Em 1974, o escritor Sergio Faraco compareceu à Praça da Alfândega, no Centro Histórico de Porto Alegre, para autografar o seu livro “Depois da primeira morte” na Feira do Livro da capital gaúcha. Meio século depois, retorna ao mesmo ambiente, agora na condição de patrono desse evento, considerado o maior do gênero em área aberta na América Latina. E uma vez mais estará no espaço de lançamentos, com o seu recentemente lançado Digno é o cordeiro, nas livrarias sob o selo da editora L&PM.
Nessas cinco décadas, Faraco tornou-se um dos mais respeitados, elogiados e prestigiados autores do Rio Grande do Sul, com obra que se projetou em todo o País e também para o exterior. Isso começou a acontecer mais especialmente ao longo da década de 1980, e tendo o lançamento do volume de contos Noite de matar um homem, de 1986, como um divisor de águas. Já no ano seguinte ele lançaria mais duas obras, Doce paraíso e A dama do Bar Nevada, firmando-se de vez na cena cultural.
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Já na década de 1990, seguiria publicando com regularidade. Surgiram conjuntos como Majestic Hotel, em 1991; e Dançar tango em Porto Alegre, em 1998, além dos Contos reunidos, em 1995. A entrada aos anos 2000 foi marcada com Rondas de escárnio e loucura. E em 2004, há 20 anos, ele apresentava a segunda edição, ampliada, de seus Contos completos. Vieram também as crônicas e as memórias.
Sobre o seu fazer literário, Sergio Faraco respondeu a uma série de questões formuladas pela Gazeta do Sul, na entrevista por e-mail. Ele comenta, por exemplo, o fato de não ter se aventurado na narrativa mais longa. E aborda em especial o seu forte envolvimento com a literatura latino-americana, como leitor, tradutor e, claro, amigo de importantes nomes da cultura desse continente.
Para o senhor, Digno é o cordeiro foi, de certo modo, um acerto pessoal com o passado? O que mais pesou em sua decisão de concretizar esse segundo volume de memórias?
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Os leitores me cobravam a continuação do Lágrimas na chuva. Diziam: “Você escreveu sobre o que viveu sob o regime soviético, mas não o fez sobre o que viveu durante a ditadura militar”. Eu era devedor deste relato, conquanto não me achasse em condições de fazê-lo. Acontecimentos recentes me levaram a considerar que ele poderia ser necessário num momento em que muitas pessoas se esquecem do passado.
Esse período de sua vida, da proximidade com o ideário comunista e do início de sua carreira de escritor, está contemplado com os dois livros? Ou o senhor pensa em ainda abordar mais algum aspecto do panorama daquela época?
Digno é o cordeiro reconstitui fatos ocorridos em 1965, com referências incidentais a anos seguintes. Não narrei algumas experiências posteriores, mas dificilmente pensarei nessa possibilidade, estou com 84 anos e tenho outros projetos que nem sei se conseguirei terminar e que agora, para mim, são mais importantes.
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Como o senhor enxerga essa polarização política dos dias atuais, no Brasil, mas também no mundo? Que sentimentos esse cenário contemporâneo alimenta?
Que posso ver senão que essas disputas, no plano internacional, vão resultar em desgraças para a humanidade? Aliás, já estão resultando, como se sabe. Já dá para dizer, como Antônio, no Júlio César, de Shakespeare: “Desgraça, estás de pé! Agora toma o rumo que bem te parecer”.
No Brasil, talvez a desgraça seja outra. Dentro de 50 anos, talvez o País venha a ser o mesmo de hoje, pois nossos governantes são o que somos nós, e o que somos nós, na maioria, senão pessoas sem espírito público, não raro desonestas? A desonestidade é tão maligno tumor em nossa sociedade, com metástases em todos os extratos, que se tornou uma instituição, isto é, o fruto venenoso de uma reiteração de padrões de comportamento.
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O senhor segue mantendo uma rotina de escrita, no caso de contos ou outros projetos? Os leitores podem esperar por novidades vindo por aí?
Como disse, tenho outros projetos. Há muitos anos não escrevo mais ficção, mas tenho contos em que não pude alcançar a qualidade desejada e que, com maior dedicação, talvez possa salvar. Também tenho em preparação um volume de artigos históricos e outro sobre um capítulo da história do Brasil, mas neste ano não conseguirei trabalhar. Ser patrono da Feira do Livro implica estar disponível não só durante os 20 dias da feira, mas, sobretudo, antes da feira, como é o caso desta entrevista.
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Em um olhar retroativo, em que momento o senhor identificou que o formato do conto seria a sua grande via de expressão, e não, digamos, a narrativa longa?
Sempre me perguntam por que não escrevo romances. Bem, nunca tentei, nunca pensei em escrever romances. No momento em que tenho uma ideia aproveitável, ou uma emoção que traz em si um enredo, aquilo já nasce como a história para um conto. Costumo dizer, caçoando, que já escrevi muitos romances, o problema é que eles acabam na sétima página.
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Até pela proximidade geográfica, o senhor sempre teve muita identificação com a literatura uruguaia e latino-americana em geral. Segue acompanhando o que os vizinhos produzem? Algo em especial que lhe chama a atenção?
Traduzi mais de 30 livros de autores sul-americanos: um venezuelano, dois paraguaios, um argentino e uns quantos uruguaios. Os leitores veem em mim alguém que é afeiçoado à literatura uruguaia, mas não é bem assim. Meu conhecimento vai pouco além daquilo que traduzi. Penso que não houve e não há essa identificação. A maioria das traduções foi feita porque as negociei por valores satisfatórios, acima do que recebo por meus próprios livros. Aliás, tenho três publicados no Uruguai e um na Colômbia, mas foram edições negociadas por interposta pessoa, não por mim. Afeição houve, sim, mas de outra classe, quando traduzi Cavalos do amanhecer, de Mario Arregui, que se tornou um amigo muito querido, mas meus contos de fronteira nada devem aos dele.
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