Na casa dos Henn, em Sinimbu, o português é escutado apenas na televisão. No café da manhã, no jantar ou no chimarrão de fim de tarde, a língua que predomina é o alemão. Por lá até o pequeno Leonardo, de 4 anos, domina o idioma com perfeição. E ainda faz questão de ensiná-lo aos visitantes. Diz uma frase, “Mein name ist Leonardo”, e rapidamente a traduz: “Meu nome é Leonardo”. Não foi à toa que as primeiras palavras proferidas pela criança passaram longe do “mamãe e papai”. Léo aprendeu que mamãe é “Mama” e ainda ousou arriscando um “spielen” (brincar). “Ele só fala português na escolinha. Em casa e na rua é o alemão. Fizemos questão de preservar essa tradição que veio de gerações”, conta a mãe, Marceli Henn.
Tudo o que assimilou do idioma foi assim, ouvindo a conversa pais. E sendo incentivado por eles. Já com o português, a aprendizagem foi quase autodidata. De acordo com a mãe, o menino assimilou a língua por meio dos filmes e desenhos animados a que assistia. “Agora, na escolinha, ele conseguiu tirar as dúvidas que restavam do português e, segundo a professora, que também fala alemão, está 100% nos dois idiomas”, conta orgulhosa.
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Aos 4 anos, Léo ainda desconhece, mas se não deixar a língua morrer, terá grandes chances de garantir um futuro profissional internacional. Seja a trabalho ou estudo, a fusão Brasil-Alemanha vem provando que quem tem o alemão na ponta da língua poderá voar (para o Velho Mundo, é claro). Prova disso é o número de empresas germânicas que investem no País. Segundo a Câmara Brasil-Alemanha de São Paulo, mais de 1.800 companhias com capital alemão estão instaladas em solo brasileiro. Bayer, Merck, BMW, Volkswagen, Mercedes e Gedore são apenas alguns exemplos. Isso sem falar do grupo alemão que vai administrar o Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, pelos próximos 25 anos e da inauguração do Centro de Estudos Alemães e Europeus, também na Capital, em abril. “O alemão, hoje, é a língua mais falada na Europa. Estima-se que mais de 100 milhões de pessoas falem o idioma em todo o mundo. E no Brasil são 135 mil alunos que estudam a língua”, afirma o editor do site BrasilAlemanha, Sílvio Aloysio Rockenbach.
Exemplo de quem não deixou a oportunidade escapar, o gerente geral da empresa Elbe do Brasil, instalada em Passo do Sobrado, Davi Coswig Zell, só tem a agradecer pela herança deixada pelos pais. Assim como o pequeno Léo, de Sinimbu, ele também aprendeu o alemão em casa. E só teve a chance de trabalhar pela companhia com sede na cidade de Bietigheim-Bissingen, Alemanha, por mostrar fluência no idioma. “Se eu não soubesse falar alemão, não seria contratado. É claro que depois eu precisei aprimorá-lo, pois também sabia o dialeto.” Aluno da escola Auf Gut Deutsch, Coswig passou três temporadas no país de seus antepassados. E já planeja a matrícula do filho Lucas, 3 anos, na instituição. “Eu tento introduzir algumas palavras e frases, mas assim que ele completar 4 anos, será matriculado no curso”, diz. O desejo de ter a família trilíngue, afinal o inglês também não será esquecido, se estende igualmente aos gêmeos Matheus e Arthur, de dois meses. “Eu quero facilitar o futuro deles e manter viva a cultura alemã na família. São portas que se abrem.”
Marceli Henn repassou conhecimento ao pequeno Léo, 4 anos
Foto: Bruno Pedry
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Aprendizado sem sotaque
Aprender o alemão quando criança é fundamental para acelerar o processo de aprendizagem. Conforme a Doutora em Ciências Sociais Antropologia Cultural pela Universidade de Tübingen, na Alemanha, Lissi Bender, pesquisas indicam que quanto mais jovem, mais o ser humano é capaz de aprender diferentes línguas ao mesmo tempo. “Todo idioma assimilado até os 14 anos vem sem sotaque. Por isso é fundamental que os pais que sabem a língua repassem para seus filhos”, diz.
Além de ampliar a visão de mundo dos pequenos, o enriquecimento do vocabulário, através de outro idioma, permite que o ser humano aprimore a sua capacidade de pensar. “Com um léxico amplo e em diferentes idiomas, você pode pensar melhor e compreender melhor.”
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Patrimônio imaterial e parte da identidade de Santa Cruz
Parte integrante da identidade de Santa Cruz do Sul e região, o alemão configura, na visão da pesquisadora Lissi Bender, mais do que um meio de comunicação. Segundo a obra Rastros, publicada pela Editora Gazeta, é no dialeto que vive a alma dos antepassados e é essa variedade linguística que promove o sentimento de pertencimento à comunidade. Esses são apenas alguns dos motivos pelos quais o idioma não deve ser depreciado pela comunidade.
“O grande corte da língua alemã por aqui aconteceu em 1937, no período da nacionalização. Foi quando começou a ser introjetada a ideia e que o alemão aqui falado é ‘errado’, ‘grosso’”. Segundo contextualiza Lissi, a partir daquele momento, quem não falava bem o português passou a ser considerado o “alemão batata” do interior. “É preciso desconstruir esse preconceito e entender que se não houver esforços pela reabilitação dessa língua, ela continuará caindo no esquecimento.”
A valorização deste que é considerado um patrimônio imaterial de Santa Cruz precisa, segundo Lissi, acontecer em quatro instâncias: família, escola, poder público e associações culturais e veículos de comunicação. “A família deve continuar falando e a escola, que é o espaço de socialização do sujeito, precisa trabalhar a língua com as crianças. Quando se omite dessa responsabilidade, vai estar indiretamente dizendo que o idioma não tem valor.”
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Apesar de pequenos avanços, como a introdução do ensino nas escolas municipais em 2005, a pesquisadora considera que o município pode estar dando as “costas” para essa riqueza. “O alemão é um dos ingredientes que fazem Santa Cruz ser especial. Trata-se de uma marca do nosso lugar e um símbolo de identificação.” O consenso vem de todas as fontes escutadas pela reportagem: é ao valorizar o ensino do idioma que Santa Cruz apresentará mais potencial de enriquecimento cultural e econômico. Cabe a essa geração o empenho de fomentar o legado e manter o que, na antiga Colônia, Santa Cruz começou.
Atendimento personalizado
Quem circulou por Santa Cruz do Sul até os anos 90 estava mais acostumado a ouvir diálogos em alemão na rua ou na fila do supermercado. Hoje ainda há lojas que oferecem atendimento nessa língua. Na Afubra, por exemplo, dez funcionários conseguem se comunicar com clientes que os abordam através do idioma. “Percebemos que alguns agricultores que vêm do interior ainda sofrem para encontrar algumas palavras em português. Mas aí basta algum atendente se manifestar em alemão para eles se sentirem à vontade. É como se fosse um acolhimento”, conta a gerente Nádia Rohr.
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Com isso há o potencial de ampliar as vendas, já que os clientes se sentem mais confortáveis dentro da loja. “Antigamente o fluxo era bem maior, mas ainda temos esse registro. Existe um casal, aliás, que vem aqui só para ajudarmos a retirar dinheiro do caixa eletrônico”, comenta de forma carinhosa. Segundo a pesquisa de doutorado da professora Lissi Bender, o alemão, hoje, é mais escutado nas famílias, festas comunitárias, comércio, na rua, supermercados e cultos.
Quando acionados, funcionários da Afubra atendem em alemão
Foto: Rodrigo Assmann
MANUAL
A Gazeta aproveitou o encontro com a pesquisadora Lissi Bender para montar um pequeno manual de sobrevivência em alemão. Confira:
- Oi! – Hallo!
- Bom dia! – Guten Tag! Pode ser usado em qualquer hora do dia, menos de noite, quando o cumprimento passa a ser “Guten Abend” para a chegada e “Gute Nacht” para a hora do recolhimento.
- Não falo alemão, fale devagar, por favor! – Ich spreche kein Deutsch, sprechen Sie bitte langsam.
- Eu me chamo … – Mein Name ist …
- Eu tenho… anos. – Ich bin… Jahre alt.
- Eu sou/venho do Brasil – Ich bin/komme aus Brasilien.
- Como faço para chegar ao Centro da cidade? – Wie komme ich zur Stadtmitte?
- Por favor, onde fica o toalete/o VC? – Bitte, wo ist die Toilette/ das Klo (das Klosett)?
- Você fala português/alemão? – Sprechen Sie Portugiesisch/ Deutsch?
- Lembre sempre: as palavras mais usadas no idioma alemão são: “Obrigada/o” – Danke ou Dankeschön; “Por favor” – Bitte e Entschuldigung– “Desculpe/perdão”.
Agora que você já aprendeu as frases, que tal entender como se pronuncia?
- IE: Tem som de ‘i’ longo – como em “liebe” – amor.
- EU: pronuncia-se ‘ói’ – como em “neun” – nove ou “Leute” – pessoas.
- V: Tem som de “f” – como em “Volk” – “povo” (mas em palavras de origem latina mantém o som de “v”, como em “Verb” – “Verbo” )
- ß: tem som de ‘s’ surdo. Como
- em: “Ich weiß es nicht” – “Não sei”.
- J: Tem som de ‘i’ – como em “ja” – sim.
- Vogal seguida de ‘h’ torna-se longa – como em “sehr gut” – muito bom, ou “mehr” – mais.
- Lembre-se: a letra “a” tem som aberto, mesmo seguida de “n” ou “m” – como em “danke” – “obrigada(o)”.
- Umlaut: é o trema em alemão. Aparece em ä, ö e ü. O “ä” lê-se como “e” aberto, como em “Mädchen” (“moça”); O “ö” soa como se fosse um “o” e um “e” que se uniram, como em “Dankeschön”; o “ü”, como “u” e ‘i’ misturados, caso de “über gut”. Aliás, as palavras com “ü” e “ö” requerem um certo “biquinho” para serem pronunciadas.
- Em palavras com “sp”, o “s” soa como se fosse “ch”, como em “sprechen” (“falar”). Assim também as palavras com “st”, como “Stein” (“pedra”).
- Palavras com “sch” tem pronúncia de “ch”, como em “Schule” (“escola”).
Língua é ensinada a 613 alunos da rede municipal
“Guten Tag” (bom dia) e “Wie Geht es Dir?” (como vai?) são as primeiras frases trocadas pela professora Luciani Vogt com os alunos do 6° ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Duque de Caxias. Tímida, a turma com pouco mais de 15 alunos só precisa de alguns minutos para começar a se soltar. Não demora muito para que acertem a pronúncia e ainda se ajudem na hora de responder às perguntas da Lehrerin (professora) sem sotaque. Mais tarde, vão à sala de vídeo e assistem a um videoclipe do cantor alemão Andreas Bourani. Nessa hora, os olhos brilham. É porque durante toda e exibição, surgem os cenários e a diversidade cultural da cosmopolita Berlim.
Localizada no Bairro Piratini, a Duque de Caxias passou a oferecer o alemão como disciplina obrigatória no início do ano. Tornou-se a terceira escola municipal da zona urbana a ensinar o idioma, motivando alunos que não têm descendência germânica a aprender mais sobre uma das maiores potências mundiais. Hoje, segundo a Secretaria de Educação e Cultura (Smec), 613 alunos da rede municipal frequentam aulas de alemão e oito escolas ofertam o ensino do idioma. A secretária Jaqueline Marques reforça o apoio prestado pelo Instituto Goethe no sentido de oferecer formação continuada aos professores e auxiliar na metodologia.
Semana
Organizada pela segunda vez consecutiva no Brasil pelas embaixadas da Alemanha, Suíça, Áustria, Bélgica e Luxemburgo, a Semana da Língua e da Cultura Alemã começou nessa sexta-feira e segue até 8 de abril em 12 estados. Em Porto Alegre, atividades como exibição de filmes, aulas demonstrativas de alemão, workshops e teatro estão na programação do Instituto Goethe.
Alguns motivos para aprender o idioma, por Lissi Bender
Lissi Bender
Foto: Lula Helfer
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