As palavras nos explicam. Reclama-se muito da agressividade no ambiente virtual, da grosseria e raiva gratuitas nas redes sociais, etc. Mas é difícil esperar outra coisa quando os verbos mais usados – até para diálogos inofensivos e banais – são “destruir”, “humilhar”, “espancar” e assemelhados. Uma rápida navegação pelo YouTube já nos atira em um redemoinho de “Fulano destrói sicrano”, “Sicrana humilha beltrano”, “espanca”, “pisa” e por aí vai. Um desavisado pensaria se tratar de vídeos com brigas de rua e homicídios, mas não: é apenas gente conversando.
Alguém responde, outro rebate, critica, contesta, muitas vezes de modo bastante educado e civilizado (claro que nem sempre), mas as chamadas são bombásticas e “bélicas”.
Já não gosto do verbo “lacrar”, na sua forma de gíria virtual, pois nunca consigo esquecer do sentido original da palavra: o ato de fechar ou isolar algo. Como diz o Aurélio, “fechar completamente”. Sei que o significado mais em voga hoje é outro, mas a acepção correta não deixa de ilustrar bem o estado neurótico de grande parte das interações online – todos presos em suas bolhas.
Publicidade
Esperava-se algo bem melhor da “aldeia global”. Quando as redes sociais surgiram, elas trouxeram consigo – como já acontecera antes com o advento do rádio, da televisão – a ilusão de que seriam meio de fortalecer a cultura, a troca de informações relevantes, os laços sociais, a aproximação entre diferentes e, em decorrência de tudo isso, a democracia. Todos se tornariam pessoas melhores e mais civilizadas. Não foi o que aconteceu.
As barreiras entre quem pensa e age diferente parecem ter ficado mais espessas. E as divergências, mais ferozes. O sociólogo francês Dominique Wolton já se mostrava preocupado em 2009, quando publicou o livro Informar não é comunicar. Nele, observa: “A palavra ‘rede’ tornou-se mágica. Mas uma rede reúne, antes de tudo, pessoas com pontos de vista em comum.
Essa é a sua força e a sua sedução. Seja qual for o seu alcance, uma rede é, antes de tudo, comunidade, agrupamento mesmo. É por isso que tantas pessoas querem integrar uma rede. Como fica, então, a problemática mais complicada da sociedade? Em sociedade, é preciso reunir não apenas aqueles que compartilham valores e interesses comuns, mas também aqueles, mais numerosos, que são diferentes. (…) A sociedade em rede remete ao individualismo e ao comunitarismo, desviando-se do modelo mais complicado da alteridade e da sociedade.”
Publicidade
Porque a sociedade democrática é o lugar da divergência, do contraditório, da multiplicidade de opiniões. É isso que a torna o que é. Onde não há vozes distintas na praça, ou elas são abafadas, também não existe democracia. Existe alguma outra coisa.