Muitas pessoas que moraram ou ainda moram no interior devem ter conhecido um médico de família. Alguns desses, antes de possuírem carro, se deslocavam a cavalo para socorrer os doentes. Não importava se era dia ou noite, se chovia ou fazia sol, se era perto ou longe. Como sacerdotes fiéis à sua vocação, prestavam seu amparo a quem estava em sofrimento. No entanto, pessoas do interior só apelavam ao médico em caso de urgente necessidade.
De resto, usavam seu conhecimento simples para amainar a dor.
Penso que não existe a pior dor. A pior é sempre a que está de plantão. Dor de ouvido, por exemplo. Lembro que introduziam fumaça de cigarro ou óleo levemente aquecido ouvido adentro. Acredito que o calor acalmava o incômodo. Se a dor era intensa, fazia-se necessário produzir muita fumaça. O pai virava verdadeiro pajé tragando o cigarro, expelindo fumaça e tentando a salvação. O quarto virava uma churrasqueira em tempo de vento desfavorável, as cobertas ficavam com aquele cheiro inconfundível.
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A febre demandava também seu próprio procedimento. Se não existisse termômetro, era tomada no tato da mão. Se beirava os quarenta graus, vinha o inconfundível tratamento: panos e panos molhados na testa até o mal ceder e sumir. Não se apelava a remédios, que vieram depois ou não existiam nas casas. Melhoral, melhoral é melhor e não faz mal. Tomou doril, a dor sumiu.
Quando a gripe dava as caras, com todos os seus desconfortos, aplicava-se um método bastante comum. Sobre o paciente eram amontoadas todas as cobertas da casa até o vivente – ou sobrevivente – suar em bicas, todos os poros expulsando a doença e devolvendo o bem-estar, a necessária saúde para que a vida seguisse seu rumo normal. Usava-se igualmente um xarope caseiro. Numa panela, uma porção de cachaça, bastante açúcar e depois fogo no líquido para reduzir o teor alcoólico. Ficava bem bom.
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Dor de dente era outro suplício. Mesmo existindo algum dentista prático licenciado, primeiro se buscava curar o indivíduo em casa. Era muito estranho ver a pessoa com um pano atravessado na cara como tentativa de resolver o problema. Os mais inovadores tomavam cachaça que, evidentemente, em doses elevadas, anestesiava não só o dente, mas a criatura por inteiro.
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Outro problema a ser tratado era o chamado umbigo rendido, que vem a ser uma saliência na região umbilical. Quando nas crianças recém-nascidas ele se manifestava ou persistia, chegava a hora de chamar uma especialista no assunto, a benzedeira. Como esta era considerada meio bruxa, sua visita teria que se revestir de caráter muito discreto. Ela praticava seu ritual, proferia suas frases mágicas, traçava cruzes, mandava o mal embora.
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E, em geral, ia mesmo.
Uma figura imprescindível nas localidades interioranas era a parteira. Através de suas mãos, milhares de pessoas vieram ao mundo. Nenhuma mulher fazia acompanhamento pré-natal, ficava-se sabendo do bebê na hora do nascimento. Nascer num hospital era quase um luxo.
Para se prevenir contra doenças, fortalecer a imunidade e proteger o organismo, alguns remédios intragáveis eram obrigatórios. Só quem tomou óleo de fígado de bacalhau, bálsamo alemão, óleo de rícino sabe do que estou falando. E não tinha não querer. Ao menos uma vez por ano vinha aquela colher insuportável, às vezes até disfarçada dentro de um torrão de açúcar. A vida era simples, mas não negava felicidade.
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