Mesmo sob limitações mais severas às atividades econômicas, Santa Cruz do Sul fechou o mês de março com saldo positivo na empregabilidade. A criação de vagas, porém, foi praticamente toda puxada pela demanda de mão de obra sazonal nas indústrias de tabaco, enquanto setores como comércio e serviços sentiram fortemente o peso das restrições.
Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia, o mês passado teve 2,1 mil contratações a mais do que demissões no município. No primeiro trimestre, o saldo positivo chegou a 4,3 mil vagas, ante 3,3 mil no mesmo período do ano passado.
Os dados indicam que as contratações nas fumageiras vêm sendo ligeiramente superiores ao registrado em 2020. Segundo o presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias do Fumo (Fentifumo), Gualter Baptista Júnior, as contratações podem ter sido aceleradas pelas empresas em função do volume e qualidade da safra atual.
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Tudo indica, no entanto, que o resultado do ano será inferior na comparação com o ano passado, quando parte dos safreiros foi chamada antes do início da pandemia. Com a ocupação nas usinas mais limitada durante a bandeira preta, a projeção de crescimento de 8% a 10%, feita no começo do ano, não deve se confirmar, embora os contratos, que geralmente terminam por volta de agosto, devam ser mantidos por mais tempo – em alguns casos, até novembro. Outros setores industriais fortes do município, como o de metal e o de alimentos, também tiveram resultados positivos, mas mais modestos.
Já em outros segmentos, os reflexos das restrições foram maiores. Nos serviços, por exemplo, as admissões superaram os desligamentos, mas parte desse desempenho se deve à demanda por profissionais nos estabelecimentos de saúde em função da escalada de internações por Covid-19. Impulsionadas pelo distanciamento social, atividades de teleatendimento também absorveram mais profissionais, enquanto áreas como a de alojamento (hotéis e pousadas) e alimentação (restaurantes) tiveram balanço negativo.
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A força de trabalho no comércio varejista também encolheu com a restrição ao atendimento presencial nas lojas. Por outro lado, o efetivo do comércio atacadista cresceu, o que também é consequência das medidas de distanciamento.
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Entrevista
Aod Cunha – Ex-secretário estadual da Fazenda
O atual momento da economia brasileira é de estagnação, recessão ou recuperação?
Estamos, sim, em uma recuperação. É uma recuperação mais lenta do que, provavelmente, a maior parte do mercado imaginava no ano passado. E é mais lenta porque o Brasil de novo teve que enfrentar um recrudescimento da pandemia e várias medidas de isolamento. É claro que se trata de uma recuperação sobre uma base muito fragilizada da atividade econômica. No ano passado, o PIB do País decresceu 4,1%. As estimativas do mercado estão apontando para um número próximo de 3% neste ano, então ainda não vamos recuperar aquilo que perdemos em termos de geração de crescimento econômico em 2020.
O Brasil criou mais de 180 mil vagas de trabalho formal em março, apesar das restrições. Isso é um sinal dessa recuperação?
O fato positivo é que, aparentemente, por mais que o processo de vacinação esteja lento em relação ao que gostaríamos, há uma recuperação da economia. Ainda estamos com uma taxa de desemprego próxima de 14%, o que é muito alto. Mas o mundo como um todo vem mostrando sinais de crescimento bastante robustos. Este ano vamos ter a China crescendo acima de 8%. A Índia, com todo o problema que tem, provavelmente vai crescer próximo a 10%. Os Estados Unidos deve crescer acima de 6%. Então, se tivéssemos uma situação interna melhor, o Brasil estaria crescendo bem mais, porque o cenário global está muito favorável. Mas a recuperação está ocorrendo e o pior em termos de atividade econômica já passou, apenas estamos avançando de forma mais lenta do que em outros lugares do mundo.
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Isso significa que a recuperação não será em “V”, como o ministro Paulo Guedes preconizava?
Depende da base de comparação. Se no ano passado tivemos uma queda de 4,1% e este ano tivermos um crescimento de em torno de 3%, a segunda perna do “V” estaria menor, ou seja, não estaríamos voltando ao nível de renda anterior. Mas o que preocupa um pouco mais é que viemos de vários anos com crescimento baixo. A década passada toda foi de crescimento baixo. Em 2015, o Brasil teve uma queda de 3,5% do PIB, com o mundo crescendo. Em 2016, teve uma redução de 3,3%, com o mundo crescendo. E nos anos de 2017, 2018 e 2019, em que não havia pandemia e o mundo também crescia, o Brasil teve um crescimento de pouco mais de 1%.
O avanço da vacinação vai ditar o ritmo da recuperação econômica?
Nos próximos meses, não tenho dúvida de que esse é o fator mais relevante. Logo depois, teremos outros temas muito importantes, como o andamento das reformas no Congresso e o cenário eleitoral do próximo ano. Mas no curto prazo, o ritmo da vacinação é o mais importante para termos uma recuperação mais rápida.
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Qual a importância, neste momento, do auxílio emergencial e do programa que permite suspensão de contratos e redução de jornada nas empresas?
Essas medidas foram bastante significativas no ano passado. Apesar dessa queda no PIB, a mais elevada nas últimas décadas, a economia podia ter tido um resultado muito pior. O volume de gastos feitos no ano passado foi muito significativo, na ordem de 10% do PIB, enquanto na média dos países emergentes foi de 5%. Evidentemente, há um impacto sobre a dívida pública e as contas do governo. Mas este ano esses programas vão ser menores. O montante total disponível para o auxílio emergencial neste ano é de R$ 44 bilhões, menos do que se gastava por mês no ano passado. É claro que agora temos uma recuperação econômica e se espera que a necessidade de injeção de renda seja menor.
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Como o senhor avalia a política de elevação nos juros, considerando tanto a escalada da inflação quanto a fragilidade da economia?
Não vejo saída fora de novas elevações, porque a inflação realmente começou a subir muito. O Banco Central tem uma regra, que o mercado todo conhece, que é o programa de metas de inflação. No ano passado, houve uma alta acentuada do dólar por várias razões, uma delas é a incerteza quanto à situação fiscal do governo, que teve de gastar mais. Ao subir, o dólar acaba chegando aos consumidores. O acumulado do IGP-M nos últimos 12 meses já está acima de 30%. O IPCA ainda está em um patamar baixo, mas deve chegar ao final de junho em um número próximo de 7% no acumulado, o que é bem acima da meta de inflação. Então, até acho que o Banco Central começou a aumentar os juros relativamente tarde. Por causa disso, está subindo de maneira mais agressiva. O custo de uma inflação fora de controle é muito maior para a economia como um todo do que a elevação dos juros.
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Especula-se muito sobre o legado da pandemia em termos de hábitos de consumo e modelos de negócios. O que o senhor vislumbra?
Alguns aspectos vão ficar. O primeiro é a valorização do sistema de saúde como um todo, seja público ou privado. Eu diria que as pessoas vão dar mais valor à oferta de boa qualidade de serviços de saúde. O segundo é que a pandemia acelerou uma tendência de transformação digital. A utilização de recursos e plataformas do sistema digital pelas empresas, o e-commerce, isso acelerou vários anos em relação ao que seria uma tendência de crescimento normal. Acho que veio para ficar.
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Qual a medida mais essencial para voltarmos a ter uma perspectiva de crescimento sustentável de longo prazo para o Brasil?
No curto prazo, de novo, é acelerar a vacinação para que a população possa voltar com segurança às atividades econômicas. Mas o Brasil tem um problema estrutural que não é de agora. Nas últimas quatro décadas, o Brasil vem crescendo menos do que a média da economia mundial. Isso se agravou na última década, porque naturalmente a população está envelhecendo, então não temos mais uma contribuição tão importante para a força de trabalho e o percentual de pessoas que se retira do mercado vai aumentar. Por outro lado, a produtividade da economia brasileira está estagnada há muito tempo por uma série de razões – a qualidade da educação ainda é ruim, o sistema tributário é atrasado e complexo, o setor público tem muitas ineficiências e a economia ainda é muito fechada e pouco exposta à competição internacional. É uma sequência de reformas, durante muito tempo, que vai devolver ao Brasil a capacidade de pelo menos crescer mais próximo da economia mundial.
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