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‘Mais liberdade e menos preconceito. Não existe cura gay’, diz psicóloga

Fernando* tinha 15 anos quando começou a sentir atração por meninos. Naquela época, no fim dos anos 80, a homossexualidade ainda era considerada uma doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Com medo de retaliações, buscou a ajuda de uma psicóloga para reverter sua condição. Felizmente, a profissional, com zelo e ética, ao contrário do que Fernando esperava, ajudou-o a compreender que gênero e sexualidade são conceitos distintos.

Começou a derrubar os tabus impostos pela sociedade, mais particularmente pela religião seguida pelos pais. Hoje se considera uma pessoa feliz. Tem uma união estável com outro homem e, depois de anos de espera, adotou um menino. “Até quando vão pensar que nossas escolhas são erradas?”, questiona. “Estamos retrocedendo em muitos aspectos e as Igrejas em geral, além de profissionais sem qualificação para tratamentos de aceitação, nos forçam a vivermos nas sombras”.

As pseudoterapias de reversão sexual, popularmente chamadas de cura gay, voltaram ao centro do debate no Brasil após o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14ª Vara do Distrito Federal, conceder uma liminar que abre uma brecha para que psicólogos ofereçam este tipo de tratamento. O que está em jogo é a validade da Resolução 01/99 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que é clara ao dizer que a homossexualidade não é uma doença ou um desvio e que, portanto, psicólogos não podem oferecer a cura gay.

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Em sua liminar, o magistrado não anula este documento, mas altera a sua interpretação de modo que profissionais possam realizar atendimentos ou pesquisas, inclusive os relativos à reorientação sexual, “sem qualquer tipo de censura”. Ou seja, “o juiz mantém viva a resolução, mas a transforma numa letra morta”, explica o psicólogo Pedro Paulo Gastalho de Bicalho, secretário do Conselho Federal de Psicologia, que entrou com um recurso para tentar reverter a decisão do juiz.

Conforme a doutora em psicologia e professora da Universidade de Santa Cruz do Sul, Roselaine Berenice Ferreira da Silva, também proprietária da Pronty Assessoria Empresarial, que concedeu entrevista à Rádio Gazeta FM na manhã desta quarta-feira, 27, a decisão é um absurdo porque fere o próprio Código de Ética da Psicologia. “Trabalhamos com afinco para repreender todo o tipo de preconceito. Nossas atividades se baseiam em ciência e não em preceitos que vão de encontro a tudo o que acreditamos”, comenta. “Ensinamos os nossos alunos a sempre priorizarem as escolhas do paciente. Personalidade é diferente de patologia”, explica.


 Roselaine destaca a posição dos psicólogos contrários à Justiça do DF
Foto: Divulgação

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A professora cita que o tratamento psicológico só pode ser efetivo quando há sofrimento, seja ele de qualquer natureza. “Ou seja, nossa busca sempre é melhorar a estima e a vida daqueles que nos procuram e não modificar algo que eles já têm em si, em suas personalidades”, avalia. “Mais liberdade e menos preconceito. Não existe cura gay e nunca vai existir. Nossa classe, pelo menos em termos de Estado, está unida pela causa. O Conselho Federal de Psicologia já se manifestou totalmente contra essa decisão e precisamos esclarecer a todos nossa posição, que sempre será de valorização do ser humano em seus mais diferentes modos de ser e pensar”, resume.

“Os meios de comunicação são nossos aliados nessa divulgação. Precisamos esclarecer conceitos errôneos para que todos possam sempre, e cada vez mais, fazerem uso de nossos conhecimentos, sempre pautados na Ética e no estudo científico”, conclui a psicologa.

A história

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No começo do século 19, o homossexual era tratado ao mesmo tempo como um anormal e um pervertido. “A medicina, desde o fim do século 18, tomou emprestada a concepção clerical da homossexualidade e esta se tornou uma doença, ou melhor, uma enfermidade que um exame clínico podia diagnosticar”, afirma o historiador medievalista Philippe Ariès.

“Em meados de 1850, médicos europeus começaram a pesquisar sobre a homossexualidade, o que aos poucos deu ensejo a uma nova percepção de que a condição era relativamente endêmica a certos indivíduos e (segundo o julgamento da maior parte dos especialistas) patológica”, afirma Peter Stearns em seu livro História da Sexualidade.” Cada vez mais, cientistas argumentavam que a homossexualidade era um traço de caráter que se desenvolvia como resultado de alguma falha na educação infantil.”

Acompanhando o discurso da ciência, o médico austro-húngaro Karoly Maria Benkert criou o termo “homossexualidade” para designar todas as formas de relação carnal entre pessoas do mesmo sexo. No fim do século 19, médicos criaram a sexologia. Seus trabalhos foram influenciados pelas teorias de um psiquiatra austríaco, Richard Von Krafft-Ebing, que a considerava uma tara ou uma degeneração. Em seu livro Psychopathia Sexualis, publicado em 1886, listou todas as formas possíveis de perversão, numa espécie de catálogo – a homossexualidade, claro, constava dele.

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Love is love

O preconceito, a falta de representatividade e a escassez de políticas públicas levam a dados alarmantes de violência: em 2017, até o início deste mês, 117 pessoas foram assassinadas no Brasil devido à homofobia. É um assassinato a cada 25 horas. Em 2016, segundo a Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais, 340 LGBTs foram mortos no Brasil. É quase uma vítima por dia, sendo até então, o maior número já registrado na história. Em 2015, foram registradas 318 mortes, segundo informações do grupo.

Nas redes sociais, a população LGBT pede por mais respeito e por mais segurança. No Twitter, a hashtag “Love is love” (Amor é amor em português) está entre os assuntos mais comentados desde a manhã desta quarta-feira. Internautas se mobilizam contra a homofobia e clamam pela conscientização e pela desconstrução da população.

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* Nome fictício

CONFIRA MATÉRIA COMPLETA NA GAZETA DA SERRA DESSA SEXTA-FEIRA
 

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