espiritualidade para tratar problemas psiquiátricos.
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Caso faça parte do contexto espiritual do paciente, uma ideia é incentivar que ele frequente, pelo menos uma vez por semana, um grupo da religião, faça um trabalho voluntário, tenha uma prática regular diária de oração, meditação e que reflita sobre os problemas do mundo também a partir da perspectiva espiritual. “Vou usar a capacidade de recuperação e correção de equívocos, arrependimentos pesados que aconteceram no passado, autoperdão, superação. Tudo isso pode ser usado de modo saudável, visando à recuperação do paciente. Isso tem crescido cada vez mais nas áreas de medicina”, disse o psiquiatra.
A Sociedade Brasileira de Cardiologia publicou uma diretriz de prevenção cardiovascular com uma seção de espiritualidade. Alexander Moreira-Almeida destacou que a existência de milhares de estudos sobre o tema não deixa dúvida de que é um movimento que não tem volta. Na opinião do especialista, isso se aplica sobretudo no caso da Covid-19, cujos efeitos sobre a saúde mental ainda vão se manifestar por algum tempo. No início do confinamento, uma das respostas mais frequentes da população sobre o que mais queria voltar a fazer era retornar à comunidade religiosa. “A Covid lembrou também às pessoas a fragilidade humana, a falta de controle sobre os acontecimentos. E isso tem muito a ver com a busca espiritual.”
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Embora ainda não haja estudos conclusivos sobre isso, Moreira-Almeida citou o trabalho de um grupo de pesquisa que investigou mais de 1,6 mil pessoas durante a pandemia, para ver como a espiritualidade as influenciou, levou a reflexões sobre a existência, sobre a vida. Para muitas pessoas, foi um redescobrir de três coisas: não estou no controle absoluto de tudo; há necessidade dos vínculos familiares e humanos e da própria espiritualidade. “Foram três buscas de crescimento com a adversidade.”
“E nós, como profissionais, precisamos estar capacitados para conversar, centrados no paciente e no que ele traz de crença. Precisamos aprender como trazer isso para a nossa prática clínica, sem precisar escolher entre o tratamento convencional e religiosidade, mas abordar junto com outros fatores importantes na vida da pessoa”, explicou.
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Bruno Paz Mosqueiro enfatizou que o tema da R/E tem crescido no meio universitário. Por isso, a comissão se preocupa em trazer para os congressos da ABP mesas-redondas, cursos e palestras sobre o assunto. “Queremos trazer isso para o estudo dos profissionais e também para a população em geral”, afirmou Mosqueiro, lembrando que muitos pacientes ficam satisfeitos ao conversar sobre isso com os psiquiatras. “Muitos relatam que aumenta a satisfação no tratamento, e há pesquisas que mostram isso.”
Já Moreira-Almeida destacou que, entre os estudantes de medicina, existe uma grande abertura para o tema da R/E. Segundo ele, na maioria das universidades, são os estudantes que puxam o tema com as ligas acadêmicas de religiosidade e espiritualidade em todo o país. “Tem tido uma recepção muito positiva”.
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O presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antonio Geraldo da Silva, disse que estudos recentes confirmam a relevância da abordagem sobre religiosidade e espiritualidade no tratamento de transtornos mentais, incluindo publicações e editoriais em revistas científicas de grande impacto. “Trata-se de tema de grande prevalência na população geral. A maior parte dos pacientes demonstra vontade de abordá-lo nos atendimentos em saúde, e dados consistentes reforçam um fator geral predominante protetor da R/E dos pacientes para saúde mental, particularmente nos transtornos depressivos, de humor, transtornos por uso de substâncias e na prevenção ao suicídio”, indicou Silva.
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