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Made in Vale do Rio Pardo: âncoras que travam as exportações gaúchas

Em raros lugares o tempo é tão caro quanto num porto marítimo. Tudo precisa ser extremamente pragmático e a disciplina é a base de todo o sistema. A programação de carregamentos é feita com semanas ou meses de antecedência e quem erra paga caro. Qualquer deslize pode significar um prejuízo de dezenas de milhares de reais. Em caso de descumprimento de contrato, por exemplo, um navio pode pagar até R$ 50 mil por hora parada no cais. 

A empresária Rosilene Heinen, da Kol Logística, conhece bem essa realidade e sabe que o grau de eficiência precisa ser extremo. “Basta o preenchimento equivocado de um formulário, que leve o contêiner a uma pilha errada no terminal, e será preciso desembolsar R$ 645,00  só para colocá-lo no local adequado.” Dos casos mais complexos que presenciou, Rosilene cita o de uma empresa que teve a compra cancelada pelo cliente após quase 20 contêineres já estarem no Porto de Rio Grande. “A indústria teve que pagar pela retirada de cada um deles do pátio, o transporte de volta ao Vale do Rio Pardo, o descarregamento do produto, transporte de todos os contêineres de volta ao porto e uma multa à companhia marítima, a quem pertencem os contêineres, que são ‘emprestados’ às empresas exportadoras”, relata.

Essa exigência de precisão tira o sono dos exportadores, importadores e armadores que utilizam o Porto de Rio Grande. O mar aberto e o clima inóspito do litoral gaúcho fazem com que as condições de navegação sejam muito mais severas. O resultado são fechamentos frequentes do porto, e cada vez que isso acontece, os prejuízos acumulam-se. 

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Uma preocupação a mais para o setor é que além do clima, os próprios armadores têm cancelado seguidamente os embarques em Rio Grande, causando desalinhamento do fluxo de carregamentos, descumprimento dos prazos de entrega e um grande desgaste nas relações comerciais. “Em agosto tivemos nove cancelamentos com clima favorável, o que faz crer que o problema acontece em outros pontos da rota. Os armadores preocupam-se em não atrasar a escala nos portos europeus devido às multas pesadas. Então, quando há imprevistos, algum porto fica de fora”, explica o diretor comercial do Tecon Rio Grande, Renê Wlach. “Nós somos os maiores interessados em resolver, pois precisamos de tráfego. Hoje a nossa capacidade é de movimentar 1,2 milhão de contêineres ao ano e nosso número fica em 700 mil.”

Poucos investimentos

Profissionais da área acreditam que parte do problema está na recessão. A falta de capacidade de investimento do poder público faz com que a privatização de serviços portuários seja vista com bons olhos pela Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs). A manutenção da estrutura portuária exige recursos elevados, até porque os navios estão cada vez maiores e exigem estruturas proporcionais às suas dimensões. “O porto precisa ser atrativo. Hoje é muito caro chegar até lá pela falta de infraestrutura rodoviária e hidroviária. A diminuição do volume de cargas  acarreta elevação dos custos operacionais, mais um fator para afastar quem opera com comércio exterior”, ressalta o coordenador do Conselho de Comércio Exterior da Fiergs, Cezar Müller.

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O scanner da discórdia

Um dos exemplos de privatização no Porto de Rio Grande aconteceu no terminal que movimenta contêineres, o mais utilizado pelas empresas do Vale do Rio Pardo. A empresa Tecon, que conquistou a concessão em 1997, com direito de exploração por 25 anos, fez pesados investimentos para tornar a estrutura atrativa. De ultrapassado, o complexo passou a ser um dos mais modernos da América Latina. Ele recebe 14 linhas marítimas semanais: duas para Extremo Oriente e África, três para Europa e Mediterrâneo, quatro para as três Américas e cinco para Brasil e Rio da Prata. 

Contudo, ao mesmo tempo que reconhecem a eficiência do terminal privatizado, empresas e entidades lamentam a falta de concorrência e contestam taxas e tarifas. O tema ganha força desde o final de 2014, quando o Tecon passou a usar um scanner para vistorias não invasivas de contêineres. A taxa de R$ 395,00 pelo serviço – que lá é obrigatório – gera críticas. Um dos argumentos de quem reclama é que o investimento na compra do equipamento já teria sido pago com folga. O tema foi parar até na pauta da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “Cada custo a mais representa menos competitividade”, argumenta Cezar Müller. 

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Pelo lado do Tecon, o diretor comercial, Renê Wlach, aponta os baixos índices de ilegalidade em comércio exterior no porto, incluindo fraudes ou mesmo tráfico de drogas, alcançados graças ao equipamento. “A Receita Federal aqui é muito atuante, e nós estamos cumprindo o nosso papel. Quanto ao valor cobrado, optamos por uma taxa mais barata e cobrar de todos. Noutros portos, onde a vistoria não é taxada em todos os contêineres, quando há a necessidade, o valor fica na faixa de R$ 3 mil”, explica. 

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