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GAZ – Notícias de Santa Cruz do Sul e Região

Mães heroínas que nasceram durante a pandemia

Quando nasce um filho, nasce também uma mãe. Ninguém continua o mesmo depois de colocar no mundo uma criança ou se tornar responsável por uma. A vida que nasce vai precisar de saúde, segurança, educação e dedicação.

Mas uma mulher que se torna mãe durante a maior pandemia registrada no último século, e no momento de iminente risco, vence um desafio ainda maior, como ocorreu com muitas mães que, neste 9 de maio, têm mais de um motivo para comemorar.

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Um desses desafios é o puerpério, período pós-parto, que já é caracterizado pela instabilidade emocional. Durante uma pandemia, a situação se agrava, dificultando a possibilidade de essas mulheres demonstrarem o que sentem, já que muitas deixaram de contar com uma rede de apoio, em vista dos protocolos impostos pelo distanciamento social.

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O que se pode afirmar é que para mulheres que se tornaram mães durante a pandemia, seja na primeira gestação, seja na terceira, a experiência é sempre inigualável. A força que precisaram ter neste período mostra que não somente nasceram crianças. Nasceram mães. Nasceram heroínas.

Um ano de Théo, um ano de coronavírus

Théo Henrique Calixto da Silva nasceu em 31 de março de 2020, em Santa Cruz do Sul. Cinco dias depois, o município confirmava o primeiro caso de Covid-19, em 5 de abril. Mãe de outros dois meninos, Anthony, de 5 anos, e Renan, de 17, Aline Calixto, de 38 anos, relembra que se sentiu insegura e que foi tudo muito diferente do que já havia vivenciado em suas outras gestações.

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“Comecei a sentir uma tristeza, um sentimento de solidão. Pouco antes da data prevista para o meu parto, todas as visitas no hospital tinham sido canceladas. Os registros fotográficos feitos na hora do parto também foram suspensos.

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As preocupações eram constantes e reforçadas pelas dúvidas diárias sobre o que fazer. Apesar de não ser a primeira gravidez, a gente sempre quer e precisa de ajuda da família, e essa falta de rede de apoio foi muito difícil.” Conforme Aline, foi necessário também que os cuidados fossem diferentes.

Théo, filho de Aline, nasceu no início da pandemia e não teve festa de um aninho
Crédito da foto: Alencar da Rosa

“Por ser hipertensa e ter uma gravidez de risco, precisei me isolar ainda mais”, observa. O ano de perdas e ganhos toma o lugar de esperança na fala de Aline.

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Trabalhadora da área da Educação Infantil, com a pandemia, perdeu o emprego e precisou ficar sozinha com dois filhos pequenos, sendo um recém-nascido. O outro, já um jovem adulto, trabalha e não pode ajudar a cuidar dos irmãos.

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“Cheguei à conclusão de que, com eles, tenho aprendido sobre paciência, espera, simplicidade e amor incondicional. Vejo que o verdadeiro valor da vida mora nos detalhes do dia a dia e não no evento do fim de semana pelo qual esperamos ansiosamente. Com eles, vejo que as nossas batalhas são vencidas a cada dia e não naquele sucesso pontual alcançado por conta de uma única experiência”, pondera.

Nasceu uma mãe

Bernardo Weizenmann Schmidt decidiu vir ao mundo antes do esperado. Nasceu em 4 de janeiro de 2021, prematuro, mas sem complicações. O susto dos pais foi do tamanho de quando souberam da gestação, já durante a pandemia.

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“Quando tu te torna mãe, parece que vira uma chavezinha e tu te vê sabendo fazer mil coisas que não sabia antes. Teu instinto fica mais aguçado e tu descobre que tem mais energia e força do que jamais pensou ter. E tudo isso se intensificou com a situação atual, porque tu te torna mais zelosa, mais crítica, mais protetora”, afirma.

Patricia é mãe de Bernardo, primeiro filho dela que nasceu em janeiro e recebe cuidados redobrados
Crédito da foto: Alencar da Rosa

Mesmo trabalhando de casa, a nova mãe precisava lidar também com a ausência do marido nas consultas do pré-natal, pois os protocolos de saúde contra o coronavírus o impediam.

“Ele ficava arrasado. Esperávamos o mês inteiro para ver o bebê no ultrassom. Ficar isolada em casa, sem poder trabalhar, ir à academia, sair para jantar, passear, foi muito difícil. Mas eu sempre tinha comigo que era exclusivamente para o bem dele, nada mais importava. Depois que ele nasceu, continuamos com os cuidados e nos tornamos até mais chatos com isso, porque sabemos que ninguém está livre de pegar a Covid, e queremos protegê-lo a todo custo.”

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Ansiedade que aumenta

Uma semana antes de o Brasil registrar o primeiro caso de coronavírus, Laís Regina de Carvalho Schwarz, de 31 anos, soube que estava grávida de seu primeiro filho, Vicente. A psicóloga e mestranda da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) deu à luz no dia 1º de outubro de 2020.

“Com a avalanche de informações divulgadas, e frente a muitas dúvidas sobre os efeitos da Covid-19 em gestantes e bebês, o medo foi aumentando. Por si só a fase da gestação já é geradora de ansiedade, e, a cada exame, com a preocupação de que tudo estivesse bem, somando-se uma doença que ninguém sabia ao certo como agia, a ansiedade aumentou”, recorda Laís.

A gestação é uma fase que marca a vida da mulher e, além das mudanças físicas, o desejo de compartilhar o momento com pessoas próximas e de se sentir acolhida são sentimentos presentes. “Planos como o tradicional chá de fraldas, que foi uma das coisas em que logo pensei quando engravidei, não podem acontecer. Aumentei os cuidados durante a gestação, trabalhei em home office a maior parte do tempo. Muitos amigos e familiares não me viram gestante, e até hoje não conhecem o Vicente pessoalmente, somente por foto ou vídeo”, lamenta.

A psicóloga Laís Regina de Carvalho Schwarz teve Vicente durante a pandemia

A psicóloga explica que estar grávida é um momento transformador na vida da mulher. “No campo emocional, é muito comum o surgimento de medos e incertezas durante esta fase, além de uma autocobrança muito grande. A sociedade exige muito da mulher-mãe, é vendida uma imagem da maternidade que não corresponde à realidade de todas, e isso pode ser angustiante para muitas mulheres, que têm medo de dividir suas angústias, por não quererem ser julgadas”, cita.

A profissional destaca a singularidade de cada uma ao lidar com a gestação e com a pandemia. “Não podemos generalizar e dizer que é diferente ou igual para todas, porque mesmo mulheres que já tiveram gestações antes podem vivenciar de modo diferente agora, e isso nem se deve à pandemia. O que podemos pensar é que, sim, a pandemia se apresenta como um agravante de estresse em todas as esferas da vida, e não seria diferente na gestação.”

A importância de ter uma rede de apoio

Amanda Quadros de Souza, de 30 anos, enfermeira docente e especialista em saúde da mulher da Faculdade Dom Alberto, passou pela gestação e pelo período do puerpério com o apoio dos pais. O pequeno Martin nasceu em 1º de dezembro de 2020.

“Foi uma surpresa, primeiro pela descoberta da gravidez e segundo pelo momento que estávamos vivendo, de muito cuidado. Quando íamos fazer exames, era sempre tentando proteger ao máximo; tive muito medo. Mulheres contam com a importância da rede de apoio. E eu tive meus pais, que foram fundamentais. Muitas mulheres não têm esse apoio e elas precisam disso para passar pelo puerpério.”

Embora a pandemia tenha afetado a rotina das gestantes e mudado a tradicional visita ao hospital para conhecer a criança, Amanda considera que esse ponto foi positivo. “Em se tratando de um recém-nascido, por um lado foi bom, porque o correto é restringir as visitas. Se não tivesse pandemia, teríamos recebido muitas”, comenta.

A enfermeira Amanda teve Martin em dezembro
Crédito da foto: Alencar da Rosa

O cotidiano da enfermeira mudou completamente com a chegada de Martin. “De um momento para o outro a vida fica muito diferente do que era, e acho que a pandemia contribuiu muito para essa mudança ser ainda mais forte. Além das mudanças que acontecem quando o bebê nasce, dos hormônios, do puerpério, ainda tem a questão do isolamento, que impede de viver com outras pessoas.”

A especialista em saúde da mulher reitera que a carga mental da maternidade aumentou com a pandemia. “Elas ficaram muito mais em casa somente com os bebês. Antes se recebia visita, a mulher poderia ter mais ajuda e, com a pandemia, são só ela e o bebê. Além de estar no pós-parto, ainda tem o fato do isolamento.”

Amanda explica que durante o puerpério a mulher passa por muitas mudanças. “Tudo influencia em como ela vai agir, pensar; além de ela ter um bebê para cuidar, ela está com os hormônios à flor da pele, ela está mais irritada, mais chorosa, triste, todos os sentimentos vêm juntos, e, muitas vezes, é difícil demonstrar e pedir ajuda porque ela tem aquele bebê para cuidar e precisa ser forte o tempo inteiro. Assim, muitas acabam ficando doentes, e acredito que com a pandemia isso tenha piorado.”

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