Até os meus cinco anos ser negra nunca foi um problema, meus dois irmãos eram brancos e, consequentemente, diferentes de mim, mas crescemos rodeados de amor e isso era o suficiente. Ao entrar na pré-escola, descobri que meu tom de pele era realmente um problema. Nunca havia passado por nada do tipo até então, mas o preconceito velado em piadas, brincadeiras, olhares e críticas começou a aparecer.
Minha mãe, sempre de forma descontraída, tentava contornar essas situações, me mostrava o lado positivo da ser negra. Frases como: “A cor da tua pele é linda, as pessoas tomam sol para ficar assim” e “Quem tem cabelo liso faz baby liss para ter cachos, e você já nasceu com eles”, tentavam me mostrar um lado lindo da minha raça que nem eu conseguia ver mais.
Com o passar dos anos, comecei a entender melhor sobre o preconceito e observar como isso se refletia no meu dia a dia. Um dia, logo após a escola, eu e uma amiga fomos até uma papelaria comprar um apontador, entramos na loja e nos separamos para procurar o item. Durante o meu trajeto dentro do estabelecimento eu fui seguida por uma funcionária da loja, que acompanhava todos os meus passos. Minha amiga não teve o mesmo tratamento, porque, pasmem, ela era branca.
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Outro dia, estava fazendo um passeio na Serra Gaúcha e desci ao saguão para tomar o café da manhã com meu namorado. Ao chegar perto da mesa que servia os quitutes, um também hóspede me pediu para repor algumas coisas que tinham acabado no buffet. Ao explicar que não era funcionária, ele me olhou perplexo e pediu desculpas.
Esse fenômeno, aliás, é extremamente comum, porque pessoas negras são pouco ou quase nunca vistas em posições de liderança, e sim em trabalhos serviçais. O que não é um problema, e sim um fato a ser pensado. O que estamos fazendo para mitigar o preconceito? O primeiro passo é perceber o racismo internalizado em você, porque sim, crescemos em uma sociedade racista.
No livro Pequeno manual antirracista, de Djamila Ribeiro, ela cita uma pesquisa realizada pelo Datafolha no Brasil. O estudo mostra que 89% dos entrevistados admitiam existir preconceito de cor no País, em contrapartida, 90% se identificavam como não racistas. Ou seja, a maioria admite haver racismo, mas ninguém se assume como racista.
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É impossível não ser racista tendo sido criado numa sociedade racista. Há quem demonstre o racismo abertamente e manifesta sua hostilidade, mas é preciso notar, sobretudo, que é algo tão presente em nossa sociedade que, muitas vezes, ele passa despercebido. Desferir xingamentos relacionados a cor é um ato racista, mas silenciar ou rir de uma piada racista ao invés de repreender quem a fez é tão problemático quanto, o silêncio é cúmplice da violência.
Por muitos anos, sofri com o processo “daltônico” de seleção que algumas empresas realizam. Mesmo tendo todas as qualificações necessárias para o cargo, nem sequer era chamada para uma entrevista ou conversa. E hoje faço a reflexão sobre os ambientes em que já trabalhei e participo, a proporção de pessoas negras e brancas nos cargos mais altos das empresas é gritante. Em alguns casos há um percentual mínimo, mas a esmagadora maioria nem sequer tem.
Deixo como dica o autoquestionamento, faça perguntas, entenda seu lugar e duvide do que parece ser “natural”. Na era tecnológica e de acesso à informação em que vivemos, é inaceitável dizer que não sabe ou se expressou errado. Busque conhecimento para não reproduzir o discurso raso de uma pessoa desconstruída.
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