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Maria e Deise: a força e a superação de mães atípicas

Tornar-se mãe é, para muitas mulheres, o momento mais emblemático da vida. A amamentação, o caminhar, o educar e o criar um outro ser humano são alguns dos maiores desafios que alguém pode vivenciar.

Tudo, porém, é mais intenso no caso da maternidade atípica. Muito mais complexa do que parece, a atipicidade do maternar vai além do cuidar de uma criança, adolescente ou adulto portador de alguma deficiência ou que se enquadra dentro de algum espectro. Não raro, é a mãe que se torna o esteio da família, fazendo com que muitas mulheres não tenham tempo para se dedicar a si mesmas. E esse tempo é fundamental para conseguirem equilíbrio e darem o suporte necessário aos filhos.

Por isso, grupos de apoio ou que realizam atividades de integração entre mães atípicas são tão importantes e necessários. A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Santa Cruz do Sul, por exemplo, possui diversas ações e profissionais à disposição para o trabalho junto a essas mulheres.

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Maria: uma luta por muitas mães

É com a vivência de ser mãe atípica há três décadas que Maria Celoi Rodrigues dos Santos, de 50 anos, busca compartilhar sua experiência com outras mulheres. No parto complicado de 8 janeiro de 1992, Francieli Rodrigues dos Santos, de 30 anos, chegou ao mundo. O cordão umbilical enrolado no pescoço pode ter sido a causa da lesão cerebral, que os pais Maria Celoi e Edson Luis dos Santos só descobriram quando a menina tinha 9 meses de idade.

Com o diagnóstico, veio também a notícia de uma nova rotina para a família. Entre outras coisas, Francieli teria que passar a fazer fisioterapia e frequentar a Apae. Foi um choque, já que, naquela época, até mesmo o trabalho realizado na Apae era estigmatizado e sofria com mais preconceitos. “Meu mundo se abriu. Eu não sabia onde eu ia parar, porque aquilo era uma coisa que nunca tinha visto. Trinta anos atrás, não era comum”, relembra.

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Dali em diante, foi uma vida voltada para Francieli, segundo Maria. A mãe da menina passou a conviver com uma série de questionamentos por parte de familiares e amigos, que geravam certa culpa. “O que aconteceu? Quem era o culpado? A família parece que te culpa dizendo que tu tens um defeito.” Todas as perguntas impactaram o casal, que já tinha uma filha de 4 anos na época. “Foi tudo Francieli, quase esqueci que tinha a outra”, recorda.

Mais tarde, veio outra filha, que hoje tem 19 anos. Apesar de tudo, Maria tem certeza de que, se a família é unida como é hoje, é por causa de Francieli. “Em muitos casos, famílias se desprendem, e a nossa se uniu mais.” A relação do casal, porém, passou por dificuldades. “Eu tinha que viver aquele papel. Foi muito mais difícil para o pai, ele demorou a aceitar. Ele via um aluno mais velho dentro da Apae e chorava ao ver aquela realidade, já pensando no futuro dela ali dentro.” O casal sobreviveu às adversidades e completou 35 anos de casados. Segundo Maria, o apoio psicológico da Apae foi fundamental.

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Foi com toda a experiência que adquiriu que Maria teve a iniciativa de reativar o grupo de mães da Apae. “Minha luta é para elas enxergarem que temos que cuidar de nós mesmas. Se não estivermos bem, como vamos cuidar dos nossos filhos? E o objetivo é também orientar as mães novas. É extremamente importante elas saberem os direitos que têm.” Junto com a filha Francieli, ela também participa de um grupo de dança. “É a ideia de mostrar que a ligação mãe e filho existe. Fazemos até apresentações em outras cidades.”

Com Francieli, Maria Celoi vivencia a maternidade atípica há 30 anos

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Também foi por meio de uma luta de Maria e de outras duas mães atípicas que Santa Cruz e depois Vera Cruz passaram a ter uma lei que beneficia essas mulheres. “Desde que ela nasceu, eu luto por coisas que possam favorecer a nossa categoria. Sou funcionária pública e trabalhava oito horas. Eu consegui um meio de estar junto com ela, porque ela tem muitas atividades e não dá para acompanhar tudo. Eu e mais duas mães funcionárias tentamos inserir a lei do Estado para o município. Foi uma grande luta e desde lá temos o direito de trabalhar metade da carga horária para acompanhar os filhos, sem perdas”, explica.

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Desde 1992, foram muitas as dificuldades vividas e, além de lutar por outras mulheres que são mães atípicas, Maria Celoi procura sempre ver o lado bom de tudo e tornar isso um combustível para suas batalhas. “Sempre vejo alguma coisa que eu possa transformar para favorecer”, finaliza.

Deise: resiliência após o diagnóstico

A força da trabalhadora autônoma Deise Berté, de 36 anos, fica evidente ao ouvi-la falar sobre os filhos Vicente, de 8 anos, e Davi, de 14. A motivação dela vem do amor que sente pelos meninos. Mãe solo e atípica, Deise viu sua vida mudar na primeira experiência de maternidade. Davi, que tem paralisia cerebral e autismo, além de ser cadeirante, transformou a visão de Deise para com o mundo.

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Além disso, descobriu uma resiliência e um potencial incentivador que nem ela sabia que tinha. É devido à insistência e à motivação dela que Davi se alimenta pela boca e consegue segurar objetos. “Sempre exigi bastante dele. Primeiro queriam colocar sonda para ele se alimentar, e eu pensei: não, eu vou ensiná-lo. Eu trabalhava fora e, todos os dias, quando chegava do trabalho, eu cortava uma maçã, colocava num cantinho da boca, ficava segurando e dizia que daquele jeito se mastiga. Fiz isso todos os dias até que ele aprendeu a mastigar.”

Depois, ensinou o menino a pegar coisas. “Comprei alguns brinquedinhos que fossem fáceis de ele pegar. Eu colocava na mãozinha e ia dizendo: assim fecha e segura e assim deixa cair. E isso todos os dias, até ele aprender”, lembra. Assim como Maria Celoi, Deise também passou pelo questionamento das pessoas. No caso dela, era sobre o peso de Davi, que sempre foi magro. “Ele se alimenta muito bem, come coisas saudáveis, toma muita água. Nunca teve pneumonia, afogou ou se engasgou.”

Com todo o trabalho que ser uma mãe atípica exige, Deise comenta que agora, que é divorciada, consegue ter mais tempo para cuidar de mesma. “Nos fins de semana em que eles estão no pai deles, eu consigo fazer as minhas coisas. E, uma vez por semana, ele os pega para jantar, e esse também é um tempo que tenho para mim”, relata. “Depois que eu fiquei sozinha, eu consigo me cuidar e me fazer muito mais feliz”, acrescenta.

Parceria e amor incondicional: Deise e os filhos Davi e Vicente

Davi também frequenta a Apae de Santa Cruz e, conforme Deise, a entidade deu um suporte fundamental no desenvolvimento do menino. “Eles nos acolheram demais, e lá tem tudo o que precisa. Se falar na Apae, ele já está querendo ir, ele ama.” Ensinar Davi a se alimentar e a segurar objetos foram apenas alguns dos desafios para Deise. Agora, ela pretende ir ainda mais longe, literalmente. Além de ter um canal no YouTube chamado Realidade Especial – DDV” para tirar dúvidas de outros pais, ela quer também comprar uma bicicleta adaptada para que ela possa carregar Davi. O intuito é que Deise, Davi e Vicente possam fazer viagens e conhecer cada vez mais lugares. “Para onde formos, vamos levar as bicicletas. Queremos participar de coisas para incluí-lo. Eu quero que ele veja o mundo com outros olhos, porque ele ama a natureza, ama passear”, afirma.

Apae: escuta e acolhimento

Raquel Goldenberg, assistente social, e Janaína Nascimento Coser, psicóloga, ambas da Apae de Santa Cruz, explicam que o termo “maternidade atípica” diz respeito às mães cujos filhos têm um desenvolvimento que foge do esperado, do típico e do padrão considerado normal.

Elas salientam que, quando as mães chegam à instituição, os sentimentos de negação e culpa são frequentes e elas apresentam muitas dúvidas com relação ao tratamento e à forma de agir com os filhos. “Essas inseguranças acabam gerando ansiedade nas mães, sentimento de que seus filhos serão excluídos da sociedade, principalmente na idade escolar, medo da sociedade ter um olhar de preconceito, receio de não dar conta das demandas. Manifestam o desejo de que seus filhos possam ter qualidade de vida e que possam ser vistos como pessoas com potencial de adquirir autonomia de vida e participar da vida social.”

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O grupo de mães é um projeto de acompanhamento de mães de usuários da Apae, que ocupa uma sala dentro do espaço físico da instituição, mas tem caráter autônomo. Enquanto os filhos são atendidos, as mães se encontram e as atividades incluem artesanato, roda de conversa, yoga e palestras informativas. “O objetivo é promover um espaço de acolhimento, escuta, troca de experiências e socialização, bem como oferecer atividades de bem-estar físico e mental, vislumbrando a prevenção e redução de isolamento social, a fim de diminuir a sobrecarga dos cuidadores”, detalham.

O grupo também trabalha questões relacionadas ao fortalecimento de vínculos familiares, promovendo a participação social e busca de direitos, possibilitando novos aprendizados, prazeres e até a geração de renda com trabalhos manuais.

Conforme Raquel, durante o acompanhamento das mães, o assistente social deve atuar de forma a identificar e propor alternativas de enfrentamento aos fatores políticos, econômicos e culturais, que interferem na garantia de direitos da pessoa com deficiência e na inclusão social. “As orientações e suporte se tornam um importante instrumento. Na maioria das vezes, estas mães vivem em situação de sobrecarga e falta de rede de apoio, entre outras tantas dificuldades cotidianas, necessitando também de acolhimento e momentos de autocuidado”, diz a assistente social.

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