A batida do tambor acompanhada do embalo da saia rodada de Márcia Regina Campos arrepiou os espectadores presentes no pavilhão central do Parque da Oktoberfest no último sábado, dia 7. Inspirada pela força de Iansã e beleza de Oxum, a candidata santa-cruzense dançou e mostrou ao público que assistiu à apresentação artística – uma das provas do concurso – por que foi merecedora do título de Mais Bela Negra do Rio Grande do Sul. “É muito bom fazer algo que as pessoas sentem a energia que você quer transmitir. Foi lindo! Uma experiência pela qual eu nunca tinha passado antes”, comentou ao lembrar da noite que, se pudesse, emolduraria em sua memória para não mais esquecer.
Sem ressentimentos, pelo contrário, empoderada após o episódio de racismo ocorrido na semana que passou, Marcinha, como é conhecida, experimenta uma dupla satisfação: desfruta a alegria de ter conquistado o título máximo da disputa e, de quebra, recebe o carinho das muitas pessoas que saíram em sua defesa. “De forma alguma aqueles comentários me abalaram. Graças a Deus, eu recebi apoio indescritível da população de Santa Cruz e até de fora. Do concurso, só levo as melhores lembranças.” Mas ela não baixa a cabeça. Ao lado da diretora do Departamento Cultural da Sociedade Beneficente União, Cíntia Luz, vai acompanhar a investigação sobre a autoria dos comentários. “Racistas não passarão.”
Santa-cruzense de 26 anos, Márcia vive um ano intenso. Mal assimila a conclusão do curso de Direito na Faculdade Dom Alberto (formou-se em 1° de agosto), ela se dedica, agora, aos estudos para o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Depois dessa etapa, mais imersão na área jurídica. A funcionária da Polícia Federal pretende ser delegada e, para isso, sabe que o foco, mais uma vez, estará nos livros. “Sou apaixonada pela área da segurança pública. Acho que trago isso do meu pai, que trabalhou por muitos anos na Delegacia Regional de Polícia Civil.”
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Filha de Orlando Brito de Campos (falecido em 2009) e de Maria Regina Martins Brito de Campos, 65, a jovem tem em casa o exemplo, a inspiração e a base. Márcia conta com a incansável companhia da mãe, que não mede esforços para acompanhá-la em cada novo desafio. Não foi à toa que, em 2014, quando eleita segunda princesa do Carnaval, dona Maria Regina a acompanhou, sem titubear ou duvidar de suas escolhas. “Me lembro que, na hora do desfile oficial, ela estava tão cansada que chegou a cochilar na cadeira. Mas nunca abdicou de viver estes momentos comigo”, recordou, enquanto compartilhava um olhar de carinho com a matriarca na sala de casa.
Além disso, tem uma equipe protetora de peso: os irmãos Orlando Júnior, 42, Reginaldo, 41, e André, 29. E aí, quando essa turma e a prole se juntam, não tem outra alternativa: é diversão na certa.
STILLOSA
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Apaixonada por dança, Márcia pratica hoje Stiletto, modalidade que combina hip hop, jazz e salto alto. No passado, porém, foi dançarina de street dance e ainda fez ginástica olímpica. “Ninguém conseguia segurar ela”, lembra a mãe aos risos. Já nos fins de semana, gosta de aproveitar o tempo com o namorado Rodrigo e assistir a filmes. Aliás, enxerga no cinema um dos seus passatempos favoritos, ainda mais se o programa forem as obras do célebre Quentin Tarantino. Para relaxar, não abdica, vez que outra, de escutar uma miscelânea que vai do pagode, passa pelo samba e culmina com a boa e velha MPB.
Negra bonita, do cabelo crespo e sorriso fácil, Márcia também adota vários estilos no seu dia a dia. No trabalho, roupa formal; quando desfruta do tempo livre, opta pelo conforto e aposta nas vestes esportivas. É na hora de sair, entretanto, que marca presença por onde passa. De salto alto, vestido marcante e batom vermelho que sobressalta os lábios, a Mais Bela Negra do RS prova que mulher bonita é mulher que se ama. E, nesse embalo, pouco importa se o manequim é 36 ou 40. O que vale é o brilho no olhar e a postura de quem não veio parar nesse mundo em vão. Inspirada pelos feitos da escrava Anastácia* (confira no boxe), ela agora representa a bravura da mulher negra e, tem certeza, vai lutar pela igualdade em uma sociedade que, apesar das conquistas, precisa avançar ainda mais.
SAIBA MAIS
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No imaginário popular, Anastácia era uma escrava de linda e rara beleza, que chamava atenção de qualquer homem. Ela era curandeira, ajudava os doentes e, com suas mãos, fazia verdadeiros milagres. Por se negar a ir para a cama com seu senhor e se manter virgem, apanhou muito e foi sentenciada a usar uma máscara de ferro por toda a vida.