No modesto mercadinho, uma sorridente senhora, já em idade avançada, vendeu-me uma garrafa d’água e alguns chocolates. Paguei em patacas, a moeda local, agradeci, e estava de saída quando escutei: “Vá com Deus”. Surpreso, retornei para lhe perguntar por que, naquela antiga colônia portuguesa, onde os nomes dos negócios e repartições ainda aparecem em português, tão poucos falavam a língua de Camões. Ela explicou que era funcionária de uma repartição pública, e por isso aprendeu a língua oficial do governo colonial. Foi a única pessoa que encontrei com quem pude conversar em minha língua nativa, resultado da estratégia lusitana de usar o português como uma espécie de código de governo, julgando que assim manteriam alguma superioridade ou vantagem.
Poucas horas antes, uma veloz embarcação hidrofólio e seus potentes propulsores Boeing haviam me trazido desde a fascinante Hong Kong, onde os britânicos adotaram por décadas a estratégia oposta, ensinando a língua inglesa e muitos de seus costumes à vasta maioria da população de origem chinesa. Por essas e outras, o desenvolvimento em Hong Kong se deu de forma bem mais acelerada e eficiente. Com os dois territórios devolvidos ao poder de Pequim entre 1997 e 1999, os chineses logo encontrariam uma forma de equalizar a riqueza e o desenvolvimento das ex-colônias, transformando Macau em uma versão oriental de Las Vegas. Graças aos ávidos e endinheirados chineses que ali aportam diariamente, e que lotam os megacassinos, a indústria do jogo e entretenimento de Macau é hoje sete vezes maior do que a da “cidade do pecado” norte-americana.
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Primeiro entreposto europeu na Ásia, a península de Macau foi ocupada por Portugal de 1557 até o final do último milênio. A cidade de 600 mil habitantes é hoje uma Região Administrativa Especial da República Popular da China que, assim como Hong Kong, segue o princípio “um país, dois sistemas”, com governo e economia independentes da China continental, pelo menos em teoria. Quase 20% da população tem cidadania portuguesa, uma das heranças do período colonial, porém menos de 1% fala português ou seu dialeto local, o patuá macaense.
Nos restaurantes, os menus ainda oferecem comidas portuguesas tradicionais, como o caldo verde e os pastéis de Belém. Pelas ruas, tem-se a estranha sensação de estar nos confins da China e ver nomes de ruas, lojas, prédios do governo, notas e moedas de patacas etc., em língua portuguesa. Os bairros ainda se chamam freguesias, e todas levam nomes cristãos. No Largo do Senado, centro da Freguesia da Sé, o calçamento de efeito ondulatório, típico português, os prédios típicos como a Santa Casa de Misericórdia e os prédios do governo ilustram de forma peculiar esse interessante encontro das culturas portuguesa e cantonesa.
A fachada de granito da Igreja da Madre de Deus, conhecida hoje como Ruínas de São Paulo, foi o que restou de um incêndio que, em 1835, destruiu a basílica construída pelos jesuítas em 1565, e que nunca mais seria reconstruída. A fachada e a magnífica escadaria que até ela conduz são hoje os maiores símbolos de Macau. O adjacente Museu de Arte Sacra contém objetos de grande valor histórico de todas as antigas igrejas e conventos de Macau.
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A forma desenfreada e avassaladora com que a região da foz do Rio das Pérolas cresce e se desenvolve, tanto na margem que abriga Macau como na margem oposta, em Hong Kong, é a prova de que os comunistas de Pequim há muito abandonaram o maoismo original. Com dois terços de seu território tomados do mar por aterros, Macau saiu de uma situação colonial de subdesenvolvimento e pobreza para, em menos de 20 anos, apropriar-se de um dos maiores PIB per capita do planeta.
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