Santa-cruzense de nascimento e vera-cruzense de coração, a escritora Marli Silveira viveu a infância, a adolescência e parte da vida adulta em Vera Cruz. E foi lá que descobriu sua paixão por escrever. Aos 16 anos, ela lançou seu primeiro livro de poesias e, desde então, não parou mais. Hoje, já são mais de 30 obras publicadas.
Apesar da estreia precoce, ver seu primeiro livro lançado não foi o momento de maior significado para ela. “Lembro de que quando estava estudando na universidade, numa ocasião em que me encontrava na livraria à procura de alguns livros do filósofo alemão Heidegger, que é um dos meus autores de base, me deparei com uma mocinha que estava sentada em um banquinho, lendo um dos meus livros. Naquele dia, tive a primeira impressão de que, de fato, eu era uma escritora. Foi uma sensação muito boa.”
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No entanto, a obra de Marli vai muito além da poesia. Mestre em Filosofia e doutora em Educação, ela fez pós-doutorado pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e já está em seu segundo pós-doc, em Filosofia, pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS). É também autora de artigos, trabalhos acadêmicos, biografias, obras literárias e coletivas. “Estou sempre estudando e escrevendo. São duas coisas que não consigo parar de fazer e se misturam na minha vida. Sou uma poeta-filósofa e uma filósofa-poeta, uma coisa não compromete a outra”, garante.
Essa “mistura” se confirmou na medida em que ela foi estudando. Desde o início da carreira, como escritora, sua poesia tinha um cunho social. Com a graduação, mestrado e doutorado, ela foi tomando forma mais filosófica. “Eu diria que a minha poesia sempre esteve vinculada à condição humana, ao mundo e à vida. E é aí que a filosofia entra”, explica.
Apesar de ter vivido boa parte de sua vida em Vera Cruz, há dez anos ela retornou, definitivamente, à cidade natal. Em Santa Cruz do Sul, além de se dedicar aos livros, Marli dá aulas de Filosofia e Sociologia para os alunos da Escola Estadual de Ensino Médio Nossa Senhora do Rosário e é professora colaboradora na Unisc. Faz parte da Academia Riograndense de Letras e é a atual presidente da Academia de Letras de Santa Cruz do Sul, para o biênio 2024 a 2026.
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Ainda integra a Casa do Poeta Rio-Grandense e o Instituto Cultural Português.Vale destacar que ela foi secretária e coordenadora de Cultura de Vera Cruz (2005 a 2008 e 2014 a 2015) e coordenadora de Cultura da Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura de Santa Cruz do Sul (2009 a 2012).
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Desde 2012, passou a dedicar-se aos direitos humanos. Marli foi coordenadora, realizadora e editora da Revista À Flor da Pele, escrita pelas detentas do Presídio Regional de Santa Cruz. Sua dedicação lhe rendeu prêmios por iniciativas que têm como foco o desenvolvimento cultural, a democratização do acesso e a promoção da diversidade cultural e literária, como o Prêmio Vivaleitura 2016 (MinC, MEC e OEI). Em 2021, teve sua trajetória artístico-cultural reconhecida pelo Prêmio Trajetórias Culturais Mestra Sirley Amaro, no segmento Diversidade Linguística, Livros, Leitura e Literatura.
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Vida Pessoal
- Por escolha, Marli vive sozinha. Em casa, o que mais gosta de fazer, quando não está lendo ou escrevendo, é cultivar plantas. Inclusive, ela alega que se pudesse implantar uma disciplina nas escolas, seria “cultivar”.
- “É preciso aprender a cultivar. Quem cultiva uma horta pode cultivar um relacionamento, uma ideia. Hoje, nós temos um problema que é com o tempo. Tudo é muito rápido, muito efêmero, passageiro. Não nos dedicamos às coisas. Não nos demoramos sob as coisas.”
- Para Marli, cultivar é um gesto de lentidão. “Acho que a poesia é um gesto de lentidão. A filosofia é um gesto de lentidão. É você parar um pouco, tentar segurar o tempo. E, claro, para viver isso escolhi a vida solitária, vamos dizer assim”, conclui a escritora.
O encarceramento humano
Justamente por ter em suas obras um cunho mais social, vinculado à condição humana, Marli se dedicou ao projeto e à revista À Flor da Pele, desenvolvido com as detentas do Presídio Regional de Santa Cruz do Sul, entre os anos de 2012 e 2016.
Em 2022, com a inauguração do Presídio Estadual Feminino de Rio Pardo, o de Santa Cruz do Sul deixou de ter uma ala feminina. Por conta disso, o projeto foi retomado no ano passado, sob o nome de Literatura Flor da Pele. A cada 15 dias, Marli vai ao presídio para realizar diversas atividades com as detentas, principalmente ações literárias.
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Dentro desse projeto está sendo organizada uma exposição de artes visuais, a Ímpares, que vai acontecer em abril, na Casa das Artes Regina Simonis, e contará com obras de 16 artistas da região e de algumas detentas. “Vamos ter quadros, esculturas, pinturas em tela e gravuras. O tema será a reclusão humana, de modo especial a feminina. E cada artista está motivado por alguma coisa, alguma temática, algum olhar sobre isso. Então, alguns vão lidar com a coisa mais nua e crua, da própria reclusão humana, da questão do que é estar preso. Mas, possivelmente, alguns vão lidar também com temas vinculados à esperança”, destaca.
Também em abril, Marli vai lançar o livro Corpos Ardidos, que trata filosoficamente e sociologicamente o tema da reclusão, apresentando, inclusive, textos das mulheres reclusas.
Apesar do hiato de oito anos no projeto, a escritora não deixou de trabalhar em outras iniciativas e se aprofundar nas questões da privação humana. Tanto que, em 2023, Marli lançou o Cartas de Liberdades, um livro feito a partir das cartas que trocou, durante um ano, com um detento de São Borja. “Foram muitas cartas sobre diversos temas. As mais interessantes foram selecionadas para o livro, que recebeu esse nome justamente pelo meu pensar de que é possível imaginar uma ideia de liberdade na prisão”, acrescenta.
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Ainda dentro da temática, Marli publicou o Entre Peles e Poesias e o Liberdade Rasurada, em que também traz textos de mulheres.
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