Dentre as 5.570 cidades brasileiras, Santa Cruz do Sul é a 73ª com maior volume de comércio exterior acumulado entre janeiro e outubro de 2017. A vizinha Venâncio Aires vem em seguida, na 134ª posição. Juntas, empresas dos dois maiores municípios do Vale do Rio Pardo geraram um fluxo corrente de negócios internacionais na faixa de US$ 1,33 bilhão nos dez primeiros meses do ano. O vigor dessas estatísticas ajuda a entender por que a região movimenta mais de 30 mil contêineres a cada ano. Nenhuma outra área do Estado lida com números semelhantes de recipientes. Nem mesmo a Serra ou a Região Metropolitana.
Mas por trás desses dados colossais da região que é o epicentro do comércio mundial de tabaco, está um cenário nem tão apoteótico, vinculado a uma matemática ingrata, que se perde em meio a um labirinto burocrático e um custo logístico perverso. Juntos, esses três fatores repelem novos negócios, asfixiam os já existentes e derretem a rentabilidade de indústrias, fornecedores e prestadores de serviços.
Para conhecer os meandros do processo de exportação e mostrar os obstáculos que se colocam diante de quem enxerga o mundo como mercado, a Gazeta do Sul buscou informações junto a 22 fontes envolvidas com o comércio internacional. O resultado é a série Made in Vale do Rio Pardo, que mostra os obstáculos impostos ao exportador sob a ótica de diferentes problemas. Nesta reportagem, entenda como a queda da participação da indústria na matriz econômica brasileira influencia o dia a dia do setor e interfere nas ambições globais das empresas.
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Competitividade que fica pelo caminho
Para transportar um contêiner até o Porto de Rio Grande, as indústrias do Vale do Rio Pardo gastam cerca de US$ 611,00. O valor, em muitos casos, é praticamente idêntico ao pago para levar o mesmo contêiner do atracadouro gaúcho até o outro lado do mundo. Essa é só uma das dezenas de equações sorrateiras que ajudam a explicar a perda de competitividade das fábricas brasileiras perante suas concorrentes planeta afora.
A santa-cruzense Xalingo sabe que essa realidade não é brinquedo. Por isso, deve ser muito precisa no cálculo que separa a pequena rentabilidade de um grande prejuízo quando exporta. “Como nosso produto tem muito volume, mas é relativamente barato, o frete tem um impacto enorme. Em média, representa 10% do valor da carga, que alcança em torno de US$ 10 mil por contêiner e US$ 15 mil quando em carregamentos maiores. É um percentual alto, que interfere diretamente na nossa negociação”, explica o supervisor de exportação da empresa, Cassius Kist. Ele ressalta que as negociações de preço são feitas uma vez por ano, com pouca margem de acréscimo, devido à forte concorrência de outros mercados, principalmente o asiático. “Cabe a nós a absorção das variações de custos durante o ano aqui no Brasil, como energia elétrica e combustível. E como tudo tem tido um aumento considerável, fica difícil fechar os números.”
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É por exemplos como esse que o processo de desindustrialização do Brasil avança. E dentre todos os segmentos industriais, o de transformação é o que mais sofre. Na década de 1980, o setor fabril chegou a responder por 33% do PIB nacional. Hoje, beira os 10%. “Nos últimos dez anos, a balança comercial brasileira de manufaturados acumula um deficit de US$ 670 bilhões. Significa dizer que na última década o Brasil comprou de outros países cerca de R$ 2,11 trilhões a mais do que vendeu”, argumenta o coordenador do Conselho de Comércio Exterior da Fiergs, Cezar Müller. A cifra equivale a 13 vezes o valor do deficit da previdência em 2016. Nessa conta estão incluídos eletrônicos, roupas, talheres, brinquedos, automóveis, bebidas, máquinas e tudo mais que possa ser transformado pela indústria.
Indústrias do Vale do Rio Pardo gastam cerca de US$ 611,00 por contêiner.
Foto: Silvio Ávila/ Editora Gazeta.
Tudo atrapalha
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Um conjunto de fatores é responsável pelo ostracismo da indústria brasileira. A ausência de uma política cambial clara, tributação elevada, infraestrutura precária, legislação trabalhista onerosa e o foco na exportação de commodities são apontados como as principais causas desse desempenho. “Na primeira eleição do Lula, o dólar alcançou a casa dos R$ 4,00. Em 2002, estava na faixa de R$ 3,00. E depois foi a R$ 1,50. Como um empresário vai se planejar ou mesmo investir, comprar uma máquina mais sofisticada?”, questiona Cezar Müller, que lamenta a ausência de uma política ao setor exportador, semelhante à existente no agronegócio. “O Brasil se tornou uma potência no setor porque há uma política bem estruturada, com incentivos, juros atrativos. O setor exportador também precisa de algo nesses moldes”, compara.
Nesse aspecto, qualquer corte de despesa ou procedimento otimizado tornam-se diferenciais competitivos. Segundo o vice-presidente regional do Ciergs, Flavio Haas, que também é diretor da empresa Xalingo, a própria burocracia mostra o atraso do comércio exterior brasileiro. “São muitos documentos. Em grande parte, redundantes. Mesmo que nosso produto não seja tributado na exportação, existe um custo de encargos e tributos trazidos nos insumos e serviços. Soma-se a isso a oscilação cambial, custos de movimentação portuária, logística, eventuais paralisações de órgãos federais e temos um cenário muito complicado”, exemplifica.
Para o diretor comercial do Terminal de Contêineres do Porto de Rio Grande (Tecon), Renê Wlach, que já atuou tanto em empresas exportadoras como em companhias de navegação, a realidade atual é realmente complexa, mas é possível vislumbrar um cenário animador. E cita o próprio Tecon como um termômetro, já que cerca de 90% dos 700 mil contêineres movimentados a cada ano são vinculados à exportação.
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“O Rio Grande do Sul é um estado com uma vocação exportadora, com tradição fabril de qualidade muito grande. Isso faz diferença. A General Motors e a Stihl já anunciaram investimentos grandes. Outros devem vir. Há excesso de dinheiro na Europa, onde os juros estão negativos. Ou seja, o investimento é uma necessidade para essas empresas e tanto o Brasil quanto o Rio Grande do Sul apresentam excelentes oportunidades”, projeta.
EM POSIÇÃO DE DESTAQUE
33 é a posição de Santa Cruz no ranking da balança comercial de municípios brasileiros, considerando-se o saldo
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1,3 bi é o valor em US$ movimentado por empresas de Santa Cruz do Sul e Venâncio Aires em comércio exterior
O impacto do setor do tabaco
Em meio a este cenário, o Vale do Rio Pardo ainda se mantém como uma espécie de ferrolho, principalmente pelas particularidades do mercado internacional do tabaco e pelo padrão elevado da folha que sai das lavouras brasileiras. Mesmo que com pequenas oscilações negativas de 6,5% em volume e 2,78% em faturamento na última safra, o desempenho de 483 mil toneladas exportadas e receita de US$ 2,12 bilhões em 2016 são um sonho de consumo para outros segmentos da economia. Em 2017, os números são ainda mais animadores.
“O Sistema Integrado de Produção é responsável por essa liderança, pois prima pela qualidade e integridade do produto. A liderança também está relacionada à produção sustentável. Fortalecer esses pontos tem mantido o setor de tabaco competitivo no mercado internacional e, por consequência, gerado efeitos positivos não só para a economia, mas também para a qualidade de vida de milhares de pessoas, especialmente no Sul do País”, diz Iro Schünke, presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (Sinditabaco).
Em Santa Cruz
Balança comercial de Santa Cruz do Sul entre janeiro e outubro de 2017
Atividade Valor (US$) Ranking
Exportação 771.226.357 56
Importação 82.177.188 195
Saldo comercial 689.049.168 33
Volume corrente 853.403.545 73
FONTE: MINISTÉRIO DA INDÚSTRIA, COMÉRCIO EXTERIOR E SERVIÇOS
Em Venâncio
Balança comercial de Venâncio Aires entre janeiro e outubro de 2017
Atividade Valor (US$) Ranking
Exportação 268.868.293 87
Importação 8.393.532 456
Saldo comercial 260.474.731 53
Volume corrente 277.261.854 134
FONTE: MINISTÉRIO DA INDÚSTRIA, COMÉRCIO EXTERIOR E SERVIÇOS
AS CAMPEÃS
Seis indústrias do Vale do Rio Pardo estão entre as 425 maiores exportadoras do Brasil:
Empresa Cidade Ranking
Universal Leaf Tabacos Santa Cruz do Sul 131
Philip Morris Santa Cruz do Sul 193
Souza Cruz Santa Cruz do Sul 219
CTA Venâncio Aires 224
China Brasil Venâncio Aires 284
JTI Santa Cruz do Sul 423FONTE: MINISTÉRIO DA INDÚSTRIA, COMÉRCIO EXTERIOR E SERVIÇOS
Arrecadação
Os principais impostos arrecadados diretamente pelas indústrias do setor do tabaco:
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