No ano 59 d.C., Saulo (Paulo) de Tarso fez sua primeira viagem a Roma, partindo de Cesareia, no atual estado de Israel. Ele havia sido preso em Jerusalém e, por ser cidadão do Império Romano, apelara ao César para ser julgado na capital imperial. Após passar por Creta, última escala da viagem, a embarcação naufragou e Paulo se refugiou por 3 meses em uma caverna na costa da ilha de Malta. O local é hoje conhecido como Gruta de São Paulo, destino de peregrinos devotos do santo que era perseguidor de cristãos até o ano 36 d.C., quando se converteu ao Cristianismo e se tornou o maior influenciador filosófico e espiritual da bacia do Mediterrâneo.
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Fazendo a rota marítima inversa de Paulo – por sinal, o mesmo caminho percorrido pelos primeiros habitantes de Malta, há 5 mil anos –, atravessei os 80 quilômetros que separam a lendária Siracusa, na Sicília, de Valletta, capital do pequeno país cercado pelo Mar Mediterrâneo. Na aproximação do porto, a vista das muralhas da cidade e suas construções em pedra arenítica me deram a impressão de que, além das milhas náuticas percorridas, havia feito uma jornada no tempo e na história. A arquitetura e o relevo da ilha explicam a escolha de inúmeros cineastas de ali filmar cenas de filmes épicos e com paisagens bíblicas.
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A República de Malta é um arquipélago de 316 quilômetros quadrados, entre a Itália e o norte da África. O país é densamente povoado, com cerca de 500 mil habitantes. A língua oficial é o maltês, uma variação do árabe siciliano. Os idiomas mais falados, contudo, são o inglês e o italiano, que até 1934 era o vernáculo principal. Disputada historicamente pela localização estratégica, a nação carrega marcas das sucessivas ocupações de fenícios, romanos, gregos, árabes, franceses e, finalmente, dos britânicos. Estes dominavam a ilha desde 1814, quando finalmente concederam a independência à nação em 1964. A Rainha Elizabeth II ainda permaneceu como chefe de estado por mais 10 anos, até a formação da atual república. Malta integra a Comunidade Europeia desde 2004.
A capital, Valletta, é uma cidade muito agradável, repleta de construções históricas erigidas com as pedras claras do local, simpáticos bairros, ruas estreitas e um povo muito hospitaleiro. A maior atração é a Co-Catedral de São João Batista, sede episcopal que é dividida com outra igreja na cidade de Mdina. Construída pela Ordem de São João no século 16, o templo possui uma magnífica decoração interna, com paredes detalhadamente esculpidas e pinturas que retratam cenas da vida do Batista. Em um dos oratórios, duas pinturas de Caravaggio (Michelangelo Merisi, 1571-1610) se destacam, com uma delas, “A Decapitação de São João”, considerada obra-prima do pintor lombardo, um mestre da técnica chiaroscuro (uso de luz e sombra).
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O piso da igreja é completamente coberto pelas tumbas de mármore de cerca de 400 cavaleiros e oficiais da ordem católica. A cripta contém túmulos de grandes mestres da instituição fundada em Jerusalém – oficialmente, Ordem de São João do Hospital de Jerusalém – há quase um milênio, identificada até hoje pela dedicação e pelo cuidado dos enfermos e dos mais necessitados. A Cruz de Malta é o principal símbolo da ordem. Curiosamente, o clube carioca Vasco da Gama, ligado à navegação portuguesa e que por isso deveria usar a Cruz da Ordem de Cristo em seu distintivo, tem na camiseta a Cruz Párea e, para completar a confusão, ainda a chama erradamente de Cruz de Malta até no hino.
Malta é um dos inúmeros exemplos de países fortemente influenciados pela geografia e por acontecimentos religiosos, o que pode ser benção ou maldição para uma nação. São Paulo, salvo pela providencial localização da ilha e pela hospitalidade de seus habitantes, foi decapitado poucos anos depois pelos romanos, mas não sem antes se tornar fator imprescindível na formação teológica do cristianismo a partir da cidade eterna. Talvez por isso a pequena Malta siga fortemente influenciada pela tradição cristã.
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