Hoje, quem tem por volta de 35 ou até 40 anos de idade, provavelmente não tem noção de como era viver num país com inflação de 1.000% ou até 2.400% ao ano. Num mês, em março de 1990, a variação da inflação chegou a 82,3%, o que significa que os preços quase dobraram de valor em apenas 30 dias. Era comum ver funcionários de estabelecimentos comerciais, principalmente nos supermercados, acionando freneticamente as maquininhas de remarcação de preços; os financiamentos eram escassos e muito seletivos; as pessoas e empresas tinham dificuldades em planejar o presente, quem dirá o futuro. Vivia-se de acordo com a filosofia dos AA: um dia de cada vez.
Em contrapartida, as rendas e, principalmente, os salários eram reajustados também, mas sempre havia alguma perda, que era negociada nos famosos dissídios coletivos. Vários governos tentaram derrubar a inflação, através de planos e pacotes, geralmente impostos de forma autoritária, estabelecendo congelamentos de salários e preços, além de, em alguns casos, mudarem a moeda. Isso, porém, não resolvia o problema.
Com o Plano Real, lançado em 1º de julho de 1994, o Brasil, finalmente, começou a vencer inflação. De 916,5%, naquele ano, em 1995, caiu para 22,4% ao ano. A partir do Plano Real e da estabilização da economia, a vida financeira dos brasileiros começou a mudar:
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- Fim das compras para manter estoques em casa;
- Possibilidade de planejar o futuro;
- Redução da pobreza: a inflação alta castiga mais aos pobres;
- Intolerância a “pacotes-surpresa”: as medidas do Plano Real foram anunciadas com bastante antecedência, evitando choques e distorções;
- Crescimento do crédito: milhões de brasileiros puderam comprar, pela primeira vez, TV, geladeira, carro ou casa;
- Facilitação dos investimentos.
Mesmo tendo tido sucesso com o que se propunha – vencer a inflação -, o Plano Real precisaria de ajustes e cuidados em sua condução, aspectos que não foram observados. Tanto assim que, em 2014, percebendo os estragos que, principalmente os governos Lula II e Dilma estavam promovendo, os “pais do Real” defendiam reformas urgentes para garantir o legado. No mandato-tampão de Michel Temer, ocasionado pelo impeachment da ex-presidenta Dilma, pelo menos foi recuperada a lei de Responsabilidade Fiscal.
Ao longo dos últimos anos, já ocorreram várias ameaças de volta da inflação, principalmente no aumento dos alimentos, como aconteceu em 2008, mas que foram superadas. A inflação atual parece que tem várias causas, uma delas certamente a pandemia do coronavírus que, com a redução de atividades industriais, gerou escassez global de produtos, elevando preços em todo o mundo e ameaçando nosso bolso.
No Brasil, os preços dos alimentos, do botijão de gás, da luz, da gasolina, da habitação, etc., tudo junto e misturado, estão pesando no bolso do consumidor. Essa alta no preço de itens essenciais é provocada por uma combinação de fatores, sendo os principais a desvalorização cambial (a perda de valor do real), a alta global do preço de commodities (arroz, soja e milho) e a crise hídrica (falta de chuvas). Junta-se a isso a interminável crise política entre poderes, promovida, principalmente, por quem deveria liderar e promover a conciliação – o Presidente da República – temos um ambiente propício para a tempestade perfeita.
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A alta de preços é sentida de forma diferente pelas famílias, dependendo da proporção do orçamento que cada uma delas gasta em itens reajustados. Contudo, são as famílias com menores rendas que mais sofrem com essas altas. Muitas vezes, precisam optar em pagar a conta da luz ou comprar alimentos. Independente de ser mais ou menos atingido pela alta de preços, a recomendação é observar algumas dicas:
- Pesquisar e comparar preços;
- Fazer substituições de itens mais caros por mais baratos;
- Rever as finanças, cortar custos e negociar.
Só que tem quem ganha com a inflação: os governos. A arrecadação recorde do governo federal e dos governos estaduais tem sido comemorada como se um forte sinal de retomada econômica. O reajuste do preço do combustível, na refinaria, aumenta também a base de cálculo do ICMS nos Estados, o que faz crescer a arrecadação estadual. O mesmo percentual de 30%, cobrado, por exemplo, no Rio Grande do Sul, sobre um valor de referência maior, aumenta a arrecadação. É mentira, portanto, culpar os governadores pela alta da gasolina.
Embora o ministro da economia, Paulo Guedes – alguém ainda acredita no Posto Ipiranga do Bolsonaro? -, diga que a economia “voltou em V” e que o Brasil está “crescendo novamente”, o que, infelizmente, a divulgação do PIB de (-) 0,1% em relação ao trimestre anterior desmente, o atual momento preocupa e já é motivo de dificuldades financeiras para muita gente. Com o combo de estagnação econômica, desemprego e inflação parece que o brasileiro não terá refresco a curto prazo. Alguns falam que isso só poderá ocorrer em 2023.
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Por isso, no dia 7 de setembro, as manifestações deveriam ser pela liberdade financeira de todos os brasileiros, exigindo mais empregos, melhores condições de empreender, preços de itens essenciais condizentes com a renda das pessoas, habitação e saneamento básico, e não apenas de radicais de extrema direita, vestidos de verde e amarelo e adonados da Bandeira do Brasil, a favor de um governo que, por ação ou omissão, é responsável pela atual situação difícil do país. Como escreveu Louis Frankenberg, autor de livros e pioneiro em consultoria de finanças pessoais, “no Brasil não confiem cegamente em qualquer governo, pois os interesses de quem está politicamente ocupando posição de relevância sempre o será apenas aos interesses de si mesmo ou da ideologia à qual está servindo naquele instante”.
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