ads1
GAZ – Notícias de Santa Cruz do Sul e Região

Luis Ferreira: “Ninguém precisa disso”

Hoje não vai ter literatura. A cena parece impensável. Uma jovem de 17 anos encontra-se em um leito de UTI hospitalar, após sofrer complicações de uma parada cardiorrespiratória. Junto à cama, um homem de meia-idade começa a abusar sexualmente da paciente – que é sua filha.

O caso aconteceu em um hospital de São Bernardo do Campo, ABC Paulista, no mês passado. Funcionários desconfiados filmaram o pai numa de suas visitas e flagraram o crime. O abusador foi preso pela Polícia Civil. Dito isso, impossível não se perguntar: se alguém consegue cometer tal absurdo em um ambiente hospitalar, lugar de circulação de pessoas, o que não é capaz de fazer na própria casa? Na intimidade inviolável do lar?

Publicidade

LEIA TAMBÉM: Da natureza das pedras

Publicidade

Mais grave ainda: o estupro de uma adolescente pelo próprio pai está longe de ser uma anomalia, ou caso isolado, no Brasil. Diversas pesquisas já apontaram isso, e a mais recente foi divulgada na última terça-feira. Trata-se do Atlas da Violência 2024, relatório elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Os dados utilizados vêm do Sistema Único de Saúde (SUS).

Conforme o Atlas, meninas de até 14 anos sofrem proporcionalmente mais violência sexual do que mulheres adultas. Em 2022, 30,4% das agressões contra crianças do sexo feminino na faixa de 0 a 9 anos tiveram caráter sexual. No grupo de 10 a 14 anos, o número chega a 49,6%.

Publicidade

A partir desse patamar, os números diminuem. Na faixa etária de 15 a 19 anos, o índice passa para 21,7%; de 20 a 24 anos, 10,3%. A redução se acentua até chegar a 1,1% no grupo acima de 80 anos. O relatório também comprova que a violência é praticada especialmente dentro de casa, no ambiente familiar. Os deputados responsáveis pelo PL 1904-2024, que prevê até 20 anos de prisão para mulheres em caso de aborto após 22 semanas, poderiam levar esses dados em consideração ao exercer sua nobre tarefa de legislar. E não custa lembrar: nem os estupradores recebem uma pena tão dura no Brasil.

Publicidade

A não ser que a real preocupação, mais do que proteger a vida, seja castigá-la ainda mais. E ninguém está precisando disso.

LEIA OUTROS TEXTOS DE LUIS FERREIRA

Publicidade

Publicidade

© 2021 Gazeta