Cultura e Lazer

Mar Love, um justiceiro

A dez mil metros de altura, um indivíduo encontra-se em voo com destino a Foz do Iguaçu, no Paraná. A razão da viagem, definitivamente, não é turismo, ainda que se trate da cidade das Cataratas. “Meu propósito era matar um corrupto vendedor de armas”, anuncia, de pronto, já entre a primeira e a segunda linhas do livro 3 minutos para matar, instigante romance policial de autoria do escritor porto-alegrense José Carlos Rolhano Laitano.

O personagem cumpre à risca a demanda a que se propõe. O problema é que essa “missão” revela-se bem mais delicada, complicada, longa e extenuante do que ele poderia antever. Se o propósito inicial e imediato era fazer justiça com as próprias mãos para aplacar o vazio deixado pela morte de seu irmão, assassinado durante um assalto a banco, as investigações e as descobertas seguintes expõem uma teia de malfeitos e de corrupção que o enreda em um cenário cada vez mais complexo. E parece um caminho sem volta.

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É com enredo que capta a atenção do leitor de uma maneira única que Laitano constrói uma narrativa rara em realidade gaúcha. A literatura policial, ou de suspense, ou de investigação, é um dos ramos mais prolíficos e de maior vendagem em termos globais. Autores como Agatha Christie, Arthur Conan Doyle, Raymond Chandler, Dashiell Hammett, Patricia Highsmith, Henning Mankell e uma infinidade de outros expoentes alcançaram amplo sucesso e enormes vendagens ao longo do tempo. Mesmo no Brasil, o gênero se destaca, a começar pelos romances de Luiz Alfredo Garcia-Roza.

O Rio Grande do Sul, por sinal, tem literatura singular, que o diferencia em relação aos demais estados brasileiros. Só não possui exatamente uma relação mais intensiva com o gênero policial (à exceção, talvez, de Tailor Diniz, que se movimenta com desenvoltura nesse gênero, e de um ou outro nome, como novelas de José Clemente Pozenato). Justamente por isso, a obra de Laitano é um alento. Porque criou um enredo policial de feitio clássico, e que evidencia segurança e amplitude dignas de gerar entusiasmo.
Além de sua produção, Laitano ministra oficina de escrita criativa, organiza antologias e integra a Academia Rio-grandense de Letras (ARL), ocupando a cadeira no 27 (presidiu a entidade na gestão 2018/19).

Crimes com muitas ramificações

O romance 3 minutos para morrer, de Laitano, é, além de tudo, uma homenagem declarada à literatura policial ou de suspense, em sentido amplo. Ocorre que o personagem central, o “justiceiro”, assume o codinome Mar Love, numa clara alusão a Philip Marlowe, detetive eternizado pelo romancista norte-americano Raymond Chandler (1888-1959). É assinando “Mar Love” que o pistoleiro criado por Laitano envia mensagens à polícia, em Porto Alegre, desafiando-a num jogo de gato e rato, no qual comunica que vai fazer (ou já fez) justiça por conta própria, eliminando malfeitores.

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Quem recebe tais recados é o delegado Felipe Ferruccio, da Polícia Federal (que é também um crítico literário). Este logo acaba por envolver a colega Katarina nas investigações, para, afinal, entender como age o suposto assassino, por que age (e, na prática, se de fato existe). Porém, o tipo de argumentação que Mar Love sugere adotar assemelha-se à do próprio Ferruccio, e a dúvida (se um não é, no final das contas, o outro), alimentada por Katarina, constitui um dos atraentes mistérios desse romance para o leitor.

De sua parte, Mar Love avança cada vez mais no submundo do crime, em busca da próxima vítima, ou do próximo possível culpado pela morte de seu irmão. De Foz a ação se desloca para Florianópolis, depois chega a Sant’Ana do Livramento e Rivera, contempla o interior do Uruguai e se depara com políticos de alto escalão, entre eles um senador. A “missão” de Mar Love revela-se cada vez mais complexa e implica em investigações na Patagônia e no Chile. Em pouco tempo, envolverá diplomacia, numa trama internacional (surge em cena uma loira misteriosa), até descortinar a existência de uma célula neonazista/fascista na América do Sul.

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A esse tempo, com a descoberta da atuação de uma rede que conecta a América do Sul com outras regiões do mundo, Mar Love (com Ferruccio e Katarina no seu encalço) precisa iniciar uma nova frente de investigação na Itália. Para descobrir que uma ameaça muito maior do que tudo que suspeitara até então paira sobre a democracia e sobre a segurança das populações.

Ferruccio considerou Katarina à sua frente e leu a mensagem:
– Quem é Medonho? ela indagou.
– Um sujeito de Foz que foi morto por Mar Love em Florianópolis.
– E o que você tem com isso?
– Mar Love pensou que, anunciando para mim, pode trazer a jurisdição para cá, para que eu investigue… no caso, você.
– E ele anuncia outra morte?
– Pelo visto, está se tornando serial killer matando gente ligada à corrupção. Ele é contra a impunidade.
– O discurso é igualzinho ao seu.
– É… pode ser. Estou reenviando para você essa nota. (…)
Ela pensou algum tempo:
– O serial killer é um coitado, tudo o que pode fazer para ser notado é matar pessoas repetindo o modus operandi.
– Ou desafiar a polícia a encontrá-lo, tornando-se alvo da mídia (…). Como se vê nos filmes.
Katarina concordou:
– Ele é um escritor.
– Ou deseja sê-lo. Estaria cometendo crimes como pesquisa para escrever seus textos.
– E você fará a crítica literária?

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Ricardo Gais

Natural de Quarta Linha Nova Baixa, interior de Santa Cruz do Sul, Ricardo Luís Gais tem 26 anos. Antes de trabalhar na cidade, ajudou na colheita do tabaco da família. Seu primeiro emprego foi como recepcionista no Soder Hotel (2016-2019). Depois atuou como repositor de supermercado no Super Alegria (2019-2020). Entrou no ramo da comunicação em 2020. Em 2021, recebeu o prêmio Adjori/RS de Jornalismo - Menção Honrosa terceiro lugar - na categoria reportagem. Desde março de 2023, atua como jornalista multimídia na Gazeta Grupo de Comunicações, em Santa Cruz. Ricardo concluiu o Ensino Médio na Escola Estadual Ernesto Alves de Oliveira (2016) e ingressou no curso de Jornalismo em 2017/02 na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Em 2022, migrou para o curso de Jornalismo EAD, no Centro Universitário Internacional (Uninter). A previsão de conclusão do curso é para o primeiro semestre de 2025.

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