É bem provável que lembraremos deste período tão particular que iniciou há um ano e meio como o pior de nossas vidas. Os planos frustrados, as perdas, o isolamento forçado, as saudades, a debacle econômica, o medo da morte, em todos os aspectos vem sendo uma experiência traumática sem precedentes. Alguns historiadores apressaram-se em alertar que o mundo já experimentou passagens muito mais críticas, como a Peste Negra, que teria dizimado 200 milhões de pessoas no século 14, ou quando uma erupção vulcânica cataclísmica mergulhou boa parte do planeta em uma escuridão que durou um longo período no século 6, com consequências dramáticas por anos a fio. Porém, é natural supor, quando finalmente enxergamos uma luz no fim do túnel da pandemia, que dificilmente viveremos uma crise mais aguda.
Ou não?
Na semana passada, ouvi Paciente 63, versão brasileira de um podcast de ficção científica original do Chile. A história se passa em 2022, quando a Covid-19 já ficou para trás e uma psiquiatra se depara com o caso de um homem que alega ter vindo do futuro. Ele garante ter viajado 40 anos no tempo com a missão de evitar uma nova pandemia, muito mais mortal do que a de 2020, decorrente de uma variante evoluída que varreria boa parte da humanidade. Para isso, precisa impedir que uma pessoa pegue um avião e se torne o “paciente zero”, a partir de quem o vírus se espalhará pelo mundo.
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O que mais me fascinou na trama foi a perspectiva – óbvia, por sinal – de que o futuro é sempre um mistério. Quem imaginaria, quando março de 2020 começou, que após alguns dias estaríamos empilhando mortos, revendo projetos de vida e sacrificando nossas rotinas? E se sinal algum existia até então, o que nos garante que o caos não nos aguarda novamente logo ali na frente, na forma de uma cepa, um cataclisma ou qualquer outro fenômeno que, ao menos para nós, que jamais provamos de uma guerra no nosso quintal ou vivemos sob um regime totalitário, parecem algo um tanto remoto, um delírio distópico ou uma fantasia cinematográfica?
A experiência da Covid, no entanto, borrou as fronteiras entre passado e futuro, ficção e realidade. Os limites da ciência e da tecnologia foram postos à prova e a ilusão de que temos controle sobre nossas existências desmoronou. Os grandes desastres contados nos livros de História e encenados nos filmes deixaram de ser uma abstração e nos percebemos tão sujeitos a eles quanto estavam nossos ancestrais.
É possível que este seja o nosso “novo normal”: viver permanentemente assombrados pelo passado e inseguros em relação ao futuro, que sempre pode representar um retrocesso. Não soa surreal que, em pleno 2021, exista um país onde as mulheres estejam sendo proibidas de praticar esportes? Ou que, após três décadas, a democracia brasileira esteja novamente balançada e estejamos receando uma ruptura institucional? Não há ficção que supere esses enredos.
Talvez por isso que a ideia de viajar no tempo nos encante. Que maravilhoso seria se pudéssemos voltar para corrigir nossos erros e nos poupar de nossas desgraças. Mas isso ainda é demais para a minha cabeça. Já bastam os talibãs e os cartazes pedindo intervenção militar.
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