Na tarde seguinte ao Dia Internacional da Mulher, na semana passada, a escritora santa-cruzense Marli Silveira foi eleita para a Academia Rio-grandense de Letras (ARL), centenária entidade que congrega autores gaúchos. Tornou-se, assim, a primeira mulher da região a ingressar na agremiação, que tem homens em ampla maioria como ocupantes de suas 40 cadeiras. Ela agora assume a de número 13, cujo patrono é Carlos Alberto Miller (1855-1924), poeta e jornalista nascido em Rio Grande.
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Marli também colabora para ampliar o número de representantes do Vale do Rio Pardo na ARL, sendo a quarta, ao lado do médico e escritor santa-cruzense Nilson Luiz May, radicado em Porto Alegre; do jornalista e escritor Airton Ortiz, natural de Rio Pardo e radicado em Porto Alegre, atual presidente da academia; e do ambientalista, geólogo e escritor José Alberto Wenzel, natural de Cerro Largo e radicado em Santa Cruz do Sul, tendo inclusive sido prefeito local, e é colunista da Gazeta do Sul. Wenzel e Marli ainda integram a Academia de Letras de Santa Cruz do Sul, da qual são membros fundadores.
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Com quase três dezenas de títulos em seu currículo, Marli tem formação em Letras e Filosofia, transitando também pela Psicanálise e pela Pedagogia. Ingressou na literatura publicando poesia, e posteriormente avançou para o ensaio, além de obras que decorrem de projetos acadêmicos e de extensão. Em Santa Cruz do Sul, foi coordenadora de Cultura junto à Prefeitura, mesma função que desempenhou em Vera Cruz, onde também foi secretária da pasta.
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À Gazeta do Sul, Marli comentou que integrar a Academia Rio-Grandense de Letras representa uma espécie de confirmação de uma trajetória literária e intelectual, “que não se encerra, é claro, mas repercute uma obra”. E completa: “Se de um lado se apresenta como um reconhecimento, de outro é uma responsabilidade, pois também se espera de uma acadêmica, de um acadêmico, que contribuam por meio da sua literatura e de sua produção intelectual/cultural com o desenvolvimento e a promoção do conhecimento e da arte”. Confira a entrevista por ela concedida ao Magazine.
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Magazine – És a primeira mulher do Vale do Rio Pardo a integrar a ARL. Tens a preocupação de também falar em nome das demais mulheres?
Realmente uma pergunta muito relevante, mas para a qual ainda não tenho uma resposta satisfatória. Explico. Não me considero uma autora feminista, aqui sem apresentar um desdobramento mais importante, mas uma poeta que reconhece (e é afetada ) as implicações dos lastros patriarcais que repercutem estruturalmente na nossa sociedade. Diria, mas sem a pretensão de encerrar a discussão, que realmente sou a primeira mulher da região a ingressar na ARL, esperando que seja um fato importante para todas as escritoras, ensejando possibilidades e sonhos. Tenho escrito muito, por obra da filosofia que me atravessa, que a vida pode corresponder a uma história que contamos sobre nós mesmos. Talvez eu tenha escolhido, mas aqui sem dar por encerrada a questão, me contar pela ambiência afetiva repercutida, em primeiro plano, pela humanidade…
Como vês o papel e a importância, nos dias de hoje, da literatura junto à sociedade? De que forma fazer os livros estarem mais presentes, e o que eles podem fazer por um cidadão e pela coletividade?
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Tem uma frase do Montaigne, nos seus Ensaios, que é “Filosofar é aprender a morrer”. Spinoza também vai nos dizer que o “sábio morre menos que o tolo”. Na chave da interpretação que utilizo, penso que ambos estão dizendo que quanto mais nós aprendemos a lidar com o modo de ser que é o nosso, reconhecendo nossas precariedades e limites, mais compreendemos os sentidos que alargam a nossa existência, conquistando uma espécie de “imortalidade” repercutida na e da tensão do lembrar/esquecer. E acredito que a literatura tem um papel importante nas implicações que podem traduzir a existência por caminhos menos desavisados, repactuando a vida em particular aos sentidos que se apresentam na horizontal. A filósofa Martha Nussbaum, por exemplo, não apenas reconhece o papel das humanidades na formação humana, como o quanto a literatura, em particular, pode contribuir para nos colocarmos na proximidade do outro, tornando mais porosa nossa disposição existencial.
Confesso que, mesmo acreditando na literatura, promovendo ou ajudando a promover ações e atividades de leitura e ampliação do acesso ao livro e ao saber/arte, outras ações precisam acontecer concomitantemente, pois um país tão desigual como o nosso acaba fruindo de forma também desigual dos bens culturais. Se de um lado nos posicionamos em uma espécie de verve “iluminista” quanto ao saber/conhecer, de outro precisamos reconhecer os limites do nosso papel e da própria arte. Como escolhi o mirante das implicações psicagógicas da experiência estética, pauto minha vida de poeta, escritora e professora pelo livro, pela leitura e pelos desdobramentos das “demoras existenciais”, ou seja, pelo reiterado exercício de si. Demorar-se e colocar-se em jogo enquanto experiências formativas humanas.
Que mensagem e que demandas pensas em defender ou em levar para os debates e as discussões no ambiente da ARL? Quais serão os temas de interesse da Marli na academia?
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A Academia tem o seu estatuto e as suas particularidades, além dos ritos próprios da sua rotina e atividades. Saberemos contribuir com as demandas e discussões que se apresentarem, bem como afirmaremos nossa atuação pautada pelo interesse desse coletivo reunido em torno e/ou representativo da literatura do Rio Grande do Sul. Temos uma história, trajetória e obra que se afirmam também pela sensibilidade ao leitor e à comunidade rio-grandense.
Gostaria de finalizar destacando o quanto reconheço o papel e a importância dos leitores na vida de um escritor/escritora, das companhias que nos ajudam a desnudar as tantas geografias nas quais e pelas quais construímos nossa maneira de repercutir o mundo. Reconhecer cada gesto que tornou menos difícil seguir. Que o meu ingresso na Academia Rio-Grandense de Letras seja um convite aos que acreditam na literatura e na capacidade que ela tem de se oferecer como possibilidade.
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